O que este conteúdo fez por você?
- Uma grande aposta na queda dos papéis da Petrobras feita pela Tullett bem no final do pregão chamou a atenção de investidores
- Na sessão seguinte, as ações afundaram 10% em função da notícia de retenção de dividendos extraordinários
- O timing da transação gerou questionamentos nas redes. Entretanto, segundo a Tullett, a operação faz parte de uma estratégia estruturada
Na reta final do pregão do dia 7 de março, um investidor da corretora Tullett Prebon Brasil desembolsou R$ 2 milhões para adquirir 2,3 milhões de opções de venda da Petrobras (PETR4). As “opções de vendas”, ou “puts” como também são chamadas, são instrumentos que dão direito a vender um ativo por um determinado preço e se valorizam expressivamente caso o ativo fique abaixo do preço estipulado. No caso de PETRO411, esse direito era o de vender as ações PETR4 por R$ 40,01 no dia 15 de março. Na data da compra, a ação era cotada a R$ 40,39, segundo dados do TradeMap.
No dia seguinte, a estatal divulgou o balanço e a retenção dos dividendos extraordinários e os papéis desabaram 10,57%, para R$ 36,12. Com a derrocada, a opção PETRO411 valorizou 300%, o que conferiria um lucro de cerca de R$ 4 milhões à operação. A aposta foi acompanhada pelo operador de opções Hégler Henrique, que expôs a transação em suas redes sociais. O post registrou mais de 1 mil curtidas, 142 compartilhamentos e 117 comentários.
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“Esse investidor comprou as opções no final do pregão, véspera do balanço, quando a volatilidade implícita estava altíssima e as opções estavam mais caras. Se ele compra e não acontece nada no outro dia, essas opções virariam pó”, afirma Henrique, em entrevista ao E-Investidor. “Foi uma operação atípica.”
O trade não chamou a atenção só pelos volumes financeiros envolvidos e o timing aparentemente perfeito, mas pela corretora de onde partiram as ordens. A Tullett Prebon Brasil, um nome desconhecido para os pequenos investidores pessoa física, é responsável pela execução de ordens de milhões de reais em compras de opções de empresas brasileiras.
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O braço brasileiro da britânica Tullett Prebon, considerada uma das maiores corretoras do mundo para clientes institucionais, tem cerca de 14 anos de operação. A companhia estrangeira desembarcou oficialmente no País em 2011, após ter feito a compra da antiga corretora Convenção, que pertencia a Eduardo da Rocha Azevedo, ex-presidente da Bovespa e fundador da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).
No início, o plano era ser uma porta para o investidor estrangeiro operar no mercado brasileiro. Contudo, com a maturação da indústria de fundos nacional, esse perfil mudou. Eduardo Azevedo, filho de Eduardo da Rocha Azevedo e CEO da TC ICAP Brasil (grupo do qual a Tullett Prebon Brasil faz parte), relatou ao E-Investidor que hoje a maior parte da base de clientes da corretora é formada por investidores locais, mas não por qualquer investidor. “Quase todos os grandes bancos, fundos e assets operam aqui”, afirma Azevedo.
Tullett explica a operação
Questionado sobre as operações do dia 7 de março, Azevedo, da Tullett, é taxativo. O executivo diz que a transação “não foi uma aposta solta”, como pode ter parecido, mas fez parte de uma operação estruturada, que envolveu outros ativos dentro de uma estratégia maior de proteção.
O executivo reforça que o volume financeiro é expressivo para o investidor comum, mas a quantia é irrisória para o porte dos clientes da Tullett. “Estamos falando de fundos com bilhões de reais sob gestão”, diz. “O que costuma ser divulgado é que os nossos clientes só operam opções quando há alguma informação prestes a sair, o que não é verdade.
Uma outra operação, feita na corretora em 18 de fevereiro de 2021, também gerou grande repercussão negativa no mercado. Na data, um investidor comprou 4 milhões de opções de venda da Petrobras, com vencimento curto, para 22 de fevereiro de 2021 (segunda-feira). Quando foram adquiridas, as opções eram quase “pó”, mas se valorizaram exponencialmente após ser anunciada a demissão do presidente da petroleira no período, Roberto Castello Branco.
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Na época, chamou a atenção do mercado o fato de que a compra das opções foi realizada logo após o fim de uma reunião ministerial em que o então presidente da República, Jair Bolsonaro, discutia a demissão de Castello Branco e os preços dos combustíveis. Horas depois, já com o pregão fechado, o líder do Executivo sinalizou que “alguma coisa” iria acontecer na Petrobras.
No dia seguinte, 19 de fevereiro (sexta-feira), as ações PETR4 cederam 6% em função dos temores de ingerência na estatal. No dia 22 de fevereiro, data do vencimento das opções e já com a demissão de Castello Branco confirmada, os papéis registraram uma queda histórica, de 21,5%. Se exercida no vencimento, a operação certeira resultaria em um lucro de R$ 18 milhões.
