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Comportamento

Após Brexit, Grã-Bretanha encara o fantasma da estagflação

As empresas do país veem problemas à frente e estão tentando reduzir as despesas

Após Brexit, Grã-Bretanha encara o fantasma da estagflação
Empresas britânicas se deparam com sinal amarelo para o futuro. Foto: REUTERS/Neil Hall
  • Embora não existam sindicatos poderosos fazendo pressão pelo aumento de salários em todo o país ou filas cada vez maiores de desempregados como havia na década de 1970, há sinais suficientes de estagflação para causar preocupação
  • A renda disponível das famílias britânicas, assim que forem ajustadas pela inflação, deve cair 1,75% este ano
  • A expectativa é que a situação piore: a inflação atingirá um pico acima de 10% este ano e a economia se contrairá no próximo ano, prevê o Bank of England

(Eshe Nelson, The New York Times) – Na luta contra a alta dos preços, Sean Hughes está disposto a tentar qualquer coisa para manter as despesas reduzidas em seu gastropub, o Dylans at The Kings Arms. Isso inclui adicionar alguns pratos menos tradicionais entre os favoritos, como o filé de costela com osso e os ovos escoceses. O mais recente deles: língua de boi confitada.

Seus clientes, em St. Albans, uma cidade relativamente rica ao norte de Londres, superaram o receio inicial, ele insiste, e a língua, um corte de carne mais barato, tornou-se uma escolha popular. É assim que seus cardápios são definidos agora – pelo custo.

Segundo Hughes, os preços da carne aumentaram cerca de 30%. Um recipiente de 20 litros de óleo de canola foi de 14 libras para 38 libras (aproximadamente US$ 48). As cervejarias estão aumentando os preços da cerveja. Os gastos com salários aumentaram 20%, conforme ele se esforça para manter os funcionários em um mercado competitivo. Ao mesmo tempo, ele tenta manter os preços no cardápio estáveis.

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“É uma prova de equilíbrio muito, muito, muito difícil no momento”, disse Hughes. “Sem dúvidas, não se trata do tipo de recuperação que todos esperávamos.”

Em vez disso, a Grã-Bretanha está encarando o fantasma da estagflação, uma mistura desastrosa de crescimento econômico estagnado e inflação rápida. Um legislador conservador usou o termo pela primeira vez no Parlamento inglês em 1965, e foi um aviso assustador do que estava por vir nas próximas duas décadas: o desemprego aumentou e a inflação subiu para dois dígitos em meio a greves de trabalhadores e instabilidade política.

Desde então, a economia sombria da década de 1970 e as perspectivas do retorno da estagflação assombraram os líderes políticos da Grã-Bretanha.

Embora não existam sindicatos poderosos fazendo pressão pelo aumento de salários em todo o país ou filas cada vez maiores de desempregados como havia na década de 1970, há sinais suficientes de estagflação para causar preocupação.

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A Grã-Bretanha está tendo o ritmo mais rápido de crescimento dos preços ao consumidor em quatro décadas, com uma taxa de inflação de 9%. O crescimento econômico estagnou em fevereiro e depois diminuiu ligeiramente em março. A expectativa é que a situação piore: a inflação atingirá um pico acima de 10% este ano e a economia se contrairá no próximo ano, prevê o Bank of England.

As empresas veem problemas à frente e estão tentando reduzir as despesas. Hughes mantém seu pub fechado um dia a mais por semana para economizar nos gastos com a energia e com os salários. E isso antes da pior parte dos aumentos dos preços atingi-lo. Um contrato com preços fixos o protegeu da alta dos preços do gás e da eletricidade, mas ele espera que suas despesas anuais com energia subam em novembro de 19 mil para 48 mil libras. Em seu outro pub, The Boot, a poucos passos de distância dali em St. Albans, as despesas com a energia triplicarão.

