- No meio de toda a turbulência internacional, a bolsa brasileira tem conseguido se descolar dos pares e sustentar uma leve alta em 2022
- Um cenário que pode continuar a ocorrer no próximo ano na visão da XP Investimentos, à medida que o mercado local vai se destacando entre os emergentes
- Ao E-Investidor, Fernando Ferreira, estrategista-chefe da corretora, explica quais fatores podem ajudar o Ibovespa em 2023
O ano de 2022 não foi fácil para os investidores no mundo todo. Reabertura pós-pandemia, guerra no leste europeu e bancos centrais de diferentes países elevaram os juros em uma batalha contra a inflação: uma combinação de fatores que penalizou as bolsas de valores e ativos de risco. Para 2023, a perspectiva ainda será de cautela, com uma iminente recessão nas economias desenvolvidas no radar.
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No meio de toda essa turbulência, a bolsa brasileira tem conseguido se descolar dos pares internacionais e sustentar uma leve alta em 2022. Um cenário que pode continuar a ocorrer no próximo ano na visão da XP Investimentos, à medida que o mercado local vai se configurando como o novo ‘TINA’ entre os emergentes – sigla em inglês para There is no Alternative ou “não há alternativa” no português. Para Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, o Brasil pode se destacar no cenário global como uma das poucas alternativas relativamente estáveis para investidores.
“O investidor global vê a China enfrentando uma desaceleração, a Rússia sem poder receber investimentos, a Europa com toda essa questão de preços de energia e a Turquia com sérios problemas. Faltam opções”, diz. “Não quer dizer que não haja riscos, mas o Brasil acaba saindo bem porque os outros países têm problemas maiores”.
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A posição avançada no ciclo de aperto monetário nacional também pode ajudar. Por aqui, o Banco Central já interrompeu as altas nos juros depois de um ano e meio de ajustes, enquanto a maioria das economias mundiais ainda estão no meio desse processo.
O perfil do Ibovespa, com maior exposição a setores mais resilientes como commodities e bancos, também é interessante aos gringos. Uma combinação de fatores que pode voltar a atenção do capital estrangeiro para a B3 e ajudar a sustentar bons resultados na bolsa brasileira em 2023, mesmo frente a um cenário externo mais desafiador.
Um único fator joga contra o cenário mais positivo para os investimentos no Brasil: as incertezas com a política fiscal do novo governo eleito. Nesta semana, como contamos nesta reportagem, o mercado reagiu negativamente às sinalizações sobre a PEC de Transição, que propõe retirar o Bolsa Família do teto de gastos.
“O País virou um grande consenso entre os investidores globais e por isso temos visto fluxos de entrada tão fortes. Mas esse investidor vai continuar aqui?”, questiona Ferreira.
Ao E-Investidor, o estrategista-chefe da XP explicou quais fatores podem ajudar a bolsa brasileira a conquistar bons desempenhos, além de boas oportunidades de investimento para 2023. Confira:
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E-Investidor – Um relatório recente da XP destacou que o Brasil estaria se tornando o TINA (There Is No Alternative) entre os emergentes. Por quê?
Fernando Ferreira – Dá para perceber isso pelo fluxo de entrada de investidores estrangeiros no Brasil, que continua muito forte e tem a ver com alguns motivos. O primeiro é o fato de que fizemos o trabalho de combate à inflação mais rápido que outros bancos centrais. O BC brasileiro já conseguiu parar a alta dos juros, já vimos sinais de desaceleração na inflação; um cenário muito diferente do que temos lá fora.
O segundo motivo, mais específico para quem vem para a bolsa de valores, é a exposição setorial àqueles que não sofrem tanto com a alta de juros ou que são mais protegidos em um cenário de inflação alta. E aqui estou falando dos três principais setores da bolsa brasileira: o financeiro, o de commodities, e as utilities. Esses setores têm uma proteção em relação à inflação e ao câmbio, muito diferente por exemplo das bolsas da China e dos EUA, muito ligadas a empresas de tecnologia e portanto muito sensíveis à taxa de juros.
O terceiro motivo, e não menos relevante, é que o mundo tem sérios problemas no momento. O investidor global vê a China enfrentando uma desaceleração, a Rússia sem poder receber investimentos; a Europa com toda essa questão de preços de energia e a Turquia com sérios problemas. Faltam opções. E quando esse investidor olha para o Brasil, ele vê um cenário mais estável, nem mesmo as eleições assustaram. Não quer dizer que não haja riscos, mas o Brasil acaba saindo bem porque os outros países têm problemas maiores.
Isso significa que em 2023 o Brasil deve estar no foco do capital estrangeiro?
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Ferreira – O País virou um grande consenso entre os investidores globais e por isso temos visto fluxos de entrada tão fortes. Se esse investidor vai permanecer no Brasil nos próximos anos, depende de a gente não ir por um caminho de política fiscal muito expansionista, parecido com o que a Inglaterra tentou fazer. O mercado global hoje em dia está mais arisco, porque temos uma inflação alta e uma política fiscal expansionista piora esse cenário.
O temor em relação à política fiscal do novo governo poderia afastar os gringos ou fazer o Brasil perder espaço entre os emergentes?
Ferreira – Poderia. Estamos vendo uma reação muito negativa no câmbio, no CDI e na bolsa em relação à política fiscal.
A entrada de capital pode proteger a bolsa brasileira de um cenário externo mais instável em 2023?
Ferreira – Esse é um bom ponto. Mesmo em um cenário turbulento lá fora, os ativos brasileiros podem continuar performando melhor no relativo. Vimos isso esse ano: enquanto as bolsas lá fora caem entre 20% e 30%, a nossa sobe.
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Em 2007, o Brasil chegou a ser quase 20% do índice de mercados emergentes. Hoje, a participação é menos de 4%. A China ganhou muito espaço, mas é uma oportunidade para que o Brasil volte a ganhar representatividade nos portfólios e carteiras globais.
Então a visão para a bolsa em 2023 é construtiva?
Ferreira – Sim. Nossa estimativa de valor justo para o Ibovespa é de 135 mil pontos para o final do ano que vem. Ainda assim, a visão para 2023 é um pouco mais cautelosa do que tínhamos para 2022, principalmente por duas razões. Primeiro, o cenário global, com a possibilidade de recessão na Europa e nos EUA. Sabemos que mercados emergentes tendem a ir mal nesses cenários e isso continua sendo um ponto de atenção para o ano que vem.
E um segundo ponto é a indefinição em relação à política econômica e fiscal futura. Essa questão pode fazer preço nos ativos brasileiros.
Como os investidores podem garimpar boas opções na bolsa pensando no próximo ano?
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Ferreira – A gente continua gostando de três temas. Primeiro, o setor de commodities. Está bem atrativo, tanto as ações de metálicas quanto as de energia estão muito baratas. E é um setor que pode se beneficiar tanto da alta do dólar, como estamos vendo recentemente, quanto da reabertura da China.
Em segundo lugar, gostamos de empresas que tenham capacidade de crescer mesmo em um cenário macro desafiador. E aqui entram várias empresas domésticas que têm boa perspectiva de crescimento. Algumas varejistas, como Grupo Soma (SOMA3) e Arezzo (ARZZ3), Hypera (HYPE3), no setor farmacêutico, e outras como Localiza (RENT3) e Assaí (ASAI3).
O terceiro tema que chamamos atenção são empresas de qualidade, com bons fundamentos, mas que estão negociando a valores bem atrativos na bolsa. O setor de shoppings, por exemplo, ainda não recuperou os níveis pré-pandemia e as ações seguem muito baratas na bolsa.