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Perfil

Vladimir Timerman, o ‘anti-herói’ do mercado: “Sou o mais comunista entre os capitalistas”

Vladimir Timerman, da Esh Capital, despertou a inimizade de grandes investidores do mercado brasileiro

“Você se importa se eu fumar durante a entrevista?” Após os cumprimentos, esta foi a primeira pergunta que Vladimir Timerman, da Esh Capital, fez à reportagem do E-Investidor. Sentado e descalço em seu escritório, em São Paulo, o gestor acendeu e apagou pelo menos cinco cigarros enquanto divagava sobre o fato de não ter medo da morte.

“Já ligaram diversas vezes aqui e ameaçaram me matar”, conta Timerman. “Eu tenho dois filhos maravilhosos, mas não tenho medo de morrer. Com todo o histórico do meu pai, como eu poderia simplesmente… desistir?.”

Vladimir é filho de Artur Timerman, médico infectologista que integrou a linha de frente do combate à AIDS nos anos 80, quando ‘sentia a vida de gente jovem escapando entre os dedos como água’, conforme citou no livro “Historias da Aids”, lançado em 2015. Corintiano nato, Artur também foi um dos fundadores da Gaviões da Fiel, além de ser um convicto comunista: batizou o filho, futuro gestor do mercado financeiro, em homenagem ao amigo Herzog, jornalista assassinado pela Ditadura Militar em 1975.

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Artur faleceu de câncer em março de 2019. Para Timerman, deixou a mania de andar descalço, a fascinação por filmes e o exemplo de alguém que foi incansável no campo de batalha e nunca abandonou suas paixões. “Sou o mais comunista entre os capitalistas”, aponta Timerman. “E hoje o que eu faço é tentar conseguir os mesmos direitos para todos os acionistas de uma empresa.”

Na Esh Capital, ele gere fundos de “special situations” desde 2015. Ou seja, Timerman procura — e encontra — empresas listadas que tenham uma espécie de deficiência em termos de governança. Depois de investir nessas companhias, geralmente de porte menor, ele passa a atuar ativamente como acionista minoritário para promover mudanças na administração. Isto envolve, por vezes, buscar a destituição de executivos e a eleição de outros nomes com o objetivo de destravar o valor das ações.

Sua trajetória tem um arquétipo de “anti-herói”, aquele personagem que luta por suas convicções, como um herói, mas que levanta polêmica por suas ações. Ou pelo seu modo de agir.  Ao longo do anos, a movimentação nas empresas investidas rendeu fortes adversários. Em duas situações, por exemplo, a entrevista foi interrompida pelo segurança particular de Timerman – cujo salário é pago por um apoiador do gestor, de identidade não revelada.

“Eu falei que não queria, mas essa pessoa insistiu em contratar. Disse que se eu não deixasse o segurança me acompanhar oficialmente, mesmo assim ele ficaria me seguindo”, aponta o líder da Esh Capital, que hoje tem 9 processos (civis e criminais, entre 1º e 2 º grau) movidos contra ele por executivos ligados a, ao menos, três companhias abertas. Os processos são, majoritariamente, por difamação, denunciação caluniosa e danos morais. Ele já chegou a ter 23 ações em que seu nome estava envolvido, mas saiu vitorioso de 14 delas, faltam as nove restantes. Entretanto, chegou a ter as redes sociais bloqueadas e ser proibido de citar os nomes dos executivos publicamente ou mesmo falar sobre as disputas societárias.

Timerman também já esteve no radar da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que ensaiou elaborar um processo sancionador contra ele por suposta falta de “reputação ilibada”. Se levada até o final, a ação – que foi arquivada – poderia inabilitá-lo para a atuação no mercado.

Os fundos da Esh Capital 

Atualmente, a Esh Capital possui apenas um produto liberado para o grande público: o “Esh Prospera FIA”, fundo de ações criado em 2021 e que possui 28 cotistas. O Prospera está com rentabilidade de 14,9% em 12 meses e de 11,38% desde o início deste ano. O fundo mais popular da Esh, e onde estão concentradas as principais ações de “ativismo”, é o multimercado “Esh Theta 18”. O carro-chefe possui 749 cotistas, mas está bloqueado para movimentações de cotas desde 25 de março deste ano, em função de uma decisão judicial no âmbito de um processo movido pela Gafisa contra a gestora. O fundo também ficou proibido de negociar as ações da empresa, que representavam mais de 30% do patrimônio na época.

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A Gafisa acusou a casa de “greenmail”, chantagens feitas por investidores ativistas. “Proibição do exercício dos atos de ataques e contestações públicas ou privadas, perpetuadas de forma maliciosa às decisões e deliberações tomadas pelos administradores dos autores, com o objetivo de pressionar as Companhias [a Gafisa e a Gafisa Rio]”, diz a empresa. Os advogados da Esh contestam a decisão, que apontam ser ilegal por promover a constrição ao patrimônio de terceiros, como os de investidores que detém cotas do Esh Theta 18.

