- Não é de hoje que as maiores gestoras do mundo têm alertado sobre como a transição para uma economia de baixo carbono pode afetar as carteiras de investimentos
- Para o Bridgewater, maior fundo de hedge do mundo, gerido por Ray Dalio, esse movimento exige que o preço do carbono entre no radar e seja monitorado
- Em entrevista exclusiva ao E-Investidor, co-chefe de investimentos sustentáveis da gestora global sugere uma alocação estratégica com ativos de proteção à inflação, como commodities
Nunca foi tão urgente para os mercados globais a necessidade de lidar com as mudanças climáticas. Não é de hoje que as maiores gestoras do mundo têm alertado sobre como a transição para uma economia de baixo carbono pode afetar as carteiras de investimentos.
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Na prática, as emissões de carbono agravam os impactos físicos no ambiente e as condições de risco se tornam mais desafiadoras para serem precificadas pelo mercado. Ou seja, se a transição climática acontecer de forma mais ou menos acelerada, por exemplo, os portfólios podem ser afetados ainda no curto prazo.
Para o Bridgewater, maior fundo de hedge do mundo com um patrimônio aproximado de US$ 150 bilhões, e gerido por Ray Dalio, esse movimento exige que o preço do carbono entre no radar e seja monitorado. A consequência de ficar para trás pode refletir em problemas para a estabilidade financeira.
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“Existe o risco de uma pressão inflacionária. A precificação do carbono tem o potencial de aumentar os preços da energia e, por sua vez, os preços de bens e serviços em toda a economia”, disse Carsten Stendevad, co-chefe de investimentos sustentáveis da Bridgewater Associates, durante uma rara entrevista que durou alguns minutos. Para mitigar esse risco, o estrategista sugere aos investidores globais uma alocação estratégica com ativos de proteção à inflação, como commodities.
A principal mensagem do gestor é sobre a importância de tentar entender como as questões sociais e ambientais afetam o desempenho financeiro dos portfólios. “Mesmo que você não se importe, o mundo ao seu redor se importa cada vez mais. E como o que os demais fazem afetará sua carteira, todos precisam estar atentos”, afirma Stendevad.
Veja os principais trechos da entrevista:
E-Investidor – Os investimentos sustentáveis somam mais de US$ 4 trilhões em ativos no mundo. Qual a sua avaliação sobre o investidor que ainda não percebeu a potência entre o capitalismo e a sustentabilidade?
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Carsten Stendevad – Quando tive contato pela primeira vez com investimentos sustentáveis, há cerca de 10 anos, nunca pensei que o setor pudesse atingir essa magnitude. Os investidores devem pelo menos tentar entender como as questões sociais e ambientais afetam o desempenho financeiro de suas carteiras. Os objetivos e ações dos diversos agentes econômicos – governos, empresas, consumidores e cada vez mais também investidores – são muito impulsionados por aspectos ambientais e sociais. Portanto, mesmo que você não se importe com essas questões, o mundo ao seu redor se importa cada vez mais. E como o que os demais fazem afetará sua carteira, todos precisam estar atentos.
Alocar capital nesses ativos garante resultados sustentáveis para as empresas?
Stendevad – A influência de fatores sociais e ambientais nos retornos financeiros não leva necessariamente a uma maior alocação de capital em direção a resultados sustentáveis. E é aí que vemos mais e mais investidores dizerem: “Não quero apenas grandes retornos ajustados ao risco, mas também quero direcionar de forma clara o capital para instituições ou resultados sustentáveis e distanciá-lo de instituições que não são sustentáveis”.
Acredito que os investidores podem contribuir de modo significativo para solucionar problemas sociais e ambientais quando escolhem priorizar o impacto de seu capital, além de seus objetivos financeiros. Mas isso é difícil e requer novos dados, ferramentas, capacidades analíticas e estratégias para a construção da carteira. Essa é a jornada na qual nós e muitos outros investidores estamos.
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Qual o impacto das mudanças climáticas nas principais economias do mundo?
Stendevad – Há impactos físicos e de transição. Como eles afetam as principais economias do mundo depende das escolhas que governos, empresas e indivíduos fizerem nos próximos anos e décadas. Se fizermos pouco para a transição à economia de zero carbono, a maior consequência provavelmente serão as mudanças físicas. As estimativas de especialistas quanto ao impacto econômico – desde consequências como aumento de temperatura, secas, intensificação de tempestades etc. – variam muito, mas [as mudanças climáticas] podem ser um obstáculo importante para o PIB ao longo deste século, mesmo para os Estados Unidos e a China.
E o efeito de curto prazo?
Stendevad – No futuro próximo, o maior impacto virá das medidas políticas adotadas para mitigar e/ou adaptar-se às mudanças climáticas, seja a precificação do carbono, restrições aos combustíveis fósseis, subsídios para energias alternativas ou vários tipos de despesas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Essas escolhas de medidas relacionadas à transição para a economia de zero carbono provavelmente afetarão economias e mercados mais rapidamente do que os aspectos físicos das mudanças climáticas.
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Os mercados já estão precificando esse risco ou essa preocupação ainda não se tornou uma prioridade dos investidores?
Stendevad – Determinar como um conceito tão amplo é precificado em todos os mercados é muito complexo e difere muito entre regiões e setores. Por isso, ajuda a dividir uma questão tão grande em outras mais manejáveis – por exemplo, a dúvida de como várias políticas climáticas governamentais podem ser vistas e quais as implicações de tais políticas climáticas nas economias e ativos. Por exemplo: o que aconteceria ao crescimento e à inflação se as políticas de redução de carbono fossem aplicadas?
Se as emissões continuarem no mesmo nível de hoje, qual será o efeito no mercado e na carteira dos investidores globais?
Stendevad – Se fizermos pouco para a transição à economia de zero carbono nas próximas décadas, a maior consequência provavelmente serão as mudanças físicas. As estimativas de especialistas a respeito do impacto econômico das mudanças físicas (como aumento da temperatura, secas, intensificação das tempestades, etc.) variam muito. Há muita incerteza científica aqui e ser preciso é impossível, mas isso poderia ser um obstáculo importante para o PIB ao longo deste século, mesmo para os EUA e a China. No entanto, fazer previsões econômicas para futuros muito distantes é um desafio e dependerá de como nos adaptamos às mudanças climáticas e se teremos avanços tecnológicos sustentáveis.
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Apesar de ser evidente a necessidade de fazer mudanças para um mundo mais sustentável, também existem riscos de transição ao longo desse processo. Você poderia apontar quais são eles e o que é possível fazer para reduzi-los?
Stendevad – Fizemos muitas pesquisas a respeito disso. Concordamos que há uma necessidade urgente de fazer a transição para uma economia de uso reduzido de carbono e que há riscos para as carteiras, dependendo de como essa transição aconteça. Existem muitos instrumentos diferentes disponíveis para ajudar na transição: de investimentos para ajudar a avançar a tecnologia verde, gastos governamentais em infraestrutura verde, regimes de precificação de carbono, medidas para restringir o fornecimento de carvão e outros combustíveis fósseis. Embora cada um desses recursos tenha o potencial de ajudar a reduzir as emissões globais, cada um também tem seu próprio conjunto distinto de implicações para economias, mercados e carteiras, tanto impactando variáveis macro como crescimento e inflação, quanto criando vencedores e perdedores específicos em uma variedade de mercados de commodities, setores de ações etc.
Mas qual é o maior risco que o investidor deve monitorar neste momento?
Stendevad – Um risco para o qual chamaríamos a atenção em particular é o de uma pressão inflacionária. A precificação do carbono, por exemplo, tem o potencial de aumentar os preços da energia e, por sua vez, os preços de bens e serviços em toda a economia. Apenas como um exemplo, achamos que, para muitos investidores globais, os ativos de proteção à inflação são uma medida para reduzir um possível risco que percebemos.
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São muitas as maneiras de ir do nosso mundo atual para um mais sustentável. Cada “estratégia” pode resultar em um ambiente macroeconômico diferente, afetando variáveis econômicas como crescimento e inflação. Você poderia explicar com quais cenários a Bridgewater trabalha atualmente?
Stendevad – Boa parte da pesquisa que fizemos é sobre os quatro pontos a seguir e, juntos, eles capturam bastante da dinâmica que vemos hoje: Avanço da tecnologia verde aumenta a produtividade e estimula investimentos consideráveis do setor privado; Gastos do governo em infraestrutura verde, isso reduz o custo da energia renovável, acelerando a transição. É provável que o aumento dos gastos diretos do governo exerça pressão para cima do crescimento e da inflação; Precificação do carbono, aumenta o custo da emissão de gases de efeito estufa. Isso é, por natureza, inflacionário – pois o mecanismo pelo qual opera está aumentando os custos das atividades atuais para desencorajá-la. Por fim, a restrição de oferta, que força as instituições a reduzirem o consumo de combustíveis fósseis. A escassez de energia provavelmente desacelerará o crescimento econômico (já que algumas atividades não são substituídas por alternativas mais sustentáveis).
Quais são as iniciativas da Bridgewater a favor do clima e economia de baixo carbono?
Stendevad – Estamos usando ativamente nossos pontos fortes em pesquisa macroeconômica e construção de carteiras com o objetivo de criar soluções de investimento para nossos clientes que atendam seus objetivos de sustentabilidade. Vemos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU como um modelo global de sustentabilidade e estamos criando carteiras de acordo com essas diretrizes. Construir tais carteiras sustentáveis é uma tarefa desafiadora, mas crucial, e estamos empregando todo o poder da capacidade de pesquisa da Bridgewater para o desafio.
Há planos de lançar novos fundos focados nessa agenda?
Stendevad – Estamos em uma jornada de longo prazo para criar belas carteiras sustentáveis. Nosso foco inicial era construir uma alocação estratégica sustentável de ativos e estamos pesquisando ativamente outras estratégias.