- Mesmo sendo de economia mista, a Petrobras sofre influência direta do Poder Executivo em determinadas situações
- Em alguns casos, as decisões podem ser contrárias aos dos outros acionistas
- Por isso, a importância de entender como funciona a interferência do Poder Executivo na empresa antes de comprar suas ações
(Por Carlos Pegurski/especial para o E-Investidor) Criada em 1953, a Petrobras nasceu como uma empresa pública de economia mista. Como o próprio nome diz, trata-se de um regime jurídico particular: ela difere das estatais tradicionais (autarquias ligadas ao governo que atendem à legislação pública), mas também não se comporta como outra organização privada comum.
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Mas, afinal, como funciona a governança da empresa? O governo pode mandar e desmandar na companhia? Qual é o limite entre as esferas pública e privada?
Se você tem ações PETR3 e PETR4 ou pensa em adquiri-las, preste atenção: vale a pena conhecer mais o assunto. Afinal, o contexto político afeta todo o mercado, mas torna-se especialmente importante no caso das estatais.
Saiba por que há interesses diferentes em jogo
Se as autarquias públicas (fundações, universidades e institutos) já têm autonomia administrativa e financeira, tudo indica que as empresas públicas de economia mista, que o governo detém apenas parte delas, seriam ainda mais livres para determinar sua política, correto?
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Bom, a experiência prática não confirma isso. A Petrobras, a Eletrobras e o Banco do Brasil sofrem influência direta do Executivo em determinados casos e isso pode se chocar com interesses dos outros detentores de ações dessas entidades.
Por exemplo, se o valor do combustível estiver subindo muito, o governo pode ser pressionado a controlar o preço por meio de subsídios oferecidos pela Petrobras, que passa a absorver parte do valor. Nesse caso, a petroleira lidaria com uma margem de lucro menor e, a médio e longo prazos, poderia inclusive registrar prejuízos nas operações.
Do ponto de vista macroeconômico, a política faz sentido: a alta no combustível é um dos itens que mais interferem na inflação, mas quem investe na empresa vê com “maus olhos” o protecionismo estatal, já que isso afeta o resultado da companhia.
Por isso, essa é uma balança difícil de ser equilibrada, pois a organização precisa conciliar seu compromisso estratégico com os resultados que a tornem interessante para os investidores.
Entenda o papel do governo no controle da empresa
Nesse arranjo delicado, a administração da empresa precisa de uma boa dose de jogo de cintura para lidar com a pressão das diferentes demandas. E, por parte do governo, isso pode ocorrer de forma mais ou menos direta. Então, entenda como o Executivo atua junto à empresa.
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Composição
A União tem um papel fundamental no controle da Petrobras, e isso começa pela própria formação da companhia. Por determinação legal, o governo deve ser majoritário e ter controle sobre os rumos da empresa, o que ocorre por meio das ações ordinárias (PETR3).
Esses papéis, porém, são apenas parte do capital negociado na Bolsa, já que as ações preferenciais PETR4, por exemplo, não dão direito ao voto em assembleia. Assim, o governo consegue ser majoritário na companhia mesmo com uma participação relativamente pequena no montante total.
Aliás, o controle da União nunca foi tão baixo: hoje mais de 40% da empresa é controlada por estrangeiros. Essa é uma tendência que vem se confirmando desde 2017, graças à decisão do BNDES e de outros braços públicos de vender grandes lotes de ações que possuíam.
Essa queda no número de ações da empresa nas mãos do governo não é termômetro de menor interferência do Estado, como gostariam os acionistas. Desde 2019, o governo Bolsonaro está entre as lideranças que mais venderam os títulos da companhia e também entre as que mais intervieram nela.
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Ocorre que, em vez de desprender a organização dos interesses políticos do governo (que fazem parte da dinâmica de uma empresa pública), a diminuição de papéis da Petrobras dificulta que o governo atue de forma mais orgânica no mercado.
Além do controle societário em assembleias e o poder de ditar a dinâmica das ações como um player de mercado, o governo tem a prerrogativa de nomear o presidente da petroleira. Com isso, podendo garantir a escolha de um nome com o perfil desejado para a condução da organização, o que não necessariamente agrada aos acionistas.
Tomada de decisão
Ter a empresa nas mãos de investidores estrangeiros pode não parecer um problema, mas isso gera desafios na tomada de decisões da companhia sobre assuntos que interferem no cotidiano nacional.
É compreensível, por exemplo, os acionistas desejarem que a empresa tenha a maior lucratividade possível. Entretanto, em meio ao desemprego, à inflação e à perda do poder de compra, tudo que os motoristas brasileiros não desejam é abastecer seus carros em meio a preços cada vez mais elevados.
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Na difícil tarefa de conciliar interesses diferentes a uma estratégia combinada, ter a confiança do mercado é fundamental. Assim, podem-se ajustar fatores-chave para a economia doméstica e ainda manter bons resultados.
A União cumpre um papel fundamental ao apontar o destino das políticas da companhia, que têm efeito cascata em diversos outros setores da economia nacional. A grande questão, portanto, não é se o governo pode interferir, mas qual é o limite dessa intervenção.
Conheça os impactos da interferência estatal
Há diversos momentos em que o governo interferiu na Petrobras trazendo sobressaltos ao mercado. Contudo, dois exemplos recentes são especialmente didáticos.
Um deles em 2018, ainda sob a gestão Temer, quando o governo federal optou por subsidiar o preço do diesel, que sofreu reajustes diários. O cenário era delicado. No fim de maio daquele ano, o Brasil enfrentou uma paralisação dos caminhoneiros que durou dez dias e envolveu as Forças Armadas no controle do movimento. Diversas cidades decretaram estado de calamidade pública ou de emergência, incluindo as capitais São Paulo e Porto Alegre.
Para acabar com a greve, o governo se comprometeu a baixar o preço do diesel, absorvendo mais prejuízos após longos dias de queda na demanda por combustíveis. E, embora necessário, o remédio foi amargo: as ações da companhia na B3 caíram 34% e levaram mais de um semestre para recuperar o mesmo patamar.
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Outro caso ocorreu neste ano. Em fevereiro, descontente com a política de combustível adotada pela Petrobras, Bolsonaro trocou abruptamente o comando da empresa. No lugar de Pedro Parente, o governo indicou o militar Joaquim Silva e Luna.
O mercado reagiu mal à decisão, e as ações caíram 20% em um único dia. Novamente, seriam necessários mais quatro meses para retomar o valor dos títulos negociados na Bolsa, mas o custo parece ter sido ainda maior que no caso anterior: os impactos dessa decisão interromperam um cenário de ouro para a companhia.
O início do ano apresentava um ambiente promissor. Graças ao aquecimento da economia, o mundo voltava a demandar barris de petróleo com o dólar valorizado. O momento era tão oportuno que o 4T2020 foi sete vezes mais rentável do que o mesmo período do ano anterior, quando a pandemia não era uma realidade.
A lucratividade de mais de 600% desse trimestre, em meio à covid-19, foi um cenário a ser assegurado com unhas e dentes. Assim, sendo o maior da história entre empresas de capital aberto no Brasil e não se tratando de uma empresa marginal, mas de um setor que cria tendências e é capaz de alavancar ainda mais a retomada econômica, com mais investimentos no Brasil.
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Por isso, embora o governo possa e em diversos casos deva interferir na companhia, a experiência demonstra que os limites dessa intervenção fazem toda a diferença. Erros em áreas estratégicas cobram caro: mais que depreciação de papéis, esses eventos geram ainda mais pressão para que a companhia seja privatizada, a exemplo do que ocorre neste momento com a Eletrobras.