Contudo, segundo Azevedo, a operação foi fechada muito antes do vencimento, ainda na manhã do dia 19 de fevereiro, quando os papéis não haviam aprofundado as quedas. Por isso, não houve o lucro de R$ 18 milhões, e sim algo em torno de R$ 60 mil. “A CVM nem chegou a instaurar uma investigação, porque nós nos adiantamos”, diz o executivo. “Falamos com os clientes que fizeram a operação, então as três partes foram à CVM, com todas as evidências, gravações.”
A atenção indesejada trazida por esse episódio ainda reverbera. “As nossas operações são estruturadas. Dificilmente temos um cliente comprando ou vendendo apenas uma opção em um volume muito grande. O mercado precisa começar a enxergar um pouco melhor as operações”, afirma Azevedo. Em entrevista exclusiva ao E-Investidor, o executivo detalha como funciona o compliance dentro da companhia e a visão dos institucionais sobre o mercado brasileiro.
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Já a Associação Brasileira de Investidores (Abradin), uma das entidades que requisitou à CVM a investigação sobre a operação da Tullett em 2021, vê com desconfiança os novos trades feitos em 2024. “A entidade está avaliando a possibilidade de novas medidas junto à CVM”, diz a organização.
Coisa de peixe grande
De acordo com levantamento feito pela Quantzed, a pedido do E-Investidor, pelo menos 206 ordens foram realizadas pela Tullett neste ano para a aquisição relevante de opções de compra ou venda em companhias listadas na B3. O menor valor foi registrado em uma operação com Arezzo (ARZZ3), feita no dia 17 de abril, por R$ 5,5 mil. A maior aconteceu em janeiro, também com opções de compra, só que do Bradesco (BBDC4), por R$ 54,5 milhões.
Somente em opções da Petrobras, com a exceção da realizada no dia 7 de março, foram pelo menos 14 operações relevantes (que podem ou não fazer parte de operações estruturadas, como citado por Azevedo). Os volumes financeiros variam entre R$ 207,2 mil e R$ 18,9 milhões.
As primeiras transações expressivas detectadas pela Quantzed com opções da petroleira neste ano, e que partiram da Tullett, foram duas compras de 10,5 milhões de opções de venda PETRO382 e PETRO392, por R$ 1,8 milhão e R$ 3,1 milhões, respectivamente. Os dois lotes foram adquiridos em 20 de fevereiro, um dia após a Petrobras ter atingido R$ 571,4 bilhões em valor de mercado, um recorde histórico. Na data, as ações estavam cotadas a R$ 42,33 e acumulavam valorização de 14% no ano.
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As puts davam direito a vender PETR4 por R$ 38,26 e R$ 39,26, respectivamente, em 15 de março. Ou seja, quem comprou pode ter pensado em proteção contra eventuais quedas após o ápice do mercado - uma ação que se mostrou acertada. Sete dias depois, em 28 de fevereiro, a Petrobras registrou a pior queda do ano até então, de -5,16%, após o diretor-presidente da estatal, Jean Paul Prates, sinalizar que a companhia tenderia a ser mais “cautelosa” com a distribuição de dividendos. Rodolfo Olivo, professor da FIA Business School, e Rogério Paulucci Mauad, professor de Administração e Economia do Ibmec SP, afirmam que a estratégia de buscar proteção depois de grandes altas de papéis é algo esperado de um investidor profissional.
"A grande aposta que você faz, nesses momentos de instabilidade política, é que o mercado está subestimando a volatilidade", afirma Olivo. "Faz sentido porque quando as ações estão batendo a máxima de preço, as opções de venda estão baratinhas. Elas se desvalorizam à medida que a ação vai subindo", diz Mauad.
O mês de abril concentra as últimas operações expressivas feitas pela Tullett com opções da Petrobras, todas de calls (opções de compra), ou seja, apostas na alta dos papéis. Juntas, as operações somam R$ 5,18 milhões.
Roberto Lombardi, um dos maiores traders da Bolsa brasileira, acompanhou o burburinho do mercado em relação às movimentações de players pela Tullett. Entretanto, não acredita que as operações relevantes sejam casos de uso de informação privilegiada. Para o megatrader, que tem 9,6% da OSX, de Eike Batista, as transações são muito explícitas para se tratarem de um ou mais tubarões com informações privilegiadas.
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“Seria muito amador concentrar todas as operações em uma corretora só, e pelo tamanho das operações, é alguém muito grande”, diz Lombardi. “Se fosse um insider, ele distribuiria os valores em diferentes corretoras, faria de um jeito mais difícil de identificar.”
Contudo, Lombardi ressalta, que ainda hoje, a CVM possui poucos recursos para identificar e punir casos que envolvem informações privilegiadas. “Francamente, tem pouco aparelhamento, estrutura para poder acompanhar essas operações”, afirma.
Luiz Mariano, especialista da Improve AAI e ex-operador, com 47 anos de experiência de mercado, também não acredita em delitos nas operações feitas por meio da Tullett, mas por um motivo diferente.. “Tenho muito respeito pelo policiamento da CVM. Se fosse insider trading, a gerência de mercado já tinha acusado algo”, diz Mariano.