O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil avançou 1,4% no segundo trimestre de 2024 na comparação com os três primeiros meses do ano, mostram dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta terça-feira (3). O número ficou acima da expectativa do mercado, que esperava um crescimento de 0,9% no período. Por outro lado, a conta de luz está mais cara desde a última segunda-feira (2). A conta de luz foi para a bandeira vermelha e vai cobrar um acréscimo de R$ 7,87 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
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Em meio a essas duas notícias, o investidor pode se questionar se ele deve ou não enfrentar um aumento de juros até o fim do ano. Esse aperto monetário viria como consequência ao encarecimento da energia elétrica e do desempenho da economia acima do esperado, o que mostraria que a economia está aquecida e resiliente, sem necessidade de corte de juros.
A verdade é que os analistas se dividiram sobre o que de fato deve acontecer. Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, observa que o PIB acima do consenso, eleva as chances de o Copom subir juros em 2024. O contexto de expectativas de inflação desancoradas, com mercado de trabalho aquecido e depreciação cambial, mais a demanda agregada aquecida aumentam os riscos de uma inflação resiliente, principalmente nos serviços.
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“A perspectiva de alta de juros é negativa para o Ibovespa, pois penaliza as ações cíclicas (devido à perspectiva de desaquecimento da demanda em resposta aos juros mais altos) e as ações de cias consideradas defensivas (cuja atratividade é oferecer um retorno estável e previsível, que ficam menos atrativas diante de taxas de juros mais altas na renda fixa)”, diz Borsoi.
Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital, também diz acreditar que o PIB acima do esperado pode ser negativo para o Ibovespa devido à sua potencial influência sobre as expectativas de inflação e, consequentemente, sobre as taxas de juros (Selic). “Um crescimento econômico mais robusto pode sinalizar que a demanda está aumentando, o que pode pressionar a inflação para cima. Em resposta, o Banco Central pode optar por aumentar a Selic para controlar a inflação”, analisa Moura.
Já Pedro Afonso Gomes, presidente do Corecon-SP, relata que as empresas cotadas em Bolsa e que são produtivas tendem a se beneficiar com o crescimento da economia. Ele também reforça que um desempenho econômico acima do esperado pelo mercado financeiro pode não significar que a inflação está descontrolada e que teremos uma alta de juros. “Os analistas do Boletim Focus erram todos os anos. Então, dizer que a economia está crescendo acima do estimado por eles não necessariamente indica que o desempenho está alto e que deve resultar em uma aceleração da inflação”, relata.
Paulo Luives, especialista da Valor Investimentos, também concorda com a tese. Ele relata que o investidor estrangeiro sempre busca países que apresentam crescimento econômico e com bons números macroeconômicos. O Brasil está nessa rota, com o PIB em crescimento e o desemprego em 6,9%, menor patamar desde 2014. Por isso, o investidor estrangeiro pode ver o Brasil como um país atrativo, com crescimento econômico e operando próximo ao pleno emprego.
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“Isso tende a ser positivo para o mercado de capitais, visto que o Ibovespa pode se beneficiar do bom humor do investidor estrangeiro. No entanto, como a economia está aquecida e gerando emprego com os juros em um patamar elevado, os cortes da Selic, esperados no começo do ano, devem ficar para 2025. Com a economia aquecida, um corte de juros poderia causar uma disparada da inflação”, diz Luives.
Paulo Martins, fundador e CEO da Anova Research, relata que, embora um PIB mais alto possa gerar expectativas de aumento nos juros, tudo indica que grandes analistas e casas do mercado já se posicionaram na ponta vendedora no mercado de juros futuros. Ou seja, eles já antecipam uma queda dos juros a médio prazo.
“Além disso, o Ibovespa está inserido em um ciclo de bull market desde março de 2023, impulsionado pela acumulação de ativos por grandes investidores, que estão otimistas quanto ao crescimento econômico de longo prazo. Portanto, o impacto do PIB no Ibovespa deve ser analisado de forma mais complexa, considerando esses fatores”, argumenta.
Alta na conta de luz pode pressionar a inflação
Outro fator que pode impactar a inflação é a alta na conta de luz. O boleto terá uma cobrança extra de R$ 7,877 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. O assunto não gera discordância entre os analistas. Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, diz que a mudança da bandeira tem um impacto direto de 0,43% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mas o efeito total deve ser maior, pois a alta da energia elétrica tende a ser repassada em outros produtos da cesta do IPCA.
