- Ao pedir Recuperação Judicial nesta quinta-feira (19), a varejista informou que deve mais de R$ 40 bilhões. Do caixa robusto, sobraram apenas R$ 800 milhões
- A reviravolta na Americanas faz lembrar as palavras de Luiz Barsi, maior investidor pessoa física da Bolsa de Valores. “As empresas de varejo, pelo menos umas 40 quebraram. E as próximas quebrarão”, afirmou o megainvestidor no ano passado
- Explanação de Barsi encontra eco em alguns especialistas de mercado
Em menos de nove dias, a Americanas (AMER3) ficou irreconhecível na Bolsa. Na quarta-feira (11), a varejista estava entre as principais companhias do varejo na B3, ao lado de Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3).
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Na data, era uma empresa com posição de caixa “robusta” de R$ 14 bilhões – como afirmava o balanço com os resultados do 3° trimestre de 2022 – e um endividamento de curto prazo de R$ 2,1 bilhões. No longo prazo, as dívidas eram de R$ 17,1 bilhões, totalizando R$ 19,3 bilhões de endividamento bruto.
Bastou um fato relevante de apenas uma página para o cenário mudar. Depois da divulgação das “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões na semana passada, as ações da Americanas caíram 91,6% na bolsa.
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O papel saiu de R$ 12 para R$ 1, chegando quase ao patamar de “penny stock”, que são ações negociadas por centavos.
Ao pedir Recuperação Judicial nesta quinta-feira (19), a empresa informou que deve mais de R$ 40 bilhões. Do caixa robusto, sobraram apenas R$ 800 milhões. Com isso, a Americanas saiu de todos os índices da Bolsa. Aqui, explicamos como funciona o processo de RJ.
Profecia?
A reviravolta na Americanas faz lembrar as palavras de Luiz Barsi, maior investidor pessoa física da Bolsa de Valores. “As empresas de varejo, pelo menos umas 40 quebraram. E as próximas quebrarão”, afirmou o megainvestidor ao podcast Irmãos Dias em junho do ano passado.
Em sua fala, Barsi não estava se referindo a “qualquer” varejo, e sim ao segmento ligado a eletroeletrônicos e linha branca (eletrodomésticos como geladeiras, fogões, lavadoras e etc). Este é o caso não só da Americanas, como das concorrentes Magazine Luiza e Via.
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Para o bilionário, o setor tem uma operacionalização ruim, com concorrência forte e margens muito apertadas. Além disso, é naturalmente muito impactado pela inflação, que é um problema quase crônico no Brasil. Um ramo de negócio considerado difícil, que já viveu muitas falências.
“Todos esses que acreditam no setor de varejo são pouco informados em termos de histórico”, afirmou ao podcast. “Quebrou o G. Aronson, Casa Centro, o Mappin, Sloper, a Ultralar. A Máquina de Vendas está pendurada, a Via Varejo estava pendurada.”
Agora, a crise da Americanas dá um tom factual para a explanação de Barsi, que encontra eco em alguns especialistas de mercado. É o caso de Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research. A especialista também não gosta da tese, mas é menos dura em relação ao tema.
“Não dá para assumir que todas vão quebrar, mas existem muitas dificuldades no setor. Uma competição cada vez maior, por isso é um segmento naturalmente de margens baixas. Concordo com o Barsi, mas condenar todas as falências só o longo prazo dará certeza”, afirma Lopes. Hoje, a analista da Nord não tem recomendação de compra dentro do segmento.
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André Luzbel, head de renda variável da SVN Investimentos, compartilha dessa visão. “De certa forma, Barsi acertou”, diz. Para ele, as margens de lucro muito apertadas, que são características do varejo ligado a eletroeletrônicos e eletrodomésticos, diminuem o espaço para erros.
“A empresa que erra pode ir à falência. Sem falar que a contabilidade é complexa, ter uma varejista na carteira requer muito cuidado. A pessoa tem que entender muito bem do balanço, acompanhar na ‘unha’ o ativo”, afirma Luzbel.
De fato, o setor é bastante sensível à conjuntura macroeconômica. Com os juros em 13,75% ao ano e inflação chegando a 5,79% em 2022, o varejo de “linha branca’ vem sofrendo com a desaceleração do consumo – afinal, estas companhias não comercializam itens essenciais.
Ou seja: quando as famílias estão menos propensas a gastar, a compra destes produtos são as primeiras a serem deixadas de lado. As margens líquidas da Magazine Luiza e Via no 3° trimestre do ano passado foram de -1,9% em ambas. Já a Americanas apresentava uma margem líquida de -3,9%.