“O aumento do preço da energia influencia absolutamente todos os aspectos do negócio, então não há como escapar dele”, disse Hughes. Ao mesmo tempo, ele está preocupado com o aumento das contas residenciais que seus clientes precisam pagar. “As pessoas vão ter que economizar esse dinheiro”, disse.

Por todo o setor de hospitalidade, a demanda não caiu tão depressa quanto talvez fosse esperado, disse Kate Nicholls, CEO do UKHospitality, grupo de lobby que vem pressionando pelo retorno das taxas de imposto de valor agregado (VAT) mais baixas, um tipo de imposto sobre as vendas no país. O pior, ela prevê, virá depois do verão. Mas o que atormenta as empresas é a incerteza.

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“Muitas pessoas não viveram ou trabalharam em um ambiente de alta inflação e nós simplesmente não sabemos, portanto, qual será o impacto”, disse Kate. Não está claro se os consumidores “reagirão de forma intensa” com medo ou manterão alguns gastos, disse ela.

O aumento dos preços está causando sofrimento em todo o mundo, e os alertas de recessão estão piscando na Europa e nos Estados Unidos, mas há uma preocupação de que a Grã-Bretanha enfrente problemas mais persistentes, pois o país padece dos piores problemas na Europa e nos EUA.

“Estamos extremamente expostos à crise europeia dos preços da energia, e, assim como os EUA, temos um mercado de trabalho aquecido”, disse Rishi Sunak, chanceler do Tesouro, a legisladores no fim do mês passado.

Um teto para as contas de energia residencial é redefinido a cada seis meses pelo governo britânico e, em outubro, espera-se que ele aumente 800 libras, chegando a 2.800 libras por ano, já que as famílias pagam com atraso pelo recente aumento das despesas com petróleo e gás. O salto é quase tão grande quanto o aumento ocorrido em abril. (O limite não se aplica às contas de energia das empresas.)

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Embora os estatísticos digam que a maior parte da aceleração da inflação possa ser atribuída à energia, os aumentos de preços acima da média estão se espalhando para mais bens e serviços. Muitos aumentos de gastos das empresas ainda não foram repassados aos consumidores porque há um atraso, disse Tera Allas, diretora de pesquisa e economia do escritório da McKinsey na Grã-Bretanha e na Irlanda e ex-economista do setor público britânico.

“Ainda há muita conjuntura por vir antes de todos esses preços de empresas para empresas se transformarem em preços ao consumidor”, disse ela.

O aquecido mercado de trabalho britânico também está despertando pressões inflacionárias. Pela primeira vez, há mais vagas de trabalho do que pessoas procurando emprego. Isso está fazendo os salários subirem – não o suficiente para acompanhar a inflação, mas o bastante para preocupar os banqueiros centrais. No Bank of England, funcionários têm se surpreendido com a escala e a persistência da redução da mão de obra desde o início da pandemia, já que enfermidades de longa duração mantêm centenas de milhares longe do trabalho.

Por trás de tudo isso está o Brexit. Um grande grupo de trabalhadores europeu não está mais facilmente disponível, ou tão interessado em trabalhar na Grã-Bretanha. Durante a pandemia, encorajados pelos lockdowns, mais cidadãos da União Europeia deixaram a Grã-Bretanha do que chegaram. As empresas que importam mercadorias do bloco europeu reclamaram que a burocracia extra está aumentando seus gastos, e economistas da London School of Economics dizem que o divórcio com a UE elevou os preços dos alimentos em 6%.

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Adam Posen e Lucas Rengifo-Keller, do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, destacam o Brexit como a razão pela qual a Grã-Bretanha tem uma taxa de inflação central mais alta, que remove o efeito inicial dos preços voláteis de alimentos e energia, do que outras grandes economias europeias, inclusive Alemanha, França e Itália.

Ao acabar com a livre circulação de pessoas e aumentar as tarifas e outras barreiras para o comércio europeu, argumentam eles, o governo britânico “criou inflação”.

As empresas estão fazendo cálculos complicados sobre o quanto podem aumentar seus preços para compensar suas próprias despesas crescentes sem afastar os clientes. Em abril, os impostos e as contas de energia aumentaram para dezenas de milhões de famílias, e um indicador de confiança do consumidor caiu para uma mínima vista pela última vez durante a crise financeira global de 2008.

A Raindrops on Roses, loja de presentes em St. Albans, não conseguiu evitar o aumento de alguns dos produtos. O preço de uma marca de velas da Cornualha subiu 22%. Os funcionários da loja, que doa seus lucros para uma instituição de caridade de combate ao câncer, estão pela primeira vez preocupados em acabar com produtos que não serão vendidos.

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“Estamos mais cautelosos com a quantidade de estoque que encomendamos”, disse Karolina Birsen, uma das gerentes. “[Está sendo] Menos espontâneo e mais calculado.”

A renda disponível das famílias britânicas, assim que forem ajustadas pela inflação, deve cair 1,75% este ano, de acordo com o Bank of England. Essa seria a segunda maior redução desde o início dos registros em 1964, disse o banco. Já há sinais de que as despesas dos consumidores estão perdendo força. As vendas no varejo vêm caindo desde o verão passado. Ao longo de maio, os gastos com cartões de crédito e débito diminuíram.

Donna Nichol abriu a Chloe James, loja de roupas em St. Albans, em 2010, quando a Grã-Bretanha mal havia saído de uma recessão, e tem bastante experiência em administrar seu negócio em tempos econômicos adversos. Depois da pandemia, ela disse ter tido a sensação de que poderia lidar com qualquer coisa.

Mas no fim de maio seu sentimento de invencibilidade passou por um sério teste – uma carta da companhia elétrica. O preço que ela precisaria pagar praticamente mais do que dobrou.

“Acho que não há nada que eu possa fazer para cortar custos”, disse Donna. Durante a pandemia, ela trocou a hospedagem de seu site e o coletor de lixo e reavaliou a operadora de telefonia. “Já passei um pente fino em todas as despesas.”

Em St. Albans, cerca de 200 empresas usam um grupo do WhatsApp para apoiar umas às outras e compartilhar dicas de como economizar dinheiro, como troca de móveis e equipamentos de bufê. Segundo Mandy McNeil, diretora administrativa do Business Improvement District local, que oferece marketing e lobby, algumas empresas dos setores de varejo e hospitalidade disseram ter percebido uma queda de 20% nos lucros recentemente.

“Chegamos a uma situação limite para alguns” por causa do aumento da energia e de outras despesas, disse Mandy.

O Tesouro interveio no mês passado com 15 bilhões de libras em apoio às famílias depois da pressão crescente de políticos e economistas da oposição.

Cada família receberá o desconto de 400 libras em suas contas em outubro, e milhões de pessoas que vivem com baixa renda, aposentados recebendo ajuda do governo, ou pessoas com pagamentos por invalidez receberão várias centenas de libras a mais este ano.

Mesmo levando em consideração essa ajuda do governo, Andrew Goodwin, economista-chefe britânico da Oxford Economics, espera que os gastos do consumidor caiam no segundo semestre deste ano. Mas o país deve evitar uma recessão, disse ele, e no ano que vem sua perspectiva melhora timidamente.

“Esta não é uma era de inflação alta”, disse ele. “A inflação alta é temporária”, acrescentou, porque ela provavelmente diminuirá a demanda e desacelerará a economia.

Até lá, as empresas estão tentando atravessar esse período inflacionário sem saber se os pagamentos do governo, as economias das famílias ou um amplo desejo de aproveitar a vida após os lockdowns serão suficientes para sustentá-las em meio ao aumento dos preços que não eram vistos há uma geração.

Para as empresas com grande necessidade de consumo de energia, como as do setor de hospitalidade, que administram cozinhas movimentadas, “vemos grandes problemas a caminho no próximo ano, a menos que façamos uma reforma gigantesca”, disse Hughes, que apoia um corte no VAT./TRADUZIDO POR ROMINA CÁCIA

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