Espaço da B3, a Bolsa de Valores brasileira. Foto: Divulgação/B3
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o “xerife” do mercado brasileiro, abriu uma nova consulta pública que pode mudar as regras para recompras de ações feitas por empresas. Na prática, especialistas avaliam que as mudanças podem ter um efeito indireto, mas importante: reduzir o número de companhias que decidem sair da B3.
A consulta pública discute mudanças na Resolução CVM 77, que trata justamente da recompra de ações por parte das empresas. Quem quiser contribuir pode enviar sugestões para o e-mail [email protected]. O prazo para participar, inicialmente marcado para 17 de novembro, foi prorrogado para 19 de dezembro.
As propostas envolvem quatro mudanças principais. A primeira seria a inclusão de condições específicas para recompras diárias. Ou seja, a colocação de “filtros” sobre quando e como a empresa pode voltar a comprar ações próprias. A medida busca evitar distorções de preço nos papéis.
Outra ideia é o requisito de manter um free float mínimo de 15%. Esse indicador representa a porcentagem de ações que estão disponíveis para livre negociação no mercado. Para empresas que consideram recompras muito grandes, por exemplo, isso poderia restringir o tamanho da operação. A CVM também propõe o aumento do limite de ações em tesouraria, passando de 10% para 12% do total de papéis emitidos.
Por fim, outra novidade prevista é a possibilidade de uma oferta específica para recompras de ações. Na opinião de Eduardo Bruzzi, sócio do BBL Advogados e especialista em Regulação Financeira, essa nova ferramenta abre uma via interessante para as companhias, pois oferece um processo com mais transparência aos acionistas.
“Mas a empresa deverá ponderar questões como custo, governança, estratégia e comunicação com o mercado, para verificar se essa alternativa faz sentido no seu caso particular”, destaca o advogado.
Propostas podem evitar fechamentos de capitais
Especialistas ouvidos pelo E-Investidor veem as mudanças como uma alternativa para empresas que pensam em sair da Bolsa. Em vez de fechar o capital, a empresa poderia recomprar parte das ações dentro das novas regras previstas e ajustar sua estrutura de capital. A possibilidade de uma OPA específica para recompras também contribui com essa estratégia.
No entanto, Guilherme Bruschini, sócio do MBC advogados, pondera que a medida não é uma solução mágica. “Cada empresa vai continuar avaliando o custo e o benefício de permanecer listada”, afirma.
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A percepção do mercado é de que muitas companhias optam pelo fechamento de capital por entenderem que seu valor de mercado não reflete o seu valor verdadeiro. Além disso, os custos com a listagem e com as regras de governança trazem complicações extras.
Ao fortalecer o instrumento da recompra, a CVM pode oferecer uma alternativa mais simples e econômica para lidar com essa situação.
“Uma recompra bem estruturada reduz o número de ações em circulação, aumenta o lucro por ação e sinaliza confiança da administração, funcionando como um mecanismo de autorregulação de preço”, explica Eduardo Brasil, sócio do Fonseca Brasil Serrão Advogados.
A reação do mercado às medidas
A avaliação do mercado é positiva. As propostas, segundo analistas, mantêm espaço para as empresas gerirem seu capital, mas com travas que impedem abusos e distorções de preços.
Para André Vasconcellos, especialista em direito societário e mercado de capitais, a regulação sugerida na consulta pública amadurece o mercado: empresas com governança robusta ganham flexibilidade, enquanto práticas oportunistas perdem espaço.
“A boa regulação não empurra empresas para fora da Bolsa. Ela as convida a permanecer de forma mais transparente e previsível. A CVM busca transformar a recompra em ponte de confiança, não em porta de saída”, diz Vasconcellos.
Na avaliação de Kaue Cardoso de Oliveira, sócio do MKR Advogados, caso as novas regras sejam aprovadas, as empresas precisarão planejar melhor suas decisões de recompra.
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“No médio e longo prazo, as propostas da CVM ajudam a desenvolver um mercado de capitais mais saudável, evitando que controladores ou administradores usem as companhias abertas para a satisfação de seus interesses próprios”, afirma.