Comportamento

O que o divórcio de Bill Gates significa para a Gates Foundation

Fim do casamento tem implicações para os membros da entidade que direcionam US$ 5 bilhões anuais em doações

O que o divórcio de Bill Gates significa para a Gates Foundation
Bill e Melinda Gates na França, em 2017. Foto: REUTERS/Kamil Zihnioglu
  • Com 1.600 funcionários direcionando US$ 5 bilhões anuais de doações para 135 países, a fundação criou um novo padrão de filantropia privada no século 21
  • Os beneficiários das doações e os membros da equipe se perguntam o que ocorrerá e se o divórcio afetará sua missão
  • O divórcio não afetará o dinheiro que já foi outorgado à fundação, mas no decorrer do tempo eles podem injetar menos recursos para a instituição do que o fariam se continuassem juntos

(Nicholas Kulish/The New York Times) – A Fundação Gates começou com ambições que, pelos padrões atuais, parecem quase bizarras: fornecer acesso grátis à Internet para as bibliotecas públicas dos Estados Unidos. À medida que os objetivos dos fundadores cresceram, também cresceu o escopo da fundação, até chegar à sua posição atual, uma instituição privada importante no âmbito da saúde pública global.

Com 1.600 funcionários direcionando US$ 5 bilhões anuais de doações para 135 países, a fundação criou um novo padrão de filantropia privada no século 21.

Tudo isso foi colocado em dúvida quando o mundo recebeu a notícia de que os dois presidentes da Fundação, casados há 27 anos, decidiram se divorciar. Os beneficiários das doações e os membros da equipe se perguntam o que ocorrerá e se o divórcio afetará sua missão.

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A mensagem vinda da sede da entidade em Seattle foi clara: Bill e Melinda Gates estão se separando, mas a fundação não vai desaparecer. Suas funções como presidentes e curadores não mudarão e eles estabelecerão uma agenda para a organização que leva o seu nome. Em um e-mail, o diretor executivo da Fundação Gates, Mark Suzman, tranquilizou a equipe afirmando que Bill e Melinda continuarão empenhados na instituição.

Observando que “este é obviamente um momento difícil de mudança pessoal” para o casal, Suzman acrescentou que “Bill e Melinda pediram para que explicitamente eu expressasse a sua profunda gratidão por tudo o que vocês realizam todos os dias, particularmente durante a crise da covid-19, como também por seu apoio e compreensão neste momento difícil”.

A dotação de US$ 50 bilhões da fundação se inscreve num fundo para obras de caridade e é irrevogável. Não pode ser eliminada ou dividida como patrimônio do casal, disse Megan Tompkins-Stange, professora de políticas públicas e estudiosa de filantropia na Universidade de Michigan. Mas ela observou que não existe nenhum mandato legal que os impeça de mudar o curso.

“Acho que haverá mudanças”, afirmou a professora. “Mas não vejo isso como um grande asteroide pousando no campo da filantropia como alguns comentários exagerados vêm sugerindo”.

Bill Gates é objeto de fascínio nos Estados Unidos desde o momento em que surgiu como fundador da Microsoft, o protótipo do gênio da computação que se tornou empresário, o nerd inimigo de Steve Jobs, com suas malhas pretas de gola rolê e seus designs artísticos. Ele se tornou o homem mais rico do mundo e com a ação antitruste iniciada em 1998 pelo Departamento de Justiça contra a Microsoft, foi aclamado como o novo John D. Rockefeller, para o bem ou para o mal.

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Mas, nas décadas seguintes, Bill Gates transformou sua imagem com o trabalho que ele e Melinda fizeram na fundação, ficando mais conhecido por sua generosidade do que sua implacabilidade nos negócios. Os quase US$ 55 bilhões que a fundação distribuiu também deu ao casal acesso instantâneo a chefes de Estado e líderes da indústria.

Melinda Gates viu sua própria imagem crescer, por meio do seu trabalho na fundação e também em sua empresa, a Pivotal Ventures, que ela tem usado desde 2015 para investir em causas com vistas ao empoderamento econômico das mulheres. Algumas pessoas observaram que ela adicionou seu nome de solteira, French, ao seu perfil no Twitter.

O casal aproveitou suas conexões no ano passado em resposta à pandemia, exortando líderes como a chanceler alemã Angela Merkel e o príncipe da Coroa, Mohammed bin Zayed, de Abu Dhabi a apoiarem seus planos. A Fundação comprometeu US$ 1,75 bilhão até agora na luta contra a covid-19 e teve um papel importante na elaboração de um acordo global para levar as vacinas para países pobres.

Esse protagonismo também implicou uma boa dose de escrutínio, destacando a robusta defesa de Bill Gates dos direitos da propriedade intelectual – neste caso, específicos para as patentes de vacinas, mesmo num momento de crise extrema, como também levantou uma questão mais séria sobre como indivíduos ricos não eleitos podem ter um papel de tamanha importância no cenário global.

“Numa sociedade civil democrática, as decisões pessoais de um casal não devem levar centros de pesquisa universitários, provedoras de serviço e entidades sem fins lucrativos a questionarem se conseguirão continuar seu trabalho”, disse Maribel Morey, diretora executiva fundadora do Instituto de Ciências Sociais de Miami.

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E à medida que a imagem pública de Bill Gates cresceu durante a pandemia, também aumentaram as teorias de conspiração espúrias como a de que os esforços de imunização global era uma cobertura para ele implantar microchips para rastrear as pessoas, teoria totalmente falsa, mas prejudicial à medida que a desinformação aumentava as dúvidas quanto às vacinas.

E, depois, o pai de Gates, Bill Gates Sr., também um dos presidentes da fundação, faleceu em setembro. Ele assumiu no início a liderança dos trabalhos beneficentes do filho quando Bill ainda dirigia a Microsoft. Bill Gates Sr. era visto com uma pessoa de voz calma e bússola moral dentro da organização, mesmo tendo se afastado nos últimos anos.

Outro administrador da fundação, o investidor bilionário Warren Buffet, completou 90 anos de idade no ano passado e começou a discutir os planos de sucessão na sua companhia, a Berkshire Hathaway.

Segundo Maribel Morey, essas mudanças recentes são uma oportunidade para se criar uma diretoria mais ampla e diversificada e ao mesmo tempo dar maior visibilidade às decisões tomadas pela fundação. “Parte da inquietação vem da falta de transparência quanto às atividades no dia a dia da Fundação Gates”, disse ela.

Embora esteja claro que a fundação seguirá em frente com seus vastos recursos, a dúvida permanece quanto à fortuna dos Gates, estimada pela Forbes em US$ 124 bilhões. O divórcio não afetará o dinheiro que já foi outorgado à fundação, mas no decorrer do tempo eles podem injetar menos recursos para a instituição do que o fariam se continuassem juntos.

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“As pessoas têm razões para se sentirem inseguras quanto aos rumos da fundação”, disse Tompkins-Stange. “Há muita ambiguidade, como ocorre em qualquer situação de divórcio, mas eles parecem comprometidos a continuar atuando em conjunto na fundação”.

(Tradução de Terezinha Martino)

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