Mercado

Governo pode influenciar nas ações da Petrobras?

Entenda o papel do Governo diante da companhia e o impacto das ações diante das ações  negociadas na B3

Governo pode influenciar nas ações da Petrobras?
(Fonte: Shutterstock)
  • Mesmo sendo de economia mista, a Petrobras sofre influência direta do Poder Executivo em determinadas situações
  • Em alguns casos, as decisões podem ser contrárias aos dos outros acionistas
  • Por isso, a importância de entender como funciona a interferência do Poder Executivo na empresa antes de comprar suas ações

(Por Carlos Pegurski/especial para o E-Investidor) Criada em 1953, a Petrobras nasceu como uma empresa pública de economia mista. Como o próprio nome diz, trata-se de um regime jurídico particular: ela difere das estatais tradicionais (autarquias ligadas ao governo que atendem à legislação pública), mas também não se comporta como outra organização privada comum.

Mas, afinal, como funciona a governança da empresa? O governo pode mandar e desmandar na companhia? Qual é o limite entre as esferas pública e privada?

Se você tem ações PETR3 e PETR4 ou pensa em adquiri-las, preste atenção: vale a pena conhecer mais o assunto. Afinal, o contexto político afeta todo o mercado, mas torna-se especialmente importante no caso das estatais.

Saiba por que há interesses diferentes em jogo

nvestimento: esse é um dos pontos em que governo e investidores podem ter expectativas diferentes. (Fonte: Gilberto Mesquita/Shutterstock)

Se as autarquias públicas (fundações, universidades e institutos) já têm autonomia administrativa e financeira, tudo indica que as empresas públicas de economia mista, que o governo detém apenas parte delas, seriam ainda mais livres para determinar sua política, correto?

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Bom, a experiência prática não confirma isso. A Petrobras, a Eletrobras e o Banco do Brasil sofrem influência direta do Executivo em determinados casos e isso pode se chocar com interesses dos outros detentores de ações dessas entidades.

Por exemplo, se o valor do combustível estiver subindo muito, o governo pode ser pressionado a controlar o preço por meio de subsídios oferecidos pela Petrobras, que passa a absorver parte do valor. Nesse caso, a petroleira lidaria com uma margem de lucro menor e, a médio e longo prazos, poderia inclusive registrar prejuízos nas operações.

Do ponto de vista macroeconômico, a política faz sentido: a alta no combustível é um dos itens que mais interferem na inflação, mas quem investe na empresa vê com “maus olhos” o protecionismo estatal, já que isso afeta o resultado da companhia.

Por isso, essa é uma balança difícil de ser equilibrada, pois a organização precisa conciliar seu compromisso estratégico com os resultados que a tornem interessante para os investidores.

Entenda o papel do governo no controle da empresa

A direção do governo à frente da Petrobras deve considerar fatores macroeconômicos. (Fonte: Alf Ribeiro/Shutterstock)

Nesse arranjo delicado, a administração da empresa precisa de uma boa dose de jogo de cintura para lidar com a pressão das diferentes demandas. E, por parte do governo, isso pode ocorrer de forma mais ou menos direta. Então, entenda como o Executivo atua junto à empresa.

Composição

A União tem um papel fundamental no controle da Petrobras, e isso começa pela própria formação da companhia. Por determinação legal, o governo deve ser majoritário e ter controle sobre os rumos da empresa, o que ocorre por meio das ações ordinárias (PETR3).

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Esses papéis, porém, são apenas parte do capital negociado na Bolsa, já que as ações preferenciais PETR4, por exemplo, não dão direito ao voto em assembleia. Assim, o governo consegue ser majoritário na companhia mesmo com uma participação relativamente pequena no montante total.

Aliás, o controle da União nunca foi tão baixo: hoje mais de 40% da empresa é controlada por estrangeiros. Essa é uma tendência que vem se confirmando desde 2017, graças à decisão do BNDES e de outros braços públicos de vender grandes lotes de ações que possuíam.

Essa queda no número de ações da empresa nas mãos do governo não é termômetro de menor interferência do Estado, como gostariam os acionistas. Desde 2019, o governo Bolsonaro está entre as lideranças que mais venderam os títulos da companhia e também entre as que mais intervieram nela.