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“A Esh Capital Investimentos Ltda. está no exercício regular das garantias constitucionais e de seus direitos ao promover denúncias e apurações pelas autoridades competentes, de buscar prestação jurisdicional em situação nas quais entende que está presente lesão ou ameaça a direitos, e de fiscalizar gestão da Gafisa”, diz a defesa da gestora.

Diante do bloqueio de cotas e de ações da Gafisa detidas pelo Esh Theta, nos últimos 12 meses o fundo acumula queda de 68,9%. Desde a criação, em 2016, o retorno está negativo em 19,98%. Antes do embróglio, a situação era outra. Em 2021, o Esh Theta bateu recorde de rentabilidade – a valorização foi de 104,2% naquele ano, acumulando 235,7% de retorno desde o início das atividades, em 2016. O recorde refletiu duas grandes vitórias do “ativismo societário” (participação mais ativa da Esh nas companhias) da gestora nas empresas Dimed (PNVL3), antiga Panvel, Smiles e Gol (GOLL4).

A Esh passou meses tentando convencer a Gol a melhorar a proposta de incorporação da Smiles. No final, em vez de R$ 22,32 por papel do projeto inicial, a incorporação saiu a R$ 27. Fruto dessa movimentação, o fundo Esh Theta escalou 80% em um único dia. Na antiga Panvel, a casa conseguiu, após reclamações na CVM, fazer com que a empresa aprovasse a conversão de 1 para 1 das ações preferenciais em ordinárias, na migração ao Novo Mercado.

O início dos conflitos 

Se em 2021, o fundo estava focado em ações da Gol, Panvel e Smiles, e vivia seu melhor momento, em 2022 a configuração já havia mudado bastante. Desta vez, para uma concentração superior a 50% em ações da Alliança Saúde (AALR3), antiga “Alliar”, próximo alvo da Esh. Com a mudança de foco, a rentabilidade do produto desabou: em 2022, ainda houve uma alta de 37,2% no acumulado ano, mas em 2023 e 2024 (até julho), as quedas foram de 52,8% e 48,63%, respectivamente.

“O que mudou não foi a ‘cara’ do fundo, o que mudou foi como meus adversários passaram a lidar comigo”, afirma Timerman. “A queda da rentabilidade de fundo coincide com isso. Ou seja, quando começaram os ataques de que sou um aproveitador.”

Na Alliança (antiga Alliar), a Esh engatilhou um longo embate com o empresário Nelson Tanure. O conflito começou após o antigo bloco de controle da empresa firmar um contrato de venda das ações para o megaempresário. Em tese, com a compra dos papéis por Tanure, o executivo seria obrigado a fazer uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) aos demais acionistas. Isto é, comprar os papéis dos minoritários dispostos a vender as posições, pelo mesmo preço que adquiriu a fatia dos antigos controladores.

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Entretanto, uma cláusula no contrato de venda do controle trouxe dúvidas sobre a realização do OPA. O documento apontava a possibilidade de mudança na quantidade de ações vendida – alteração que poderia ser confirmada até cinco dias antes da operação -, além de opções de venda futuras. Para alguns minoritários, como a Esh, o contrato encobria uma tentativa de evitar a OPA, o que fez as ações da AALR3 desabarem no final de 2021. No final, a Alliança permaneceu nas mãos de Tanure, que precisou realizar a OPA. Mas diferentemente da atuação em Smiles, Gol e Panvel, os conflitos com a Esh não pararam por aí. Os embates escalaram, assim como o número de processos na justiça entre as duas partes.

Na Alliança, a Esh Capital chegou a denunciar à CVM um suposto insider trading cometido por Tanure no início de 2022, na época do fechamento da compra da empresa de saúde. Após o megaempresário anunciar que compraria a fatia do bloco de controle, os papéis dispararam. A Esh alegou que fundos de investimento ligados ao megaempresário teriam vendido 1,5 milhão de ações nos dias seguintes ao anúncio da compra, aproveitando-se da alta. A suposta negociação com informação privilegiada chegou a ser investigada pela CVM no processo 19957.009891/2021-21, mas foi arquivada.

Na outra ponta, Tanure também processou Timerman por difamação e perseguição (stalking), em função de publicações do gestor a respeito do empresário nas redes sociais. Na última movimentação referente à ação de stalking, os advogados do gestor pediram um habeas corpus para não ter julgamento. O pedido traz o parecer jurídico da advogada Luna Van Brussel Barroso, autora do livro “Liberdade de Expressão e Democracia na Era Digital” e que não viu indícios de crime.

