Banco Central vetou a compra do Master pelo BRB, expondo riscos no modelo de negócios baseado em ativos de baixa liquidez. (Foto: Adobe Stock)
O veto do Banco Central (BC) à compra do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB) expôs fragilidades que já vinham sendo levantadas por analistas sobre o modelo de negócios do Master. A decisão, tomada em caráter técnico, repercutiu fortemente no mercado: as ações do BRB (BSLI3) caem 4,49% no pregão, às 14h54. Ainda assim, para especialistas, o movimento reforça a solidez regulatória do sistema financeiro brasileiro.
Segundo Hudson Bessa, especialista em Mercado Financeiro na FIPECAFI, a raiz do problema está no descasamento entre ativos e passivos. “O Master captava recursos a partir da venda de CDBs [Certificado de Depósito Bancário], que são títulos de prazo definido, geralmente de um a dois anos, exigíveis na data do vencimento. Ou seja, o investidor cobra o saque e o banco precisa pagar”, explica.
O ponto crítico é que, em vez de aplicar esses recursos em operações de crédito mais líquidas e previsíveis, o Master direcionava grande parte para ativos de liquidez duvidosa.
Na prática, o banco se concentrou em precatórios – dívidas judiciais que o governo precisa quitar, mas cujo pagamento pode ser adiado indefinidamente.
O coordenador de Produtos da InvestSmart XP, Rafael Bellas, reforça que “mais de 80% da carteira de precatórios do banco era composta por ativos de alto risco, ainda pendentes de decisões judiciais, o que dificultava a determinação de seu valor real e de seus prazos de vencimento”.
Disputas judiciais podem se arrastar por anos, lembra ele, e resultar em valores diferentes dos inicialmente previstos, agravando a dificuldade de precificação.
“Quando você resolve comprar precatórios, que são ativos de baixa liquidez, já cria uma assimetria e um risco de descasamento entre ativos e passivos”, afirma Bessa. Ele lembra que a situação se agrava porque os precatórios variam conforme a esfera de origem (federal, estadual ou municipal), e governos frequentemente postergam os prazos de pagamento.
Bellas acrescenta que ativos com essas características “não possuem um mercado secundário líquido. Ou seja, não há compradores dispostos a adquiri-los facilmente, o que os torna difíceis de converter em dinheiro rapidamente”.
Além disso, o Master ampliou sua exposição a fundos de participação em empresas emergentes (FIPs) e até a investimentos em setores como oncoclínicas. Embora esses ativos possam ter potencial de valorização, são difíceis de converter em caixa rapidamente. O especialista pontua:
Esse não é o caminho normal de um banco médio. O modelo tradicional é captar via CDB e emprestar em crédito, com prazos e garantias mais bem definidos.
Bellas vai além e lembra que o banco adotava uma estratégia agressiva de captação, oferecendo CDBs com remuneração muito acima da média do mercado, chegando a 140% do CDI. “Essa prática, embora tenha impulsionado o crescimento do Master, gerou um passivo de curto prazo muito elevado e preocupações sobre a sustentabilidade do modelo de negócio”, afirma.
A percepção de risco que persegue o Master
Esse desvio de estratégia aumentou a percepção de risco sobre o banco. De acordo com dados do mercado, os CDBsdo Master chegaram a representar cerca de 42% da liquidez do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), o que ampliava a preocupação regulatória. Bessa observa:
No limite, o que acontece em bancos médios é captar via CDB e, para crescer, entrar em públicos que você não conhece. O resultado costuma ser inadimplência alta. No caso do Master, foi além disso: houve uma concentração em ativos de difícil precificação.
Rafael Bellas complementa que a própria cobertura do FGC, ao assegurar depósitos de até R$ 250 mil por CPF, pode estimular esse tipo de estratégia de captação mais agressiva. “O problema é quando um único banco concentra depósitos em volume muito elevado, pois surge um potencial de estresse para o próprio FGC em caso de dificuldades, ampliando a preocupação com a estabilidade do sistema.”
O Banco Central, portanto, rejeitou a operação de compra pelo BRB para evitar um potencial risco sistêmico. Segundo o coordenador de Produtos da InvestSmart XP, mesmo com a possibilidade de segregar parte dos ativos problemáticos, havia o temor de que o BRB acabasse responsabilizado pelos problemas de liquidez do Master – o que poderia comprometer a solidez do banco estatal e, em última instância, do sistema financeiro.
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A decisão, embora tenha provocado volatilidade no mercado, foi recebida positivamente por economistas e analistas da Faria Lima, que elogiaram a postura técnica da autarquia. Como explica esta matéria do E-Investidor.
Para os investidores, a recomendação é de cautela: quem possui ações do BRB deve se preparar para um período de instabilidade, enquanto os detentores de CDBs do Master precisam estar atentos aos limites de cobertura do FGC (R$ 250 mil por CPF).
O caso é um alerta para os limites da agressividade no setor bancário. “Quando o banco ultrapassa os limites prudenciais que o mercado utiliza, seja pela concentração excessiva em ativos ilíquidos ou pelo descasamento entre captação e aplicação, o risco deixa de ser apenas do banco e passa a afetar todo o sistema de proteção”, conclui Hudson Bessa, especialista em Mercado Financeiro na FIPECAFI.