- O SVB foi um pilar financeiro das startups do Vale do Silício, emprestando dinheiro a empresas com modelos de negócios não testados, mas com grande potencial de crescimento
- À medida que o SVB prosperava junto com as startups que auxiliava, os principais executivos pensavam cada vez mais em si mesmos como parte de um setor ao qual serviam e priorizavam lucros ambiciosos
Cheios de dinheiro de um setor de tecnologia em alta, os executivos do Silicon Valley Bank embarcaram numa estratégia em 2020 para aumentar os lucros, o que rapidamente acionou um alarme interno.
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Ao investir em ativos com prazos de vencimento mais longos que pagavam mais juros, o SVB falhou em não seguir uma métrica de risco fundamental. Um modelo interno mostrava que taxas de juros mais altas poderiam ter um impacto devastador nos ganhos futuros do banco, de acordo com dois ex-funcionários familiarizados com a projeção que falaram sob a condição de anonimato para descrever deliberações confidenciais.
Em vez de dar ouvidos ao alerta – e apesar das preocupações de alguns funcionários – os executivos do SVB simplesmente mudaram as suposições do modelo, segundo os ex-funcionários e documentos da Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês). Os ajustes, que não foram relatados anteriormente, previam no início que o aumento das taxas de juros teria um impacto mínimo.
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As novas conjecturas validavam a estratégia guiada pelos lucros do SVB, mas eram extremamente descabidas. No ano passado, a taxa de juros subiu quase cinco pontos percentuais, o ritmo mais veloz desde a década de 1980. Enquanto isso, o setor de tecnologia entrou em uma baixa pós-pandemia, fazendo com que a clientela de elite do SVB sacasse dinheiro muito mais rápido do que os executivos do banco esperavam.
No dia 8 de março, o banco foi forçado a levantar capital adicional vendendo títulos com um prejuízo de US$ 1,8 bilhão. Isso provocou pânico entre os clientes do SVB, que levaram a cabo uma das maiores corridas bancárias da história dos Estados Unidos. Atiçados pelas redes sociais, os depositantes tentaram sacar US$ 42 bilhões em um único dia. Na manhã seguinte, o banco sucumbiu e os reguladores federais assumiram o controle.
O episódio mostra que os executivos sabiam desde o início que uma taxa de juros mais elevada poderia comprometer os lucros futuros do banco. Em vez de mudarem de direção para atenuar esse risco, intensificaram uma estratégia para conseguir lucros no curto prazo, demonstrando um apetite pelo risco que preparou o terreno para a impressionante derrocada do SVB.
“A administração sempre quis contar uma história de crescimento”, disse um ex-funcionário envolvido na gestão de risco do banco. “Todo trimestre sempre havia essa pressão para gerar lucros.”
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As novas revelações surgem quando legisladores e reguladores analisam o que um funcionário sênior do Federal Reserve chamou de um “caso clássico de má gestão” que levou à segunda maior falência bancária do país. Grande parte do foco deles se voltará para o misterioso mundo da gestão de risco da taxa de juros.
As novas projeções do SVB surtiram efeito no ano passado e presumiram que o fluxo de caixa dos depósitos permaneceria consistente por mais tempo, suavizando o impacto estimado da taxa de juros maior. Antes de mudar o modelo, um aumento da taxa de juros de dois pontos percentuais reduziria uma medida dos fluxos de caixa futuros em mais de 27%; depois, o impacto foi inferior a 5%, de acordo com os documentos de valores mobiliários do banco.
Segundo um ex-funcionário, Dan Beck, diretor financeiro do SVB, pressionou pela mudança das projeções, que foram aprovadas pelo Comitê de Gestão de Ativos e Passivos do banco, que gerencia o risco da taxa de juros, disseram os dois ex-funcionários. A mudança deixou vários profissionais do banco de nível intermediário desconfortáveis, disse uma fonte, embora houvesse dados históricos sobre os depósitos para corroborá-los.
As tentativas para entrar em contato com Beck não tiveram sucesso e os advogados que o representaram em uma ação judicial não responderam aos pedidos de comentários. Também não conseguimos contatar Michael Kruse, que chefiava o Comitê de Gestão de Ativos e Passivos do banco, de acordo com os ex-funcionários.