“Este efeito é de difícil estimação, mas acreditamos que o efeito total da bandeira é mais próximo de 0,5% do que de 0,4%. Assumindo que a bandeira não mude até o fim do ano, acreditamos que o IPCA estourará a meta em 2024. Por outro lado, a provável reversão da bandeira em 2025 será desinflacionária, o que deve levar a um IPCA menos salgado no próximo ano”, aponta o especialista.
Já Paulo Martins, da Anova Research, acredita que o reajuste na conta de luz pressionará a inflação no curto prazo, elevando o IPCA devido ao aumento dos custos de energia, que afeta diversos setores da economia. Contudo, ele relata que o setor de energia no Brasil já passou por um ciclo de acumulação de ativos, especialmente por grandes players que anteciparam esse cenário inflacionário. “Historicamente, o setor de energia performa bem em períodos de incerteza econômica e inflação alta, e essa pressão inflacionária já está em parte precificada no mercado”, salienta Martins.
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Vinicius Moura, da Matriz Capital, lembra que esse reajuste deve impactar não só os consumidores pessoas físicas, mas causar um aumento generalizado de preços devido aos custos na produção industrial. Essa alta de custos deve ser repassada para os outros segmentos da economia, o que deve causar uma piora na inflação.
“O reajuste na conta de luz, com a cobrança na bandeira vermelha, adiciona uma pressão inflacionária significativa. A energia elétrica tem um peso relevante no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e o aumento de R$ 7,87 a cada 100 kWh deverá se refletir em uma alta adicional na inflação”, relata Moura.
Quais são as projeções para o PIB e a inflação?
Em meio a esse cenário de PIB forte e reajuste na conta de luz, os analistas fazem estimativas de que o Banco Central não deve atingir a meta de inflação de 2024, de 3% no ano. O especialista da Nova Futura diz que, devido à mudança da bandeira de energia elétrica e à perspectiva de uma inflação de serviços mais duradoura (principalmente após o PIB), ele espera uma alta de 4,72% no IPCA de 2024.
O economista pontua ainda que, para 2025, a reversão da bandeira deve compensar parte da maior inércia inflacionária e o câmbio mais depreciado. Ainda assim, ele diz esperar uma alta de 3,92% no IPCA de 2025. Já o crescimento econômico deve ficar em 3,0% em 2024 e em 2,4% em 2025.
As projeções da Nova Futura para a Selic são de uma manutenção da taxa em 10,5% em 2024 e uma queda para 10% em 2025. Entretanto, os analistas também trabalham com um cenário alternativo, no qual a Selic pode encerrar o ano cotada a 11,50% devido a essa aceleração da inflação, ante a taxa de 10,50% atual. E com isso, a Selic terminaria 2025 em 11% ao ano.
“Acreditamos que um ciclo de alta de juros seja bastante provável. Em nossos cálculos, se o desejo do BC for fazer a inflação convergir para a meta no horizonte relevante, seria necessário um ciclo de alta de 2,0% na Selic. Não acreditamos que o Copom levará a Selic até este patamar. Vemos como provável um ciclo de alta de juros de 1,0%”, afirma Nicolas Borsoi.
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Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital, tem cálculos diferentes. Ele explica que a economia deve crescer 2,8% em 2024 e uma leve desaceleração para 2,5% em 2025. Com relação à Selic, ele argumenta que o PIB mais forte em 2024 pode levar o Banco Central a manter a taxa mais alta por um período prolongado, terminando 2024 em torno de 12% ao ano e iniciando um ciclo de queda em 2025, dependendo de como a inflação evoluir.
“Com a alta na conta de luz e o PIB acima do esperado, minhas estimativas de inflação para 2024 estão em torno de 5,0% a 5,5%, acima da meta central do Banco Central, de 3%. Para 2025, a expectativa é que a inflação se modere para a faixa de 4,0% a 4,5%, dependendo de como o Banco Central gerenciar a política monetária e de outros choques de oferta, como energia e alimentos”, aponta Moura.
