- Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan escreveram ao presidente eleito Lula, mostrando desacordo com a fala do petista sobre mercado financeiro durante a COP27
- Em comum, os três economistas acrescentaram em seus currículos apoio à eleição de Lula, que resultou na derrota de Jair Bolsonaro
- Motivação da carta foi o discurso de Lula durante a Cúpula do Clima, no qual criticou a reação negativa do mercado à PEC que libera gastos fora do teto
“Alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados”. Esta frase é um dos trechos de uma longa carta em que três dos mais proeminentes economistas do Brasil e participantes no passado da criação do Plano Real, a saber, Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, escreveram ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mostrando desacordo com a fala do petista nesta quinta-feira (17), no Egito, durante participação na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP27).
Em comum, os três economistas acrescentaram em seus currículos apoio à eleição de Lula, na frente ampla pela democracia que resultou na derrota do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL). A motivação da carta foi o discurso do presidente eleito durante a cúpula do clima, no qual Lula atribuiu a reação negativa do mercado à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que libera o governo para promover gastos fora do teto a “uma ação de especuladores mal-intencionados”.
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Lula também disse que “o teto constitucional dos gastos retira recursos da educação, da saúde e da cultura para pagar juros a banqueiros gananciosos”. “A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes”, escreveram os três economistas.
Leia abaixo a íntegra da carta.
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“Caro presidente eleito Lula,
Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil. O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.
A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes. O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.
Vejamos por quê.
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Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.
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O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imaginamos que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta.
Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.
É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.
É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.
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E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido. São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!
O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.
O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.
Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.
O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.
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Respeitosamente,
Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan”