Crise agro do Banco do Brasil (BBAS3) abre caminho para bancos privados? Entenda
Especialistas dizem que carteira de crédito rural do BB enfrenta alta de inadimplência e recuperação judicial, enquanto Itaú, Bradesco e Santander avaliam oportunidades no setor
Investidores do BB (BBAS3) ainda digerem resultados do 2T25, que mostrou queda do lucro, aumento da inadimplência e corte de dividendos. (Foto: Adobe Stock)
Calcanhar de Aquiles do Banco do Brasil (BBAS3), o agronegócio se tornou a principal fonte de preocupação para a empresa neste ano. O índice de inadimplência da carteira acima de 90 dias alcançou 3,49% no segundo trimestre de 2025 (2T25), quase o triplo de 1,32% registrado há um ano, e se destacou como o principal vilão do balanço financeiro da estatal. Pior, a crise abre brecha para bancos concorrentes avançarem sobre o crédito agrícola para conquistar parte do mercado até agora cativo ao BB.
O BB lida hoje com 808 clientes em recuperação judicial, somando dívidas de R$ 5,4 bilhões, em sua maioria produtores de alta renda do Centro-Oeste e do Sul do País, afetados por seca e enchentes no Rio Grande do Sul. Além desse grupo, 20 mil clientes da carteira agro estão inadimplentes, de um total de um milhão.
Parte desse movimento, segundo especialistas ouvidos pelo E-Investidor, vem de escritórios de advocacia regionais que incentivam o uso do mecanismo, o que pode ter gerado um problema de risco moral – leia mais aqui. O Itaú BBA, em relatório, alertou que produtores rurais podem ter condições de honrar as dívidas, mas estariam menos dispostos a fazê-lo diante da facilidade de renegociar ou entrar em recuperação.
Para a reportagem, especialistas disseram que o quadro atual é resultado de um acúmulo de fatores. A queda dos preços das commodities agrícolas, o aumento dos custos com insumos e eventos climáticos adversos já haviam reduzido a capacidade de pagamento dos produtores nos últimos anos. De acordo com eles, a raiz do problema começou em 2020, quando muitos produtores se alavancaram durante a pandemia da covid-19.
Naquele período, o crédito abundante do governo e dos bancos evitou uma quebradeira generalizada, mas deixou uma herança pesada em dívidas. A alta da taxa básica de juros, que saltou de 2% para 15% ao ano, corroeu a capacidade financeira dos produtores e levou muitos a atrasar compromissos.
A crise do BB abre espaço para outros bancos no agro?
Para Leonardo Roesler, gestor de empresas e sócio do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a crise no Banco do Brasil evidencia uma fragilidade que favorece a entrada de bancos privados no agro. De acordo com ele, o problema com o setor deixou de ser pontual e passou a comprometer a posição histórica da instituição como principal financiadora do crédito agrícola.
Trator faz pulverização em plantação; agronegócio sofre com queda dos preços das commodities e alta dos custos dos insumos. (Imagem: Dusan Kostic em Adobe Stock)
Roesler vê bancos privados como Itaú (ITUB3; ITUB4), Bradesco (BBDC3; BBDC4) e Santander (SANB11) em condições de ocupar parte do espaço deixado pelo Banco do Brasil. Com maior estabilidade financeira, acesso a instrumentos modernos de captação de recursos e capacidade de estruturar produtos competitivos, essas instituições podem ampliar a presença no crédito rural, especialmente em um momento em que o financiamento ao setor vem se diversificando.
“O avanço, contudo, depende do apetite de risco, da disposição em assumir a complexidade de atendimento ao produtor rural e da capacidade de criar linhas adequadas de financiamento em um setor extremamente sensível a fatores externos”, diz.
Robson Casagrande, especialista em investimentos e sócio da GT Capital, também acredita que o espaço deixado pelo Banco do Brasil no crédito agro pode ser ocupado por outros bancos privados, mas de forma seletiva e gradual.
Procurados pela reportagem, Itaú, Bradesco e Santander não se manifestaram sobre o tema.
Ele observa que o agronegócio mantém papel central na economia brasileira e os bancos privados demonstram interesse em ampliar participação no setor, concentrando-se em grandes produtores com histórico de crédito positivo e boas garantias.
“O problema é que a presença do Banco do Brasil é difícil de ser substituída no curto prazo devido à sua capilaridade e expertise acumuladas ao longo dos anos. Os bancos privados terão que ser seletivos e atuar principalmente em nichos de menor risco, dado o desafio de conquistar a confiança dos produtores, que são conservadores e valorizam o relacionamento de longo prazo”, avalia.
No mercado financeiro, oportunidades raramente permanecem abertas por muito tempo, diz Felipe Sant’Anna, especialista em investimentos da mesa proprietária Axia Investing. Isso quer dizer que qualquer espaço deixado pelo BB, segundo ele, tende a ser rapidamente ocupado por outra instituição.
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A diferença é que, diante dos elevados índices de inadimplência no crédito agro, os bancos que entrarem no setor devem exigir garantias maiores ou cobrar taxas de juros mais altas para assumir o mesmo risco.
“O agro é uma tradição do Banco do Brasil. Outros bancos privados podem até ‘tapar um buraco’ do setor, principalmente na parte de máquinas e equipamentos, mas não vejo os bancos privados, hoje, focados no financiamento para produtor rural”, analisa Sant’Anna.
O que o Banco do Brasil pode fazer para virar o jogo da inadimplência
Lei de Falências foi atualizada em 2020 para permitir que o produtor rural na pessoa física também possa usufruir dela. (Imagem: Firn em Adobe Stock)
Na visão de Roesler, o Banco do Brasil precisa ir além da simples renegociação de dívidas.
Para conseguir dar a volta por cima, a estatal vai ter de ampliar o uso de seguros agrícolas, ajustar condições de crédito de acordo com o perfil e histórico de cada produtor e investir em programas de orientação financeira e de gestão. Além disso, não deve se limitar a prorrogar vencimentos, mas desenvolver soluções que integrem risco e produção, para previsibilidade e suporte aos clientes.
Casagrande, por outro lado, diz que entre as ações que o Banco do Brasil precisa implementar para reduzir a inadimplência no crédito agrícola estão a revisão dos critérios de concessão, com prioridade para a qualidade em vez de volume.
A celeridade na execução das garantias, por exemplo, é necessária para preservar o valor dos ativos e o estreitamento da relação com os produtores contribui para evitar novos atrasos. Já o uso de tecnologias como big data (processamento de dados) e inteligência artificial (IA), diz ele, pode reforçar a avaliação de crédito e o monitoramento da saúde financeira dos clientes.
O Plano Safra, anunciado pelo governo e que vai disponibilizar recursos bilionários até 2026, está sendo visto como um possível salvador do cenário caótico do banco. Segundo especialistas, tem potencial para reduzir a pressão sobre o agronegócio, mas depende de aplicação ágil e direcionamento adequado. Sem isso, a inadimplência pode continuar crescendo, principalmente diante de altos custos de produção e juros elevados.
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De acordo com eles, o benefício real para o setor só ocorrerá se os créditos forem liberados rapidamente e adaptados às necessidades dos produtores.
Gustavo Rabello, sócio de mercado de capitais do SouzaOkawa Advogados, concorda que o Plano Safra dá liquidez e taxa de juros mais competitiva, um fôlego importante ao produtor. Mas não resolve sozinho riscos de preço ou de clima.
“Por isso é fundamental combinar o crédito subsidiado com operações estruturadas no mercado de capitais — bem avaliadas, com garantias sólidas e prestadores de serviço qualificados. É essa engenharia financeira que reduz de fato o risco de inadimplência”, diz.