Alpargatas (ALPA4) reage após ruído político envolvendo campanha da Havaianas
Papéis da Alpargatas avançam após repercussão política negativa de campanha publicitária; analistas veem impacto pontual e sem efeito estrutural nos fundamentos
Sandálias Havaianas, principal marca da Alpargatas, no centro de polêmica política que gerou ruído no mercado e pressionou as ações da empresa na B3. (Foto: Adobe Stock)
As ações da Alpargatas (ALPA4) operam em alta nesta terça-feira (23), após um pregão turbulento na véspera, quando o mercado reagiu à polêmica envolvendo a Havaianas, principal marca do grupo. Na abertura de hoje, os papéis avançam 1,05%, cotados a R$ 11,56, por volta das 10h01, em um movimento que reflete a repercussão negativa do episódio ocorrido ontem (22).
Na segunda-feira (22), a Alpargatas perdeu 2,39% na B3 e encerrou o dia a R$ 11,44, segundo dados da Elos Ayta Consultoria. A desvalorização representou uma perda aproximada de R$ 152 milhões em valor de mercado em apenas uma sessão. Durante o pregão, a pressão foi ainda maior: os papéis chegaram a tocar a mínima de R$ 11,26, quando a queda alcançou 3,92%.
O estopim para o movimento foi uma controvérsia política em torno da nova campanha publicitária da Havaianas, estrelada pela atriz Fernanda Torres.
No vídeo, a artista, teoricamente, subverte a expressão popular “pé direito” e deseja que as pessoas comecem 2026 com “os dois pés” – “na porta, na estrada, na jaca, onde você quiser”.
Em tom descontraído, ela afirma: “Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito. Não é nada contra a sorte, mas vamos combinar: a sorte não depende de você”.
A peça publicitária rapidamente ganhou contornos políticos. Parlamentares e influenciadores ligados à direita passaram a criticar o conteúdo e estimularam um boicote à marca nas redes sociais. Em um dos episódios mais repercutidos, o deputado Eduardo Bolsonaro afirmou que deixaria de usar Havaianas, apesar de considerar o produto um “símbolo nacional”, e publicou um vídeo jogando os chinelos no lixo.
Outros nomes do mesmo campo ideológico seguiram a mesma linha. A deputada Bia Kicis (PL-DF) declarou que, se a marca “não os quer”, eles também não querem as Havaianas. Já o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) escreveu que não compra “de quem nos ataca”. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) fez um trocadilho com o slogan da empresa ao sugerir que “nem todo mundo agora vai usar” Havaianas.
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Procurada pelo E-Investidor, a Alpargatas optou por não se pronunciar sobre a polêmica até o momento. O espaço para manifestação permanece aberto.
Apesar do impacto imediato no preço das ações, analistas avaliam que o efeito tende a ser limitado. Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, o episódio deve ficar restrito ao curto prazo. Segundo ele, o mercado já viveu situações semelhantes, especialmente em períodos de maior polarização política, sem consequências duradouras para os fundamentos das empresas.
“No ciclo seguinte, esses movimentos não se traduziram em efeitos estruturais sobre os negócios”, afirma.
Na avaliação do estrategista, o ruído costuma se concentrar em grupos mais vocais e em nichos específicos, que reagem de forma intensa no calor do momento. “Isso pode gerar algum barulho negativo pontual, mas não uma mudança estrutural”, diz Cruz.
Ele acrescenta que a Havaianas não enfrenta hoje um concorrente direto forte o suficiente para capturar uma eventual insatisfação passageira dos consumidores.
Além disso, Cruz destaca que o foco estratégico da Alpargatas está cada vez mais voltado para a expansão internacional. No mercado brasileiro, a marca já apresenta um nível de penetração próximo da saturação, o que tende a reduzir o impacto econômico de movimentos conjunturais como boicotes episódicos.
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Ainda assim, o debate respingou em concorrentes. Nas redes sociais, alguns usuários afirmaram que passariam a comprar sandálias da Ipanema, marca da Grendene (GRND3). As ações da empresa gaúcha, no entanto, também fecharam em queda na segunda-feira, com recuo de 0,19%, a R$ 5,27.
Do outro lado do espectro político, parlamentares de esquerda saíram em defesa da Havaianas e da campanha. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) publicou fotos com seus chinelos e afirmou que compraria novos pares no Natal. Já Rogério Correia (PT-MG) ironizou o boicote, enquanto a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) classificou a reação como mais um exemplo de “guerra ideológica” em torno de temas cotidianos.
Com isso, a Alpargatas (ALPA4) entra no pregão desta terça-feira sob os efeitos de um debate que extrapolou o marketing e chegou ao mercado financeiro. A reação inicial dos investidores foi negativa, mas, na leitura de analistas, o episódio tende a ficar mais no campo do ruído político do que em uma revisão consistente das perspectivas da companhia.