“Trata-se de uma ação promovida por José Aurélio Valporto de Sá Junior, em face de Odebrecht”. É assim que começa a sentença que condenou em primeira instância a construtora Novonor, antiga Odebrecht, a indenizar a Braskem (BRKM5) em R$ 8 bilhões por abuso de poder de controle.
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Valporto entrou com o processo contra a ex-Odebrecht no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em setembro de 2018 para fazer uma reivindicação rara nos tribunais brasileiros. Na posição de acionista minoritário da petroquímica, ele solicitou que a Novonor ressarcisse supostos prejuízos bilionários causados pela construtora no esquema deflagrado em 2014 pela Operação Lava-Jato. A Braskem é controlada pela construtora e, entre 2006 e 2014, o caixa da multinacional foi usado para pagamentos de propinas a políticos e executivos da Petrobras (PETR3; PETR4). Procuradas, Braskem e Novonor preferiram não se manifestar.
O caso é emblemático para o mercado brasileiro, cujas ações por abuso de poder de controle (quando o acionista majoritário usa sua influência e domínio de votos para favorecer interesses próprios) com resultado favorável aos minoritários, mesmo que em primeira instância, são difíceis de ver. Agora, o recurso dos advogados da Novonor foi julgado nesta terça-feira na 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem do Foro Central Cível de São Paulo e pode ter continuidade no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – veja o resultado do julgamento aqui.
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Independentemente do resultado, esse processo faz história. “Foi a primeira ação por abuso de poder a gerar indenização, abrindo precedentes para que acionistas minoritários defendam seus direitos na hipótese de abuso de poder do acionista controlador”, afirma André Peris Câmara, da área societária do escritório Benício Advogados.
Valporto é um economista de 61 anos, nascido no Rio de Janeiro e acostumado a conflitos judiciais: nos tribunais de Justiça de São Paulo e Rio de Janeiro (TJ-RJ), ele é citado em pelo menos oito processos. A tendência ao enfretamento vem de berço – o pai dele, José Aurélio Valporto de Sá, liderou o 25º Batalhão Paraquedista e, mesmo sendo militar, chegou a processar em 1992 o então presidente da República Fernando Collor de Mello para tirar das mãos do mandatário – e comandante supremo das Forças Armadas, conforme a Constituição – a demarcação das terras indígenas Yanomami.
Ainda que não tenha seguido a carreira do pai, Valporto “Júnior” fez do mercado financeiro seu campo de batalha. Desde 2018, ocupa a presidência da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), instituição que tem o objetivo de defender os direitos e interesses de investidores, em especial os “minoritários”. Ou seja, os pequenos investidores de companhias abertas, geralmente pessoas físicas.
Ele entrou definitivamente no mercado financeiro em 1986, como operador de pregão. No início da carreira já demonstrava um pouco do temperamento pelo qual é conhecido hoje. “Valporto foi meu estagiário na década de 1980 na Padrão DTVM. Sempre perguntava tudo, tinha ‘fome’ de saber”, diz Sérgio Serrano, consultor financeiro. “Nós tínhamos, por exemplo, uma reunião de Tesouraria que era diária. Até o formato da reunião ele contestou.”
Valporto seguiu carreira por alguns anos, mas diz que logo se decepcionou. “Eu comecei a perceber que o mercado era um antro de corrupção”, afirma ele. “Hoje já melhorou muito, mas está longe de ser perfeito”, diz. Ainda nos anos 90, saiu do mercado de capitais para trabalhar com privatizações.
Valporto versus Eike Batista
O retorno ocorreu em 2013, quando percebeu que havia sido uma das vítimas do colapso do grupo EBX, de Eike Batista. Na época, a OGX, braço petroleiro da holding, despencava na Bolsa com a descoberta de que as estimativas de produção traçadas por Batista eram fantasiosas. Esse foi o empurrão para atuar ativamente contra controladores do mercado de capitais brasileiro. “Percebi que eu tinha que fazer algo a respeito. Comecei a dar entrevistas para a imprensa, inclusive no exterior, e denunciei junto o presidente da B3 na época”, afirma.
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O primeiro passo foi organizar os investidores da OGX para entrar com ações contra Eike Batista e conselheiros da companhia. Como “líder dos minoritários da OGX”, Valporto caiu nos holofotes da imprensa. “A partir daí fui convidado para ser conselheiro da Associação Nacional de Proteção aos Investidores Minoritários (ANA)”, diz. Posteriormente, se tornou vice-presidente da Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin). Em busca de mais autonomia, fundou a Abradin em 2018.
Por meio dela, Valporto liderou ações civis públicas e fez denúncias à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre diversos indícios de ilícitos cometidos no âmbito do mercado de capitais. Denunciou, por exemplo, a Vibra Energia (VBBR3) por fraude em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) – leia nesta matéria. No caso da fraude contábil da Americanas (AMER3), denunciou a varejista, assim como a auditoria responsável pelos balanços e a própria B3 (B3SA3) à CVM, sob alegação de conivência com os atos ilícitos. A polêmica compra do KaBuM! pela Magazine Luíza também já foi alvo de denúncias de Valporto, por meio da Abradin. As causas ainda estão em andamento. Na pessoa física, entretanto, o processo de maior proeminência foi contra a Novonor.
