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Por que os fundos de BDRs têm fuga de cotistas em 2022

Parte dos investidores pode ter migrado para as aplicações de renda fixa, beneficiadas pela Selic elevada

Por que os fundos de BDRs têm fuga de cotistas em 2022
O momento ruim das bolsas americanas e alta da Selic são motores para as saídas dos FIAs. Foto: Envato Elements
  • Com base no levantamento feito por Einar Rivero, da TC/Economatica, para o E-Investidor, seis fundos de ações tiveram uma perda igual ou maior a 25% do total de cotistas nos primeiros cinco meses do ano
  • No ranking das maiores fugas, os FIAs ligados a BDRs (Brazilian Depositary Receipts) ganham destaque
  • A saída de cotistas é considerada um movimento cíclico, natural e esperado. Ainda mais quando no cenário doméstico o investidor brasileiro se depara com a possibilidade de a Selic, taxa básica de juros, ultrapassar os 13%, o que eleva os rendimentos da renda fixa

Dos 82 fundos de ações registrados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) destinados a pessoas físicas e com pelo menos 10 mil cotistas (até 31 de maio), 75 registraram fuga de investidores no período entre janeiro e maio de 2022.

Levantamento feito por Einar Rivero, da TC/Economatica, para o E-Investidor, mostra que seis fundos de ações tiveram uma perda igual ou maior a 25% do total de cotistas nos primeiros cinco meses do ano. Nesse ranking, os FIAs ligados a BDRs (Brazilian Depositary Receipts) se destacam.

O Safra Consumo Americano Fc FIA BDR Nivel, da gestora Safra Asset, teve a maior fuga proporcional. No final de 2021, a aplicação tinha 28,8 mil cotistas. Já no final do mês passado, esse número caiu para 16,9 mil – uma perda de 11,9 mil investidores. Isto é, cerca de 41% dos cotistas deixaram o fundo de ações nos últimos cinco meses.

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Outro fundo ligado a BDRs é o BB Ações Esg Globais Fc FIA Bdr Nivel I, da BBDTVM. A aplicação perdeu 7,2 mil cotistas (-28,62% do total) entre janeiro e maio de 2022, e agora está com 18,1 mil investidores.

Na sexta colocação, está um dos maiores fundos para investidores pessoas físicas terem acesso a BDRs, o Western Asset FIA Bdr Nivel I, da Western Asset. O produto perdeu 37,9 mil cotistas em cinco meses, passando de 151,3 mil investidores no final de 2021 para os atuais 113,3 mil.

Ter três fundos ligados a BDRs no ranking não é uma coincidência. Os Brazilian Depositary Receipts são certificados que representam ações estrangeiras, mas que são negociados na B3 em forma de papéis comuns.

Por exemplo, um BDR famoso é o da Tesla (TSLA34), que é negociado na bolsa brasileira por um preço em torno de R$ 110.

Este título segue o desempenho das ações da montadora de carros elétricos, negociadas na Nasdaq (TSLA) por cerca de US$ 700. A grande diferença do BDR é que o certificado não tem proteção contra a variação cambial. Isso significa que o rendimento de um BDR diminui se o dólar cair, mesmo que a ação negociada no exterior permaneça estável.

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É importante lembrar que, além de o dólar ter caído 16% frente ao real nos últimos cinco meses, as bolsas norte-americanas S&P 500 e Nasdaq registraram os piores desempenhos desde os anos 1970. As baixas foram de 13,30% e 22,78% entre janeiro e maio, respectivamente.

Estes fatores ajudam a entender parte dos desempenhos negativos das aplicações ligadas a BDRs e, consequentemente, da saída de investidores. O Safra Consumo Americano Fc FIA BDR Nivel teve retorno de -31,03% no período, assim como os fundos de BDR da BBDTVM e Western Asset, que apresentaram rendimentos de -27,38% e -37,75%.

Marc Forster, head da Western Asset, reconhece que o momento é complicado. “Estamos expostos a dois fatores de risco: câmbio e bolsa americana. Esses dois fatores impactam a performance do fundo”, afirma. “E além de as bolsas americanas terem caído, o real se apreciou muito, diferente do ano passado, quando ele vinha se desvalorizando.”

Fora a questão da queda de rendimentos, a fuga também é explicada pelo próprio perfil de investidores nestas aplicações. “É um fundo de pessoas físicas”, diz Foster. “Na média, o investidor pessoa física brasileiro não é alguém que tem uma educação financeira profunda e que aguenta esses períodos de perda sem apertar o botão do pânico. É um movimento que conseguimos explicar, não veio do nada.”