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Uma das fontes disse que a mudança das projeções em relação ao risco da taxa de juros foi compartilhada com reguladores federais e estaduais no final de 2021 ou 2022.
Um funcionário do Departamento de Proteção Financeira e Inovação da Califórnia disse que não podia comentar “informações confidenciais de fiscalização”.
Michael Barr, vice-presidente de supervisão do Fed, depôs para um comitê do Senado e disse que sua equipe notificou o banco por “supervisão ineficaz do conselho” e “debilidades na gestão de risco” em maio do ano passado. Um porta-voz do Federal Reserve se recusou a fazer qualquer comentário além das declarações públicas.
O SVB foi um pilar financeiro das startups do Vale do Silício, emprestando dinheiro a empresas com modelos de negócios não testados, mas com grande potencial de crescimento. À medida que o SVB prosperava junto com as startups que auxiliava, os principais executivos pensavam cada vez mais em si mesmos como parte de um setor ao qual serviam e priorizavam lucros ambiciosos, de acordo com atuais e ex-funcionários. Por um tempo, eles tiveram êxito: o preço das ações do SVB Financial Group, a holding do banco, triplicou em menos de dois anos conforme os depósitos aumentavam numa velocidade alucinante.
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Greg Becker, CEO do SVB, costumava dar declarações empolgadas sobre as perspectivas das startups e das empresas de tecnologia, mesmo durante as recentes baixas. Ele via a si mesmo mais como um capitalista de risco do que como um banqueiro, segundo alguns daqueles que o conhecem.
“Ele considera correr alguns riscos para fazer investimentos eficazes em empresas, o que não é algo comum para os bancos”, disse um capitalista de risco de longa data que frequentemente lidava com Becker, falando sob a condição de anonimato para preservar as relações no mundo financeiro do Vale do Silício. “É justo dizer que ele estava mais focado no lado positivo do que na gestão de risco.”
Um porta-voz de Becker se recusou a fazer comentários para esta reportagem.
O crescimento acelerado do SVB durante os primeiros anos da pandemia criou inúmeras tensões. O banco precisou investir grande parte do dinheiro dos clientes num momento em que a taxa de juros era extremamente baixa. Para maximizar seus lucros, a empresa adquiriu hipotecas de longo prazo e títulos garantidos pelo governo que pagam juros maiores do que o banco repassava a seus depositantes, o que lhe permitiu exibir um desempenho financeiro brilhante a cada trimestre durante dois anos.
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Numa aparente aposta de que a taxa de juros iria diminuir no segundo semestre do ano passado, o SVB vendeu com lucro os instrumentos financeiros que usava para se proteger contra o risco de taxas mais elevadas, de acordo com uma apresentação da empresa. Em vez disso, o oposto aconteceu: o Federal Reserve começou a elevar a taxa de juros de forma mais agressiva durante o ano para conter a inflação. Isso reduziu o valor da carteira de títulos do SVB, indicando que o banco sofreria um prejuízo se precisasse vendê-los.
“Eles achavam que não tinha como algo dar errado”, disse um ex-funcionário do banco que falou sob a condição de anonimato para abordar práticas internas de negócios, lembrando de um teste de estresse interno no final de 2018 ou 2019, que mostrou que o SVB poderia perder pelo menos um terço de seus depósitos em dois anos. Os executivos determinaram que esse modelo também fosse reformulado. “Quando viam um modelo do qual não gostavam”, disse o ex-funcionário, “eles o descartavam”.
Kate Mitchell, capitalista de risco e presidente do Comitê de Risco do conselho do SVB, não respondeu a solicitação de posicionamento que enviamos.
O comportamento dos clientes depositando dinheiro é uma variável fundamental que os bancos utilizam no desenvolvimento de modelos de risco. Uma métrica, acompanhada de perto pelos bancos e por seus auditores, que estima os fluxos de caixa futuros e a sua sensibilidade às alterações das taxas de juros. Foi essa métrica, chamada de valor econômico de capital próprio (EVE, na sigla em inglês), que desencadeou um alerta em meados de 2020, de acordo com os ex-funcionários.
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O SVB contratou uma consultoria, a Curinos, para analisar seu modelo de risco das taxas de juros, segundo as fontes. O banco divulgou pela primeira vez a avaliação de seu modelo em maio e finalizou a alteração no segundo trimestre de 2022. Mas, no final do ano, o SVB deixou de fora o valor econômico de capital próprio – que tinha informado durante uma década – da sua análise pública das taxas de juros.
A Curinos se recusou a comentar se tinha prestado ou não consultoria para o SVB, acrescentando em um comunicado que a empresa trabalha com bancos e “analisa rotineiramente o comportamento dos clientes para avaliar a probabilidade de que seus saldos mudem com base em diferentes estímulos, como as taxas de juros”.
Por atender startups e empresas de tecnologia, o banco tinha menos clientes do que a maioria dos bancos de seu tamanho. No fim do ano passado, 93,8% dos depósitos do SVB estavam acima do valor máximo assegurado pela Federal Deposit Insurance (FDIC) e, portanto, sem cobertura, a maior proporção entre os grandes bancos dos EUA, de acordo com a S&P Global. Isso o tornava mais exposto ao risco de os clientes sacarem seu dinheiro, alguns acharam.
Em abril de 2022, Laura Izurieta, diretora de risco do SVB, deixou o cargo após quase seis anos. O banco disse que “começou a conversar com Laura a respeito da transição” no início de 2022 e que ela permaneceu para ajudar com as “tarefas relacionadas à transição” até outubro. O SVB não divulgou isso até 3 de março, quando um documento da SEC revelou que a instituição não havia contratado um novo diretor de risco até o final de dezembro.
Laura não respondeu ao pedido de comentário enviado.
Ainda em julho, Beck, diretor financeiro da empresa, disse em uma divulgação de resultados que “ainda estamos bem posicionados para o benefício das taxas mais altas”. Porém, a pressão estava aumentando sobre o SVB, já que as taxas de juros estavam subindo mais rápido do que a empresa esperava.
Quando o banco apresentou seu relatório de lucros trimestrais no mês seguinte, ele revelou que seus títulos de longo prazo – representando cerca de 45% de seus ativos totais – tiveram uma perda não realizada de US$ 11,2 bilhões; um aumento considerável em relação a uma perda não realizada de US$ 1,3 bilhão apenas seis meses antes. Três meses depois, as perdas não realizadas totalizaram aproximadamente US$ 16 bilhões.
Para agravar os problemas do SVB, o banco estava pagando juros mais elevados para impedir que os clientes sacassem seu dinheiro ao mesmo tempo em que tomava empréstimos com taxas mais altas.
No final de 2022, os depósitos do SVB custavam ao banco quase o dobro da média em instituições semelhantes, segundo a Moody’s.
Algumas pessoas em Wall Street também estavam atentas. Chris Kotowski, analista da Oppenheimer & Co., rebaixou a avaliação das ações do SVB de “comprar” para “manter” em setembro de 2022, depois de o banco indicar que seus rendimentos com o pagamento de juros estavam sob pressão. “Isso só fez o alarme soar para mim”, disse Kotowski.
Com a receita do SVB pressionada por maiores custos com depósitos e empréstimos, os investidores se desencantaram por suas ações, levando os executivos a defenderem seus argumentos para os analistas de Wall Street.
Os analistas da JPMorgan Chase & Co organizaram um webinar em novembro do ano passado com Beck, o diretor financeiro do SVB, que abordou as preocupações dos investidores durante quase duas horas, de acordo com uma nota de pesquisa enviada aos clientes pelo banco. Os analistas concluíram que a queda dos depósitos era administrável e que o SVB tinha ampla liquidez sem ter que vender títulos com prejuízo, “mesmo que a pior das hipóteses se tornasse realidade”. Ainda em janeiro, o JPMorgan previu uma reviravolta para o SVB e recomendou que os clientes comprassem as ações.
Uma semana antes da falência do banco, em seu relatório anual para acionistas, o SVB elogiou seus principais executivos por uma área de sucesso: a gestão de risco.
Becker, o CEO, tinha demonstrado “forte liderança na evolução contínua da gestão de risco”. Beck, o CFO, foi reconhecido por “promover uma forte cultura de risco”.