- Leia também: ‘Mentiras, calúnias’: as acusações de fraudes contábeis dos fundadores do KaBum! sobre o Magazine Luiza
Os números do caso Novonor
A atuação de Valporto levanta polêmica, principalmente nas ações judiciais em que o economista ingressou por sua conta e risco. No caso da Novonor, por exemplo, ele foi classificado como “oportunista” pelos advogados da construtora. Para eles, o economista usa o verniz de protetor dos minoritários para obter vantagens individuais.
Os advogados alegaram no processo que Valporto não é um acionista histórico da Braskem. Ele comprou um lote de 100 ações da petroquímica, por R$ 5,5 mil, menos de seis meses antes de iniciar o litígio bilionário contra a Novonor. “O autor pretende obter uma vantagem pessoal que, entre honorários de sucumbência e prêmio, será de mais de R$ 900 milhões”, disse a defesa da construtora.
O ganho foi calculado com base no artigo 246, da Lei 6.404, que prevê indenização de controlador (como a Novonor) para a empresa controlada (como a Braskem) em caso de prejuízos causados pelo acionista majoritário. Se vencesse o processo, Valporto ficaria com 5% dos R$ 8 bilhões (R$ 400 milhões), enquanto os advogados levariam 20%. Mas na derrota, os custos da ação, também substanciais, ficam a cargo de Valporto. O economista já teve, inclusive, que assinar um cheque caução de R$ 1 milhão. Agora, diz que recorrerá ao STJ.
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Quem também poderia conseguir um pedaço dessa indenização é o fundo Geração Futuro L. Par, do megainvestidor Lírio Parisotto, que ingressou na ação cerca de um mês depois do litígio ter sido iniciado, como “assistente litisconsorcial” de Valporto (uma espécie de auxiliar no processo).
Os altos valores envolvidos fizeram com que os advogados da Novonor questionassem se Valporto estaria agindo em prol do interesse de terceiros, que estariam secretamente bancando a empreitada. Em junho de 2022, obrigado pela Justiça, o economista revelou um contrato prévio com a gestora Prisma Capital. Nesse acordo, a casa arca com as despesas do litígio e, em troca, fica com 50% do prêmio que Valporto fizer jus na ação. Os cotistas, donos dos recursos, não foram revelados.
Na visão de Valporto, não há imoralidade na conduta. “A alegação sobre o meu Imposto de Renda (IR) é absolutamente espúria e demonstra o desprezo pelos minoritários e desespero por falta de argumento. Um morador de rua com uma única ação tem exatamente a mesma legitimidade para propor o processo.”
O caso Embraer
Para Valporto, a atuação da carreira dele ocorreu no caso Embraer (EMBR3). Em meados de 2018, a fabricante brasileira de aeronaves iniciou um processo de combinação de negócios com a estrangeira Boeing. A união criaria uma empresa avaliada em cerca de US$ 5,2 bilhões.
Entretanto, para o economista, a joint venture na verdade representava a morte da Embraer. Isto porque a aviação comercial, braço mais forte da companhia brasileira, seria controlado operacionalmente pela Boeing. Uma forma de aniquilar a concorrência, só que por meios legais, na interpretação de Valporto. Por meio da Abradin, ele iniciou uma campanha para impedir a conclusão do negócio. Primeiro, fez uma interpelação judicial para alertar a União sobre as supostas irregularidades, já que o governo era detentor de ações com poder de veto na empresa; sem sucesso.
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Valporto seguiu, então, com uma ação civil pública para suspender a combinação entre Embraer e Boeing, depois fez uma denúncia no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O último passo foi dado na denúncia do caso à Comissão Europeia, em um relatório detalhado. “A joint venture da joia tecnológica da indústria nacional Embraer com a Boeing era, na verdade, uma fraude bilionária que resultaria na destruição da empresa”, afirmou Valporto.
Em outubro de 2019, a Comissão Europeia abriu uma investigação sobre a transação entre Boeing e Embraer. Em agosto de 2020, a fabricante de aeronaves estrangeira desistiu do negócio. Procurada, a Boeing preferiu não comentar o assunto. Já a Embraer não retornou os questionamentos do E-Investidor até a publicação desta reportagem.
O posicionamento vocal pela proteção à “joia tecnológica da indústria nacional”, como se referiu à Embraer, é um discurso que encontra eco no histórico familiar do presidente da Abradin. Durante a liderança do 25º Batalhão Paraquedista, o pai de Valporto criou um lema – e esta origem está documentada na literatura militar brasileira – que refletia uma mentalidade protecionista: “Brasil acima de tudo”. Décadas à frente, a frase virou bordão do então candidato à presidência Jair Bolsonaro, também de origem militar, que alongou a sentença com “Deus acima de todos”.
O resultado não agradou. “Não acho que devemos misturar política com religião”, diz Aurélio Valporto.
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