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Outra explicação para as margens mais baixas é a falta de distinção entre as mercadorias. “Nesse setor (varejo de eletrônicos e eletrodomésticos) não tem diferenciação de produto. Você compra a mesma geladeira da Brastemp e a mesma televisão da Samsung. Então é uma briga por preço”, ressalta Flávio Conde, analista da Levante Ideias de Investimentos.
O analista da Levante afirma que a concorrência dentro do segmento, que já era substancial, ficou ainda mais apimentada com a chegada de players estrangeiros. Empresas como Mercado Livre e Shopee chegaram bem capitalizadas e com um sistema de entrega muito eficiente e rápido.
“Se a televisão é igual em todos esses e-commerces, eu vou comprar naquele que entrega mais rápido”, diz Conde. “E a entrega de mercadoria no Brasil tem custo elevado, e muitas vezes esse custo elevado faz os produtos serem vendidos com prejuízo. Então, o e-commerce mais competitivo impactou o segmento. Americanas, Via e Magazine Luiza sentiram. E quando chegou no ano passado que as vendas pararam de aumentar, a Americanas não aguentou.”
Mario Goulart, analista de investimentos e criador do canal ‘O Analisto’, e Malek Zein, analista de ações da casa de análises do TC, engrossam a leva de analistas que vê o diagnóstico de Barsi como certeiro. Pelo menos no segmento linha branca.
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“Nem todo varejo é do mesmo jeito. Não podemos generalizar”, afirma Goulart. “Esse tipo de varejo de eletrodomésticos exige muita alavancagem em um país de juros altos.” Para Zein, o varejo de consumo amplo, sem vantagens competitivas, é um modelo fadado ao fracasso. “Não digo nem de quebrar, mas não vai dar o retorno mínimo aceitável para o acionista.”
Divergências
Ricardo Aragon, sócio da Matriz Capital, discorda “humildemente” da visão de Barsi. O especialista ressalta que as varejistas apenas não se comunicam com a estratégia do megainvestidor, uma vez que não proporcionam altos dividendos. Proventos estes que são a marca do estilo de investimentos do bilionário.
Por outro lado, quem busca empresas de crescimento pode se beneficiar dos cases. O Magazine Luiza, por exemplo, acumula mais de 600% de alta desde o início de suas negociações em bolsa, mesmo com as grandes quedas recentes. Em 2022, a MGLU3 acumulou uma desvalorização de 59,5%, enquanto VIIA3, cedeu 52%.
“Existe um ingrediente, que é muito importante e que ele não aborda: o e-commerce. Essa ferramenta acaba sendo muito poderosa para ganhar escala. E quando o cenário é favorável para essas companhias, as ações tendem a se valorizar muito. Ganham mais de 600% de alta em pouco tempo. Jamais podemos tirar as varejistas do radar”, afirma Aragon.
A crise na Americanas também pode impulsionar o Magalu e Via, que devem captar parte do fluxo de vendas que era direcionado à companhia. Principalmente a empresa de Luiza Trajano, que desde o rombo bilionário foi descoberto na Americanas viu suas ações subirem quase 25%. Já a VIIA3 chegou a saltar 10% na segunda (16), mas devolveu já todos os ganhos. Agora, os papéis caem 10,8% no acumulado dos últimos seis pregões .
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“Elas conseguem morder uma fatia, apesar de concorrerem com as empresas estrangeiras”, diz Aragon. “E os fundos institucionais que investem em varejo acabam trocando Americanas por essas duas, o que valoriza a precificação das empresas.”
Apesar dessa externalidade positiva, a recuperação do segmento deve vir mais para o 2° semestre. Isto porque os investidores deverão ver as ações subindo quando o Banco Central começar a cortar juros. De acordo com Aragaon, as varejistas que serão oportunidade neste “futuro” serão aquelas que souberam fazer a gestão de caixa e administrar a dívida.
Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, também não vê um destino tão apocalíptico para as varejistas, mesmo aquelas de linha branca e eletrônicos. Entretanto, o cenário é, sim, complexo para o setor no curto prazo.
Para quem busca oportunidades, Cohen recomenda não “perder tempo”. “Não acho que o setor é ‘top pick’ (principal recomendação), existem setores muito mais convidativos, e não usaria meu tempo, nem meu dinheiro, pensando nelas”, afirma Cohen.
Por fim, Marcus Labarthe, sócio-fundador da GT Captial , afirma que a situação da Americanas, além de resultar em um maior fluxo para as rivais, também deve tornar a fiscalização das varejistas mais criteriosa. Assim, os investidores estarão mais prevenidos de novos sustos. “As empresas (Magazine Luiza e Via) foram questionadas e vieram ao mercado informar que os balanços estavam corretos”, afirma Labarthe. “Agora, temos que entender a fundo como ocorreu a fraude na Americanas.”
Procurado pelo E-Investidor, Barsi não quis comentar.