Durante a conversa, ele falou com tranquilidade sobre os inúmeros embates. “Talvez uma hora os meus adversários vão perceber que não vão conseguir me desmontar”, disse, sem se referir a processos ou pessoas específicas.

No início de 2023, os conflitos entre Timerman e Tanure migraram para outra companhia aberta: a Gafisa (GFSA3). A Esh, como acionista minoritária da construtora, acusa o empresário de ocultar sua participação na companhia por meio de uma rede de veículos de investimento, que teria o executivo como beneficiário final. A intenção seria ocultar sua fatia real na empresa e driblar a necessidade de fazer uma OPA. Procurado, Nelson Tanure preferiu não comentar.

De acordo com o Estatuto Social da Gafisa, qualquer acionista que atingir a fatia de 30% deve realizar uma oferta para a compra das ações dos demais investidores da empresa. Sob essa alegação, a Esh tentou caçar os direitos políticos de Tanure e destituir os conselheiros da Gafisa por mais de uma vez em assembleias gerais extraordinárias (AGEs), mas não obteve sucesso.

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Pelo contrário, em uma reação da Gafisa à atuação da Esh e de Timerman, a construtora conseguiu na justiça o bloqueio das ações de fundos geridos pela casa. Timerman também foi proibido de fazer “ataques e contestações públicas ou privadas, perpetuadas de forma maliciosa às decisões e deliberações” tomadas pelos administradores da construtora. A decisão saiu em março deste ano.

Os primeiros desafetos

Os conflitos recentes estão longe de serem os primeiros da carreira de Vladimir Timerman. Engenheiro formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli), o seu primeiro emprego no mercado financeiro foi como estagiário da antiga corretora Brascan, dentro da área de Corporate. A data de início foi 11 de setembro de 2001, quando houve o ataque às torres gêmeas.

“O pessoal da Brascan estava com a Tullett Prebon (corretora internacional) na linha. Eu vi as linhas da Tullett caírem depois que avião bateu”, diz o gestor. Foi demitido da Brascan após a saída do chefe direto dele na época. “Meu chefe brigou com todo mundo, saiu e me mandaram embora pouco depois. Ele era meu mentor. Hoje, tenho um pouco de vergonha de falar que trabalhei com ele. Foi uma das maiores decepções na minha vida”, afirma.

Posteriormente, o executivo que foi o primeiro chefe de Timerman no mercado financeiro foi investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por operações fraudulentas no mercado, desvio de recursos de institutos de previdência e embaraço à fiscalização. O nome não foi revelado, a pedido do gestor.

Em meados de 2003, Timerman passou pela área de corporate e mesa de equities da Ativa Investimentos. No corporate, ficou cerca de 11 meses. Em equities, fez a automatização das transações por meio de programação, algo raro nos anos 2000. O trabalho deu resultados, segundo ele, mas ficou apenas três semanas na função. Isto porque no final do período, ele alega não ter recebido pelos serviços.

“Chegou no final do mês, os caras deram três ‘tapinhas’ no meu ombro e disseram que não iam me remunerar porque eu tinha trabalhado só três semanas, não o mês todo. Foi quando eu comecei a aprender sobre o mercado”, diz Timerman, que se demitiu logo após. Procurada, a Ativa não quis se pronunciar.

Passou também pela Nitor Investimentos, onde foi demitido após reclamar de um dos membros do quadro societário da corretora. Navegou pela área de “algotrading” e derivativos da Hedging-Griffo e pela tesouraria do Itaú BBA. “Meu sonho era trabalhar com o Luís Stuhlberger, mas nunca me abriram uma brecha”, diz. “Eu também adorava o BBA, mas não sou um cara feito para trabalhar em ambientes políticos”

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De lá, passou a empreender na Mr. Spread Consulting, vendendo algoritmos para mercado financeiro. A Esh Capital só viria em 2015, de uma vontade de amplificar a voz no mercado. “Pensei: quero sentar no banco do passageiro, participar das discussões, questionar o que eu acho que está errado. Não é feio questionar”, afirma o gestor.

De fato, não é feio questionar, mas até aqui, os conflitos custaram caro à Esh Capital. O fundo Esh Theta perdeu 426 cotistas no ano passado e precisou mudar o prazo de resgate para 720 dias. Somente este ano, antes do bloqueio, as saídas somaram 279 investidores. Perguntado sobre qual seria o destino da gestora, caso perca os processos em andamento, o engenheiro não pareceu se abalar.

“Se eu perder, perdi e vida que segue. O que posso falar é que sempre vou fazer o meu melhor. Todo o meu dinheiro está nesse negócio, meu nome e minha reputação”, diz ele, que fez vestibular e foi aprovado em 5º lugar em Direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC) para ter um ferramental melhor para enfrentar os processos na Justiça. “Estou em um momento ruim, mas vai passar.”