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‘O Brasil não chegará a retomar o PIB pré-covid-19, não será uma recuperação em V’, diz Solange Srour

Nova economista-chefe do Credit Suisse fala sobre a retomada da economia e os desafios do País

‘O Brasil não chegará a retomar o PIB pré-covid-19, não será uma recuperação em V’, diz Solange Srour
Solange Srour, nova economista-chefe do Credit Suisse no Brasil (Crédito: Ricardo Borges/Divulgação)
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  • Uma taxa básica de juros a 2% ao ano está abaixo do equilíbrio. A Selic foi colocada nesse patamar para ajudar a reativar a economia. Com a recuperação gradual, o BC vai começar a elevar os juros novamente, eles devem terminar 2021 em 4% ao ano
  • A economista prevê uma queda do PIB de 4,8% em 2020 e um crescimento de 4,1% em 2021. Mas o cenário depende de como será retomada a trajetória de consolidação fiscal, que foi interrompida com a pandemia
  • Se isso acontecer, o risco do País diminuirá, o Brasil vai recuperar o interesse dos investidores estrangeiros e haverá espaço para que a cotação do dólar recue

A executiva Solange Srour é uma das vozes mais lúcidas no debate das questões macroeconômicas brasileiras. Mestre em Economia pela PUC-RJ, onde também foi professora, ela acaba de ser contratada como economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, depois de 12 anos na ARX Investimentos, com passagens também por BNY Mellon, Nobel Asset e Mellon Brascan.

Acostumada a compartilhar suas visões sobre a economia com os clientes dos bancos em que trabalhou, nesta entrevista exclusiva ao E-Investidor ela explica os desafios que a economia brasileira tem pela frente e faz projeções para os juros, o PIB, o dólar, a Bolsa.

E-Investidor – A alta dos preços que temos visto (da qual o arroz é o exemplo mais emblemático) é algo pontual ou existe uma pressão inflacionária? 

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Solange Srour – O que estamos vivendo são choques de oferta não relacionados à demanda e à renda, mas sim a preços de commodities lá fora que estão surpreendendo devido à recuperação mais forte da China, e também à desvalorização cambial. Não é um descontrole inflacionário por culpa do Banco Central (BC), é um choque rotineiro. O que importa para o BC e a população é se esse choque vai passar para os demais preços da economia: se a alta do arroz vai gerar uma alta do cabeleireiro, das escolas e de outros serviços. Isso é o que determina se o controle inflacionário é mantido ou não.

Se a inflação, como ocorreu em 2015 e 2016, começa a transbordar para os demais preços e não há uma reação tão forte dos juros, aí sim vem um descontrole inflacionário. Mas estamos longe disso, o que vivemos agora é um produto desse momento de alta de commodities e desvalorização cambial. E a tendência é que esse choque seja temporário.

Quando a China sai do isolamento total para a plena retomada da economia, a alta das commodities é imensa. Mas a tendência é que agora a recuperação seja mais gradual e os aumentos, menores. O mesmo vale para o câmbio: tivemos uma desvalorização muito expressiva, e agora ninguém espera algo na mesma intensidade daqui para a frente.

E-Investidor – Por quanto tempo o governo vai conseguir manter a taxa Selic em patamares tão baixos?

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Srour – Nossa expectativa é de que o BC começará a normalizar a taxa de juros. Uma Selic a 2% ao ano é extremamente estimulativa. Ninguém no mercado acha que essa seja a taxa neutra, que equilibra oferta e demanda. Foi colocada uma taxa abaixo da neutra porque há um quadro de ociosidade da economia e é preciso reativá-la.

Como, na minha opinião, o Brasil já começa a se recuperar, em um processo gradual, a ociosidade vai cair e o BC deverá trazer essa taxa mais para perto da neutra. No meu cenário, ele começa a subir os juros no segundo semestre de 2021 e chega ao fim do ano em 4%. Que ainda é um nível extremamente baixo, mas em um cenário em que não há mais uma pandemia. Cabe à política monetária começar esse processo de normalização, que virá com a recuperação da economia. Com ela, o BC verá a inflação indo para o centro da meta e a taxa de juros terá que se adequar a isso.

E-Investidor – A economia brasileira já está melhorando?

Srour – O mercado financeiro e os organismos internacionais estavam muito pessimistas em relação ao crescimento do Brasil neste ano. O FMI projetou uma queda de 9% para o PIB. No começo da pandemia, não estava claro qual seria o tamanho da crise. Vieram programas de crédito, medidas de sustentação do emprego, depois o auxílio emergencial. O conjunto dessas medidas e mais a injeção agressiva de liquidez pelo BC, seguindo seus pares mundiais, permitiram que a recessão deste ano seja bem menor que a inicialmente projetada. Hoje temos uma queda de apenas 4,8% do PIB.

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Quando os números correntes começaram a surpreender positivamente, as expectativas melhoraram. Não vimos uma alta tão significativa do desemprego. Os índices de confiança do empresário, do consumidor, do varejo, da construção civil, todos os setores de serviços e consumo estão tendo uma retomada parecida com a que ocorreu em outros países.

E-Investidor – O que falta para a economia, de fato, deslanchar?

Srour – Nos países em que a covid-19 chegou primeiro, houve uma forte queda da confiança e das projeções de PIB e depois uma melhora em ambas. A maioria adotou uma política monetária expansionista e isso trouxe uma volta mais rápida das atividades. Com o lockdown afrouxado, vimos uma retomada na Ásia, depois Europa, Estados Unidos e no Brasil acontece a mesma coisa.

Essa retomada depende não só da quantidade de estímulos colocados, mas também da confiança de que a economia vá manter seus fundamentos no pós-pandemia. E nisso o Brasil difere de vários países. Alemanha, França e Inglaterra hoje têm um histórico fiscal mais consolidado, ali não se discute como estarão os fundamentos econômicos, a recuperação será mais sustentável. Já nos países emergentes, a recuperação não é tão forte e depende de que os fundamentos econômicos fiquem sólidos.

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Daqui para a frente, o nosso crescimento vai depender da parte doméstica, de qual será a nossa trajetória fiscal e qual será a agenda de reformas. Os estímulos dados foram extraordinários e terão de ser retirados ao longo do tempo.

E-Investidor – Qual é o cenário para o PIB brasileiro?

Srour – Vemos uma queda do PIB de 4,8% em 2020 e um crescimento de 4,1% em 2021 – um número alto, mas porque a base é bastante baixa. O Brasil não chegará a retomar o PIB pré-covid-19, não será uma recuperação em “V”, mas algo acima do que se esperava.

O cenário para 5 anos depende crucialmente do ano que vem, como vamos retomar a trajetória de consolidação fiscal pré-pandemia. O Brasil estava no caminho das reformas, fez a da Previdência, tinha 2 PECs andando no Senado para ajudar na consolidação das contas fiscais, e o governo pretendia tocar a reforma administrativa.

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Com a pandemia, essa discussão parou, pois tivemos que lidar com medidas emergenciais. Agora, vamos retomar todos esses pontos, mas nossos níveis de dívidas e déficits são muito maiores e não conseguiremos reduzi-los tão rápido, já que o crescimento da economia será gradual. Por isso, a consolidação fiscal e a reforma administrativa se tornaram muito mais importantes do que antes.

O crescimento do Brasil dependerá do andamento dessa agenda. É por isso que a atenção do mercado é muito grande sobre como será construído o Renda Cidadã, se haverá a manutenção do teto de gastos. O foco é esse porque, dependendo da resolução dessas questões, o crescimento do Brasil pode ser maior ou menor no médio prazo. São questões fundamentais para o crescimento estrutural, não só para a recuperação cíclica.

E-Investidor – Por que a questão fiscal é tão relevante para o investidor estrangeiro?

Srour – O investidor estrangeiro vem para o País se ele apresenta crescimento estrutural. Ele precisa acreditar que o Brasil está crescendo, por conta de produtividade, reformas, e não de forma temporária, por programas que não são sustentáveis no médio e longo prazo. Se o fiscal está desajustado e as despesas crescem muito acima do que seria justificável pela pandemia, fica claro para os investidores que, como a dívida terá que ser paga, ou os juros terão de subir muito fortemente para eles comprarem títulos públicos, ou o ajuste fiscal terá de ser muito severo, ou a inflação será muito elevada.

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Quando os gastos crescem muito acima do PIB, o estrangeiro vê que esse país só vai conseguir pagar a dívida e crescer se fizer um ajuste fiscal importante, que freie as despesas, ou aumentar impostos. Ou então a maneira de lidar com a dívida grande será inflação ou, em último caso, uma moratória. Não há outra solução.

Então o fiscal é muito determinante. O investidor só virá se achar que a probabilidade de um ajuste fiscal é maior que a das outras alternativas. A reestruturação em um cenário de inflação descontrolada é um cenário de queda do PIB muito forte, uma baita recessão. É o que a Argentina vive há muito tempo. O investidor não virá para um país com perspectiva de recessão, descontrole, crise próxima. Só virá se tiver perspectivas de que o ajuste será feito e o país voltará a crescer.

O país só tem crescimento estrutural se as contas estiverem em ordem, se a dívida for sustentável. Só assim ele terá financiamento, atraindo investidores, seja para comprar a dívida, seja para fazer investimentos reais. Sem solidez fiscal, o capital não flui, há uma fuga de capital.

E-Investidor – Mas uma elevação da taxa de juros não poderia ajudar a atrair mais investidores estrangeiros?

Srour – O estrangeiro que vem com capital especulativo é muito errático, vem para aproveitar o curto prazo. Uma coisa que precisa ficar clara para as pessoas físicas é que, quando os juros estão altos, é porque o mercado está exigindo um prêmio de risco elevado, o risco do país está elevado. É por isso que os juros brasileiros ficaram altos por tanto tempo, destoando de outros países que já convergiam para juros menores. Não havíamos feito reformas importantes, como a previdenciária, como o teto de gastos. Os juros começaram a cair de forma mais sistemática a partir da aprovação do teto de gastos.

Em seguida foram aprovadas medidas importantes, como a redução de subsídios do governo e a substituição da TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo, que encarecia os empréstimos e financiamentos operados pelo BNDES], que era uma fonte importante de gastos. Agora precisamos avançar nas demais reformas. A reforma da previdência foi importante, mas não completou o ajuste fiscal brasileiro. Há gastos muito elevados com os servidores ativos e inativos.

Antes das reformas, a Selic de fato era muito mais alta e atraía investimentos, mas todos de curto prazo, que fogem diante de qualquer crise. Se nós dependêssemos de capital especulativo neste momento, teríamos um problema enorme. Capital bom, de qualidade, que fica no País, é o investimento direto, que depende de crescimento e sustentabilidade fiscal.

O investidor pessoa física reclama muito que a Selic está baixa e os rendimentos sumiram, mas isso é um sinal de que o Brasil evoluiu. As pessoas não têm noção de que os juros altos embutiam um risco muito grande. Hoje o risco é muito menor, o país está mais seguro.

E-Investidor – Alguns economistas acham que o real desvalorizado é saudável para uma economia como a do Brasil, que precisa se manter competitiva. Por outro lado, um dólar caro tem repercussão no aumento da inflação. O que é bom, na verdade?  

Srour – O mais importante não é o câmbio nominal, mas sim o câmbio real, que é obtido após descontada a inflação. Um país só é competitivo se sua taxa de câmbio real for competitiva. Não adianta ter um câmbio nominal desvalorizado e uma inflação alta.

É claro que uma moeda desvalorizada ajuda as exportações. Quando não há a expectativa de que ela vá cair ainda mais, isso acaba atraindo capital de fora. Mas, se houver a expectativa de que o câmbio vai ficar sempre mais barato no futuro, ninguém vem. O investidor vai esperar ele ficar muito barato para vir.

Um câmbio desvalorizado que ajuda o país é aquele visto como de equilíbrio, no sentido de que não vai continuar se depreciando. Ele é positivo para a atividade. Mas tudo isso depende do controle da inflação. Esse é o grande ponto. E não podemos pensar só na inflação de 2020 ou 2021, mas sim na inflação ao longo tempo. Por motivos temporários, a inflação pode estar baixa, mas depois ela pode acabar sendo pressionada pelo câmbio.

Hoje a inflação está muito baixa porque os serviços estão muito deprimidos, eles foram a atividade mais prejudicada pelo isolamento social. Mas não dá para dizer que o Brasil certamente ficará competitivo. Quando sairmos da pandemia, teremos a volta das atividades, a volta da demanda e a inflação tenderá a subir. Aí sim veremos o impacto do câmbio na inflação.

E-Investidor – Neste momento o Brasil está competitivo?

Srour – Sim, o câmbio está depreciado e a inflação está controlada. Mas, do ponto de vista da economia, o que importa é a situação no médio prazo. Se a inflação subir, esse câmbio real não estará tão competitivo quanto parece estar hoje.

Por que o câmbio nominal chegou ao patamar de R$ 5,60? Ao mesmo tempo em que eleva exportações e torna o País possivelmente competitivo, o que ele reflete? Uma parte da explicação é justamente o prêmio de risco, assim como na questão dos juros. O câmbio desvalorizado embute um risco maior do País, a expectativa de que Brasil possa não prosseguir com o ajuste fiscal. Ele reflete uma aversão a risco maior. Nesse caso, ele pode até ser positivo para o setor exportador, mas não é para a atividade como um todo. Se ele expressa dúvida quanto à sustentabilidade fiscal, possivelmente o investidor vai se perguntar se o risco não vai subir mais ainda.

De novo voltamos para a questão fiscal: se não resolvermos essa questão, essa atual depreciação do real pode ser considerada insuficiente. E aí não vai atrair o capital de que tanto precisamos. Sem um processo de retomada do controle das despesas, certamente o câmbio se depreciará ainda mais.

E-Investidor – Partindo da premissa de que a inflação continue sob controle e a questão fiscal volte para os eixos, ou seja, o melhor cenário possível, o dólar vai encontrar um novo ponto de equilíbrio?

Srour – Sim. Com uma retomada da trajetória fiscal, o risco-país certamente vai cair e o Brasil vai atrair um fluxo de capital muito importante, mesmo com os juros baixos. Não só capital para investimento direto, mas também em portfólio, para a Bolsa e até mesmo para a renda fixa. Mesmo com a taxa Selic atual, esse patamar de juros ainda é elevado diante do resto do mundo. Se você pegar a curva de juros longa do Brasil, ela é capaz de atrair muito gringo. Com a premissa do fiscal sólido, esse investimento vai fluir para o Brasil e o real voltará a se valorizar.

E-Investidor – Nesse caso, poderemos esperar que a cotação do dólar recue para qual patamar?

Srour – É difícil prever, porque isso também depende do cenário internacional. Se o mundo descobrir uma vacina, o Brasil voltar para a consolidação fiscal, a atividade lá fora surpreender positivamente, o fluxo será muito grande para o Brasil. Mas se o cenário internacional não for tão favorável, não conseguiremos atrair capital. São vários fatores fora do nosso controle, quando virá a vacina e quão rápido o crescimento voltará.

Qual será o novo preço do dólar é a pergunta de um milhão de dólares, mas certamente há espaço para ele cair. A depreciação do real destoou muito em relação às moedas dos pares emergentes. Há espaço para nossa moeda apreciar, ainda que os juros fiquem baixos.

Um cenário com o real mais forte vai ser ruim para o crescimento? Não, muito pelo contrário, será ótimo, pois estará mostrando uma trajetória fiscalmente responsável. Os juros poderão permanecer baixos, o crescimento estrutural será maior e o câmbio apreciado será mais uma engrenagem ajudando no crescimento.

E-Investidor – O que vai acontecer com a Bolsa brasileira?

Srour – O que vai acontecer em termos de Bolsa depende muito do que vai acontecer em termos de crescimento de PIB. De novo, é até chato repetir, mas a questão fiscal é muito importante. Estamos em um momento de volta da confiança dos empresários, com a economia retomando, números correntes mais positivos. Isso tudo gera um fluxo de otimismo e a vinda de investidores para a Bolsa, sejam estrangeiros ou domésticos.

Uma coisa muito importante é que a taxa de juros do Brasil está muito baixa. Então a alternativa rende muito menos que no passado. Esses fatores atraem um fluxo relevante para a Bolsa. Mas quão sustentável é a nossa retomada, quão sustentáveis são os juros baixos? A questão fiscal é muito importante para os investimentos mais arriscados. Se ela não for resolvida, os juros vão voltar a subir e o crescimento vai desacelerar.

E-Investidor – A senhora acredita que esse entusiasmo da pessoa física com a Bolsa vai evoluir para uma relação mais consistente e duradoura?

Srour – O movimento em busca de ativos mais arriscados vem dessa queda dos juros no Brasil. Ela é fruto de um movimento estrutural, embasado nas reformas que foram feitas, na recomposição dos fundamentos econômicos após a crise de 2016. A pandemia paralisou essas agendas. Mas, se estou projetando um crescimento do PIB de 4,1% em 2021, é porque acredito que voltaremos aos fundamentos e à consolidação fiscal.

Os avanços dessas agendas serão fundamentais para que os juros fiquem estruturalmente baixos. Com essa percepção de que os juros serão baixos por muito tempo, o investidor vai procurar ativos que ofereçam retornos mais altos, como as ações. Isso aconteceu em diversos países emergentes que conseguiram estabilizar os juros reais em níveis baixos, e também nos desenvolvidos. O ambiente de liquidez abundante, que faz os juros ficarem baixos e até mesmo negativos, leva a pessoa física a buscar ativos com retorno maior.

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