Às vésperas de mais um encontro do Comitê de Política Monetária (Copom), três executivos que um dia já ocuparam as cadeiras do grupo do Banco Central se reuniram para expressar as muitas preocupações que permeiam o momento macroeconômico brasileiro. Apesar da decisão de elevar a Selic em um ponto percentual na quarta-feira (29) já estar praticamente anunciada, o cenário não poderia ser mais incerto. E ganhou ainda um fator adicional com a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos na última semana.
Esse foi o cerne da discussão entre Rodrigo Azevedo, sócio e co-CIO da Ibiuna Investimentos, Carlos Viana de Carvalho, head of research da Kapitalo Investimentos, e Bruno Serra, portfolio manager da Itaú Asset Management, no Latin America Investment Conference, evento realizado pelo UBS e o UBS BB nesta terça-feira (28), no hotel Grand Hyatt, em São Paulo.
A incerteza Trump
A volatilidade causada pela volta de Donald Trump à Casa Branca foi consenso entre os ex-diretores do BC. Na primeira semana no cargo, o republicano balançou os mercados globais, que ainda tentam precificar qual são as propostas de tarifas e imigração prometidas durante a campanha eleitoral em 2024.
Rodrigo Azevedo, sócio e co-CIO da Ibiuna Investimentos, destacou que os EUA já eram o grande tema do cenário global nos últimos anos, quando a discussão em torno de uma recessão na maior economia do mundo ditou o ritmo dos mercados. O país se vê em um combo de juros altos para o padrão histórico, mas atividade ainda resiliente e desemprego baixo. Agora, sob o risco das medidas inflacionárias de Trump.
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“Há grandes incertezas em relação a como será a política de tarifas, mas, de um jeito ou de outro, a perspectiva é inflacionária e gera um dólar mais forte. Fora dos Estados Unidos, a incerteza é muito maior”, disse.
Com a economia americana ainda aquecida, a expectativa geral é que o Federal Reserve (Fed), o BC americano, dê uma pausa no ciclo de cortes de taxas de juros já na reunião da quarta-feira (29). E a perspectiva para frente não indica que a instituição volte a cortar juros no curto prazo. Para Bruno Serra, da Itaú Asset, o caminho pode ser de mais restrição caso as propostas de Trump sejam colocadas em prática. “No caso de um aumento geral de tarifas para todas as economias, como tem sido ventilado na imprensa, estamos falando de um impacto de 1% na inflação americana. O Fed ficaria em vias de voltar a subir os juros”, ressaltou.
As diferentes preocupações em relação ao Brasil
Os ex-diretores do Brasil discordaram ao apontar as principais preocupações no Brasil. Para Bruno Serra, o mercado tem razões para estar preocupado com a inflação, mas erra ao tentar traçar uma relação entre o momento atual e o período entre 2012 e 2015, da crise econômica do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. “Aquele choque na desancoragem das expectativas de inflação foi gerado fundamentalmente por um juro real de 2%, que hoje está perto de 10%. É um nível que não vemos há 20 anos”, pontuou.
O receio principal do portfolio manager é com a redução brusca no ritmo da economia e do Produto Interno Bruto (PIB) que este nível de juro real vai causar, e que parece não estar precificado pelo mercado. Para ele, a desaceleração econômica será mais brusca do que o esperado. “A pergunta que me faço é se a escolha do governo será permitir que a desaceleração leve a inflação para a meta ou se vai lutar contra; e, aí sim, fazer jus à preocupação do mercado”.
Ainda que também espere por uma desaceleração da economia no Brasil, Rodrigo Azevedo, da Ibiuna, tem receios maiores com a forma como a desancoragem das expectativas de inflação avançou. A projeção para o IPCA em 2025 vem de 15 semanas consecutivas de alta. No painel, ele destacou que a deterioração desde dezembro, data do último encontro do Copom, foi a 2ª pior de toda a série histórica entre duas reuniões.
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E muito dessa piora tem a ver com o cenário político e o impasse fiscal em relação às contas públicas. “Todo mundo sabe que o arcabouço fiscal não vai estabilizar a dívida; ou ela vai explodir ou vai gerar mais inflação. O governo está disposto a desacelerar a economia para trazer a inflação para baixo, indo para um cenário eleitoral? 90% das pessoas desta sala dirão que não”, questionou Azevedo.
O raciocínio é que, com a popularidade do governo em baixa, o Executivo deve reforçar medidas parafiscais para tentar conter o impacto da piora econômica na forma como é lido pelo eleitorado. Dessa forma, predomina o ceticismo em relação a maiores esforços para cortar despesas e reduzir o crescimento do gasto público.
Dominância fiscal?
Ao que parece, as eleições presidenciais de 2026 já entraram na pauta e serão determinantes para precificar se o País caminha ou não para um cenário de dominância fiscal – o termo voltou a pipocar nas análises do mercado e se refere a um ambiente de crie em que a política fiscal domina o País de forma que os mecanismos de controle da inflação, como as altas da taxa de juros, não só não funcionam, como agravam o problema.
Azevedo, da Ibiuna, Carvalho, da Kapitalo, e Serra, a Itaú Asset foram unânimes ao dizer que ainda não estamos lá. Mas que a possibilidade está, sim, no radar.
Para Carlos de Carvalho, head da Kapitalo, não importa apenas o que o governo está fazendo na política fiscal, mas toda a trajetória para frente. “O principal tema até 2026 será a dinâmica da popularidade e as respostas que o governo dará a isso. Em um cenário que fique cristalizado uma alternância de governo e política monetária, os mercados vão se animar e os prêmios vão cair”, afirmou.
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É uma crise de confiança: se o mercado não acredita em mudanças na trajetória das contas públicas ou, pior, começar a precificar uma piora da condução tendo em vista medidas para ajudar a aumentar a popularidade do presidente Lula, a desancoragem das expectativas de inflação permanecerá. “Não estamos em dominância, mas, se nada for feito, o País está caminhando para. Se o cenário for mesmo este, o Brasil está muito caro nesse momento”, disse Azevedo, sócio da Ibiuna.