Os outros três fundos de investimento que estão entre os seis que mais perderam cotistas também são ligados a investimentos no exterior, apesar de não serem especializados em BDRs.

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O Trend Bolsa Americana FIA e o Ms Global Opportunities Adv Fc FIA Ie, ambos da XP Allocation Asset, estão na terceira e quarta posição na lista. Esses produtos perderam 10,3 mil (-27,22% do total) e 3,7 mil investidores (-26,62% do total), respectivamente.

Já o BB Ações Bolsa Americana FIA, também da BBDTVM, está na quinta colocação. A saída foi de 12,8 mil cotistas (-26,21% do total). A aplicação teve retorno de -11,21% no período.

Isaac Marcovistz, gerente executivo de Produtos, Comunicação e Marketing da BBDTVM, também ressalta a situação das bolsas americanas e a reversão do cenário global para ativos de risco.

“Os índices de bolsa americana vinham em máximas já há alguns anos e agora vivemos uma reversão de conjuntura”, afirma Marcovistz. “Taxas de juros globais se elevando, a incerteza de cenário em relação a conflitos (entre Rússia e Ucrânia) e fechamentos de atividades na Ásia, em especial na China, acabam trazendo mais aversão a risco para os mercados e justifica muito desse impacto negativo que o S&P 500 teve esse ano.”

A saída de cotistas é considerada por Marcovistz um movimento cíclico, natural e esperado. Ainda mais quando no cenário doméstico o investidor brasileiro se depara com a possibilidade de a Selic, taxa básica de juros, ultrapassar os 13%, o que eleva os rendimentos da renda fixa.

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Parte dos investidores que ‘fugiram’ dos fundos de ações pode estar migrando para as aplicações conservadoras.

Segundo dados da Anbima, neste ano a classe de ações registra retirada líquida de R$ 47,4 bilhões; a classe de renda fixa tem entrada líquida de R$ 97,9 bilhões. “É um fluxo decorrente de realocação. Nosso fundo de bolsa americana era muito grande, com R$ 2,5 bilhões de patrimônio líquido no início do ano e quase 50 mil cotistas. Mas se olharmos o comportamento no decorrer do ano, temos visto uma migração forte para nossos fundos de renda fixa e multimercados de menor volatilidade, que têm tido uma captação gigante”, diz Marcovistz.

Dois dos fundos do BB bem procurados por investidores são o BB Renda Fixa High e BB Multimercado Juros e Moeda. Os clientes também estariam interessados em carteiras vinculadas a NTN-Bs (títulos do Tesouro Direto atrelados à inflação, que pagam a variação do IPCA mais uma taxa de juro real).

Esta migração de capital também é observada por Forster, da Western Asset. Quando o juro básico da economia foi para 2%, em agosto de 2020, as pessoas físicas começara a sair de renda fixa e ir para a bolsa. Foi a partir desse momento também que a diversificação internacional ganhou força nos portfólios e os fundos de investimento internacional bateram recorde de cotistas.

Contudo, com a nova subida da Selic para os atuais 12,75% e a queda histórica das bolsas internacionais, ocorre o inverso. “O que vimos é que enquanto o fundo de BDRs perdia recursos e cotistas, nossos produtos de renda fixa, principalmente os que têm exposição à crédito privado, registravam grandes entradas de capital”, afirma Forster.

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Segundo Forster, se nos últimos seis meses o fundo de BDRs da Western perdeu R$ 973 milhões em resgates, a empresa captou R$ 1,8 bilhão em produtos ligados a crédito. “Não dá para dizer que a mesma pessoa que saiu de BDRs entrou em crédito, mas existe um movimento de saída de bolsa internacional e outros ativos de risco para ativos domésticos de renda fixa”, explica o head da Western Asset.

Apesar de o movimento de migração não causar surpresa, sair dos fundos só porque os rendimentos da renda fixa estão maiores não é o mais indicado. Correr atrás de rentabilidade, em vez de seguir uma estratégia consistente de alocação, pode justamente ser a receita para perder dinheiro.

Isto porque o investidor vende no pior momento, realizando prejuízos, para comprar outra classe de ativos que provavelmente estará com preços mais esticados.

Na contramão

Entre os fundos de ações com pelo menos 10 mil cotistas, um se manteve estável e seis conseguiram atrair mais investidores do que perderam. O campeão deles é o fundo mono ação da BBDTV, chamado BB Ações Petrobras I FI. A aplicação atraiu 8,9 mil cotistas (+55%) e chegou ao fim de maio com 25,1 mil investidores, retorno de 28,46% e patrimônio líquido de R$ 479,3 milhões.

Em poucas palavras, um fundo mono ação investe nos papéis de apenas uma empresa. No caso do BB Ações Petrobras I FI, nas ações da Petrobras.

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No ranking das maiores captações de cotistas, aparecem outros dois fundos mono ação: o BB Ações BB FI, que investe no próprio Banco do Brasil, também da BBDTV, e o Sicredi Petrobras FIA, do Sicredi.

Geralmente, esse tipo de fundo causa polêmica, já que não há diversificação e alguns deles ainda incluem taxas de administração. É a situação do BB Ações Petrobras I FI, por exemplo, cuja taxa de administração é de 2% ao ano.

Para Mario Goulart, analista da 02 Research, há pouca ou nenhuma vantagem para o investidor. “Fundos mono ação às vezes têm pisos de investimentos muito baixos. Se a pessoa quiser comprar um valor baixo em ações, acaba comprando o fundo, mas realmente não existe vantagem. Ainda mais fundos mono ação de empresas muito líquidas, como é o caso de Petrobras e Banco do Brasil”, afirma Goulart.

Marcovistz, da BBDTV, afirma que esse tipo de fundo não faz parte das indicações feitas a investidores. “Eles não participam da sugestão de alocação do banco, não compõem carteira de investimentos, não é um direcionamento que damos em assessoria. Aí é um movimento individual dos investidores”, diz.

Ricardo Sommer, diretor da Sicredi Asset, por sua vez, explica que os fundos mono ação são um complemento do portfólio. O indicado, segundo o especialista, é que o investidor direcione apenas uma parcela do capital, já que é um produto sem diversificação e, por consequência, de alto risco.

A vantagem para o investidor seria eliminar alguns trâmites tributários que o investimento direto na ação exigiria. "O Fundo visa atender a demanda de determinados investidores, sem que para isto seja necessária a abertura de conta em uma corretora, que o investidor tenha que conhecer o processo de emissão de DARF para imposto de renda e que tenha que reinvestir os dividendos", afirma Sommer.

Por outro lado, existem dois fundos de BDRs que conseguiram atrair cotistas mesmo apresentando grandes quedas em 2022. O fundo Monetus FIA Brd I teve uma alta de 205 cotistas no ano, chegando aos 12,6 mil, ainda que a rentabilidade no período tenha ficado em -22,14%.

Da mesma forma, o fundo Vitreo Metaverso Acoes FIA Bdr Nivel I atraiu 1,2 mil cotistas, chegando aos 10,8 mil investidores. O retorno no ano foi o pior de todos os 82 fundos de ações com pelo menos 10 mil cotistas registrados na CVM: houve queda de 51,33% entre janeiro e maio de 2022.

A aplicação investe em ativos relacionados ao desenvolvimento do metaverso e criptoativos, que estão enfrentando uma grande baixa no ano. “Em toda venda que fazemos de fundos temáticos, que têm um maior risco, sempre falamos para os investidores dedicarem apenas parte da alocação. Apesar das grandes perspectivas de resultado no longo prazo, no curto prazo não temos como garantir o que irá acontecer”, afirma George Wachsmann, CIO e sócio fundador da Vitreo.

Wachsmann afirma que esse tipo de rentabilidade negativa (-51,33%) frustra os clientes e a equipe de gestão, mas que diante das expectativas futuras para o metaverso os investidores acabam sendo mais resilientes às perdas. “E por outro lado, quem não entrou no Vitreo Metaverso no começo, acaba vendo a queda como uma oportunidade”, afirma. “Quem entrar agora entrará com uma condição de preço muito melhor.”

Fora da seara de fundos mono ação, de BDRs e temáticos, o fundo de ações Trigono Delphos Income FIC FIA é o terceiro que mais atraiu cotistas e apresenta uma rentabilidade positiva de 13,11%, contra um Ibovespa que subiu 6% no período. A aplicação atraiu mais 4,6 mil cotistas em cinco meses e agora conta com 57,3 mil investidores.

Werner Roger, sócio-fundador e gestor de fundos da Trígono, afirma que o fundo é focado em small caps (empresas de baixa capitalização) que sejam boas pagadoras de dividendos. Unir essas duas coisas não é trivial, já que small caps são companhias que precisam crescer e, por isso, não costumam pagar proventos.

“Esse é o grande diferencial do fundo e explica o retorno tão superior ao mercado. Além dos dividendos, são empresas menos acompanhadas, que acabam surpreendendo o mercado quando publicam bons resultados”, afirma Roger. “É uma gestão 100% ativa, por isso o resultado acima do índice. O Delphos é um destaque absoluto no mercado, a alta reflete o desempenho das ações que compõem o fundo.”

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