Ocorre que, em vez de desprender a organização dos interesses políticos do governo (que fazem parte da dinâmica de uma empresa pública), a diminuição de papéis da Petrobras dificulta que o governo atue de forma mais orgânica no mercado.

Além do controle societário em assembleias e o poder de ditar a dinâmica das ações como um player de mercado, o governo tem a prerrogativa de nomear o presidente da petroleira. Com isso, podendo garantir a escolha de um nome com o perfil desejado para a condução da organização, o que não necessariamente agrada aos acionistas.

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Tomada de decisão

Ter a empresa nas mãos de investidores estrangeiros pode não parecer um problema, mas isso gera desafios na tomada de decisões da companhia sobre assuntos que interferem no cotidiano nacional.

É compreensível, por exemplo, os acionistas desejarem que a empresa tenha a maior lucratividade possível. Entretanto, em meio ao desemprego, à inflação e à perda do poder de compra, tudo que os motoristas brasileiros não desejam é abastecer seus carros em meio a preços cada vez mais elevados.

Na difícil tarefa de conciliar interesses diferentes a uma estratégia combinada, ter a confiança do mercado é fundamental. Assim, podem-se ajustar fatores-chave para a economia doméstica e ainda manter bons resultados.

A União cumpre um papel fundamental ao apontar o destino das políticas da companhia, que têm efeito cascata em diversos outros setores da economia nacional. A grande questão, portanto, não é se o governo pode interferir, mas qual é o limite dessa intervenção.

Conheça os impactos da interferência estatal

Abrupta, a indicação do general Silva e Luna para o comando da Petrobras interrompeu o maior ciclo de lucro da história da bolsa brasileira. (Fonte: Agência Brasil/reprodução)

Há diversos momentos em que o governo interferiu na Petrobras trazendo sobressaltos ao mercado. Contudo, dois exemplos recentes são especialmente didáticos.

Um deles em 2018, ainda sob a gestão Temer, quando o governo federal optou por subsidiar o preço do diesel, que sofreu reajustes diários. O cenário era delicado. No fim de maio daquele ano, o Brasil enfrentou uma paralisação dos caminhoneiros que durou dez dias e envolveu as Forças Armadas no controle do movimento. Diversas cidades decretaram estado de calamidade pública ou de emergência, incluindo as capitais São Paulo e Porto Alegre.

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Para acabar com a greve, o governo se comprometeu a baixar o preço do diesel, absorvendo mais prejuízos após longos dias de queda na demanda por combustíveis. E, embora necessário, o remédio foi amargo: as ações da companhia na B3 caíram 34% e levaram mais de um semestre para recuperar o mesmo patamar.

Outro caso ocorreu neste ano. Em fevereiro, descontente com a política de combustível adotada pela Petrobras, Bolsonaro trocou abruptamente o comando da empresa. No lugar de Pedro Parente, o governo indicou o militar Joaquim Silva e Luna.

O mercado reagiu mal à decisão, e as ações caíram 20% em um único dia. Novamente, seriam necessários mais quatro meses para retomar o valor dos títulos negociados na Bolsa, mas o custo parece ter sido ainda maior que no caso anterior: os impactos dessa decisão interromperam um cenário de ouro para a companhia.

O início do ano apresentava um ambiente promissor. Graças ao aquecimento da economia, o mundo voltava a demandar barris de petróleo com o dólar valorizado. O momento era tão oportuno que o 4T2020 foi sete vezes mais rentável do que o mesmo período do ano anterior, quando a pandemia não era uma realidade.

A lucratividade de mais de 600% desse trimestre, em meio à covid-19, foi um cenário a ser assegurado com unhas e dentes. Assim, sendo o maior da história entre empresas de capital aberto no Brasil e não se tratando de uma empresa marginal, mas de um setor que cria tendências e é capaz de alavancar ainda mais a retomada econômica, com mais investimentos no Brasil.

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Por isso, embora o governo possa e em diversos casos deva interferir na companhia, a experiência demonstra que os limites dessa intervenção fazem toda a diferença. Erros em áreas estratégicas cobram caro: mais que depreciação de papéis, esses eventos geram ainda mais pressão para que a companhia seja privatizada, a exemplo do que ocorre neste momento com a Eletrobras.

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