Enquanto isso, Pedro Afonso Gomes, do Corecon-SP, relata que o PIB deve crescer 3% em 2024 e em 2025. Ele comenta que a inflação deve ficar em 3,2% em 2025 e em 4% em 2024. “O Brasil ainda enfrenta uma capacidade ociosa de produção. A inflação não subirá enquanto o Brasil não atingir sua capacidade máxima de produção, que não foi atingida nos últimos 10 anos. Caso a demanda aqueça ainda mais, a produção deve aumentar até que o país saia dessa capacidade ociosa. Somente quando isso acontecer é que teremos uma inflação acima dos 4%”, aponta.
Em meio a esse cenário mais benigno, o economista explica que a Selic deve cair nos próximos anos. Parte do mercado ainda acredita em uma queda da Selic ainda na gestão do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, diz ele. Afonso Gomes estima um corte de 0,5 ponto porcentual na Selic em 2024, com a taxa encerrando o ano em 10%. Já para 2025, a taxa deve terminar o ano 8,5%.
O que o investidor deve fazer agora após os números do PIB?
De modo geral, os especialistas se mostram otimistas com o Ibovespa, mas enxergam desafios e por isso lembram que o melhor para o investidor é diversificar. O analista da Nova Futura diz que as projeções são positivas para o Ibovespa, mas o efeito líquido dependerá muito da sinalização do Copom sobre o ciclo de alta na taxa Selic. A intensidade da alta de juros (de 0,25% ou 0,50%) e o orçamento total do ciclo (isto é, o patamar final da taxa Selic) têm potencial para frustrar o viés de alta para o Ibovespa.
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Na visão de Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital, o mercado internacional também deve afetar a Bolsa brasileira. Ele diz que dos principais fatores externos que podem alterar drasticamente esse panorama é a política monetária dos Estados Unidos. Decisões do Federal Reserve (Fed) sobre as taxas de juros têm o potencial de impactar a economia global, incluindo o Brasil, influenciando fluxos de capital, taxas de câmbio e a pressão sobre a inflação doméstica.
“Se o Fed optar por manter ou aumentar as taxas de juros, podemos ver um fortalecimento do dólar, maior saída de capital de mercados emergentes como o Brasil e pressões adicionais sobre a inflação interna, o que poderia forçar o Banco Central a manter ou até aumentar a Selic por mais tempo do que o esperado”, aponta Moura.
No entanto, esse não é o cenário de consenso no mercado. Segundo a ferramenta Fed Watch, a maioria do mercado espera um corte no Fed Funds (taxa de juros dos EUA) em setembro. Atualmente, os Fed Funds estão no intervalo entre 5,25% e 5,5%. Conforme o Fed Watch, 63% dos analistas esperam um corte de 0,25 ponto porcentual em setembro, enquanto 37% do mercado estimam que o corte será de 0,5 ponto porcentual.
Em meio ao corte de juros do Fed, a expectativa para o Ibovespa é de otimismo. Paulo Martins, da Anova Research, relata que o Ibovespa deve continuar sua trajetória de alta até o fim de 2024, sustentado pelo ciclo de bull market iniciado em março de 2023. Segundo ele, o índice deve ser beneficiado pela recuperação econômica e por um cenário de juros mais baixos. “Setores como energia e saneamento, que historicamente performam bem em ambientes de inflação alta, devem continuar a liderar o movimento de alta do Ibovespa”, argumenta.
Já Afonso Gomes, do Corecon-SP, lembra que a renda fixa continua atrativa, com os títulos do Tesouro IPCA pagando um retorno real acima de 6% ao ano. “O ideal é o investidor diversificar com títulos públicos atrelados à inflação e o investimento em Bolsa”, explica.
Paulo Martins também recomenda uma alocação equilibrada, com uma parte significativa dos recursos direcionada para a renda variável, especialmente em setores que se beneficiam de um ambiente de inflação alta e recuperação econômica, como energia e saneamento.
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“No entanto, é prudente também manter uma exposição à renda fixa, especialmente em títulos atrelados ao IPCA, para proteger o portfólio contra a volatilidade e pressões inflacionárias. Essa combinação permitirá capturar oportunidades de valorização enquanto mantém uma proteção contra riscos econômicos”, conclui Martins. Para mais informações sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, clique aqui.