Como a Argentina chegou a uma inflação de 100%?

Campeões do mundo penam com preços descontrolados e seca histórica

Em fevereiro último a Argentina chegou aos 100% de inflação no acumulado dos últimos meses, número não alcançado desde outubro de 1991.

Acredita-se que os índices de preços igualmente ultrapassaram os 100% na década de 2010. No entanto, as estatísticas oficiais durante o governo da presidente Cristina Kirchner (2007-2015) não são consideradas confiáveis, com suspeita de manipulação de dados.

Só em fevereiro a alta dos preços na Argentina foi de 6,6%. Para efeitos de comparação, o IPCA – índice oficial da inflação brasileira – foi de 5,78% para todo o ano de 2022.

Como a Argentina chegou lá?

A base da atual crise tem origem na indisciplina fiscal dos anos 1990 e a crise de 2001, quando uma forte recessão corroeu tanto o PIB como o poder de compra dos argentinos. Os protestos populares e a instabilidade político-social levaram o país a ter cinco presidentes diferentes naquele ano.

Em 2001 a Argentina tentou negociar uma dívida bilionária com seus credores. No entanto, um grupo liderado pelo gestor de fundos hedge Paul Singer (não confundir com o economista brasileiro) não aceitou o acordo e forçou o país a não honrar o pagamento de US$ 95 bilhões em títulos, levando o país a uma batalha judicial.

Situação semelhante se repetiu em 2014, com novo default. Como consequência, após sucessivos calotes o país ficou sem acesso ao crédito internacional. Precisando rolar dívidas e manter seus gastos, o governo argentino utilizou seu Banco Central para emitir moeda.

Apesar de acordos com o FMI, nas presidências de Maurício Macri (2015-2019) e Alberto Fernández a Argentina continuou a utilizar seu BC para sustentar os altos gastos públicos e o financiamento da dívida.

Para agravar mais o cenário, uma crise política se instaurou no ano passado entre o ministro da economia Martin Guzmán (favorável ao corte de gastos públicos) e a vice-presidente Kirchner (que, populista, é contra).

Guzmán – que, contrário à vontade de Kirchner, havia fechado novo acordo com o FMI –, acabou renunciando ao cargo em julho de 2022.

O atual ministro, Sergio Massa, crítico aberto do kirchnerismo e de Fernández, se juntou ao governo mirando suas pretensões políticas de chegar à presidência.

Além da tentativa de acelerar o corte de gastos, Massa pretende recompor as reservas internacionais argentinas. No entanto, uma seca histórica vem prejudicando a safra de grãos local e, consequentemente, as exportações do setor agrário e a arrecadação de impostos.

Churrasco mais caro

Entre os artigos que mais contribuíram para o mais recente avanço da inflação estão as roupas (com a troca de coleções sazonais), mensalidades escolares (16,4%). combustíveis (3,8%), tarifas de serviços públicos (6%) e a carne bovina (29%). O assado do domingo vai ter uma parilla mais pobre.

O que talvez venha faltando à Argentina nestes últimos anos é exatamente um BC independente e um conjunto de regras como um teto de gastos ou arcabouço fiscal, disciplinando o equilíbrio entre arrecadação e despesas públicas.

Arcabouço fiscal

Sem instrumentos como estes, a taxa básica de juros local, a Leliq, de 75% ao ano tem pouco efeito para segurar a inflação.

Arcabouço e juros