- Governo quer reduzir a tributação sobre consumo, serviço e produção e aumentar a tributação sobre a renda. Para isso, vai fundir PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS em um só tributo, o IBS, e elevar a alíquota máxima do IR
- Estão sendo estudados novos impostos sobre pagamentos por meio eletrônico, dividendos de empresas e operações financeiras feitas em Bolsa e com o CDI. Taxar os fundos fechados de forma semestral é outra possibilidade
- Necessidade de buscar novas formas de receita aumentou, pois governo terá mais gastos no controle da pandemia. Ao mesmo tempo, o momento político é delicado para elevar impostos, pois as finanças da população estão bastante combalidas
Não é de hoje que o Brasil espera por uma reforma tributária. A questão fiscal é um dos gargalos mais sensíveis para o desenvolvimento da economia. Mas a questão adquiriu contornos ainda mais sérios quando o coronavírus entrou em cena. Se o governo já gastava mais do que arrecadava, as medidas para o combate da pandemia vão elevar essas despesas ainda mais. E, para essa conta fechar, a saída no horizonte é encontrar novas formas de arrecadação.
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É por isso que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem tentando propor um novo tributo nos moldes da CPMF. A ideia mais recente nesse sentido, divulgada nesta semana, é a criação de um imposto de 0,2% sobre todos os pagamentos por meio eletrônico. Não será uma briga fácil.
“A aprovação vai demorar um pouco, por uma questão de alinhamento entre Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Eles não querem tributar ainda mais a população. Como aumentar ainda mais os impostos em uma pandemia, quando as pessoas estão com a corda no pescoço? É delicado”, comenta Daniela Casabono, sócia-diretora da FB Wealth.
O espírito da reforma tributária em andamento
Quando Guedes assumiu a pasta, abraçou um dos dois grandes projetos de lei de reforma tributária que já haviam sido propostos. Explicando de maneira simplificada, a tônica principal dessa reforma é reduzir a tributação sobre consumo, serviço e produção e aumentar a tributação sobre a renda.
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Assim, tudo o que se compra e consome tende a ficar mais barato, enquanto os salários passam a ser mais tributados. Como mercadorias e serviços são consumidos por todas as classes sociais, em tese os mais pobres são favorecidos por essa desoneração. Já o aumento dos impostos, sendo proporcional à renda, pesa mais sobre aqueles de maior poder aquisitivo.
“Para obter esses resultados, o governo precisa, de um lado, reduzir PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS, unificando-os em um só tributo, o IBS (Imposto de Bens e Serviços). E, de outro, elevar a alíquota do imposto de renda de 27,5% para 35%, com diferentes faixas”, explica o advogado tributarista Alamy Candido, sócio do escritório Candido Martins Advogados.
Outros problemas são a dívida pública elevada e a folha de pagamentos, que tem um nível de tributação muito pesado. “Mas o governo não pode simplesmente desonerar a folha sem ter outra fonte de receitas para cobrir os gastos”, diz o advogado. “Daí vêm essas propostas de tributos sobre pagamentos por meio eletrônico e também sobre dividendos.”
Assim, a “cesta da reforma de Guedes” é composta pela unificação tributária em torno do novo IBS, pelo aumento da alíquota de IR e pela criação de impostos sobre dividendos e sobre pagamentos por meio eletrônico. Mas há outras ideias mais antigas correndo por fora, e que podem voltar à pauta.
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No dia 21 de julho, Paulo Guedes entregou ao Congresso Nacional uma proposta parcial, em que adiantou de apenas um desses pontos, a unificação de PIS e Cofins, os dois tributos federais sobre consumo. Assuntos mais complexos, como as mudanças no Imposto de Renda, ficarão para uma segunda fase.
Tributação sobre pagamentos por meio eletrônico
A proposta do ministro é passar a taxar em 0,2% todos os pagamentos feitos por meio eletrônico – o que atinge, principalmente, o e-commerce. Para a advogada Adriana Lacerda, sócia da área tributária do escritório Gameiro Advogados, já era de se esperar um imposto desse tipo.
“O governo analisa quais foram os setores mais e menos afetados pela pandemia, e um dos que menos sofreram foi justamente o e-commerce, que inclusive teve uma curva ascendente nesse período”, ela comenta.
A advogada lembra que a economia digital teve uma vitória em 2017, com o fim da tributação de livros eletrônicos e e-readers, que passaram a ser equiparados a livros, jornais e revistas de papel. “Mas, se esse novo tributo não for bem tolerado pelo consumidor, as vendas vão cair, o que será um cenário péssimo para o comércio eletrônico”, prevê.
Como o novo Imposto Digital recai sobre os pagamentos, a base de cálculo será o valor do produto ou serviço adquirido. “Isso pode dar margem a discussões sobre um eventual bitributação, porque o IBS já vai incidir sobre ‘base ampla de bens, serviços e direitos, tributando todas as utilidades destinadas ao consumo’”, aponta Adriana.
Tributação sobre operações financeiras (Bolsa e CDI)
De acordo com informações do jornal O Globo, Guedes avalia criar um imposto sobre transações financeiras, que incluiria a taxação de operações feitas na Bolsa de Valores e com Certificados de Depósitos Interbancários (CDI), referência para a renda fixa.
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A informação foi confirmada pela Arko Advice com fonte no Ministério. Segundo a consultoria, a tributação de aplicações financeiras viria somente na segunda fase da reforma, com alíquota do imposto entre 0,2% e 0,4%.
Essa é uma mordida que penaliza ainda mais o investidor, que viu seus ganhos minguados após sucessivos cortes na taxa básica de juros – hoje a Selic está em sua mínima histórica, 2,25% ao ano. O CDI é o indexador de boa parte dos investimentos de renda fixa.
“Será mais um tributo a se descontar. Se considerarmos que a taxa de juros já está muito baixa, o rendimento real ficará até negativo. Não sei até que ponto será válido comprar um CDB fazendo essa conta”, diz Daniela Casabona. “A medida vai acabar atrapalhando essa linha de crédito que o investidor ajuda a fomentar também.”
A sócia da FB Wealth aponta que o investidor da Bolsa já paga taxas administrativa, de corretagem e de custódia, e que um novo tributo espremeria ainda mais seus ganhos. “A renda variável era para onde ele corria para ter mais retorno. Agora ele vai ter que se acostumar com a ideia de rentabilizar o dinheiro dele ainda menos que antes.”
Tributação sobre dividendos
Pela proposta, as empresas seriam obrigadas a reter 15% de imposto sobre valores pagos a pessoas físicas ou jurídicas a título de lucros e dividendos.
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“Paulo Guedes alega que a medida é justa, já que empregados assalariados sofrem descontos e quem recebe dividendos não é tributado”, diz Adriana Lacerda. “Ele sugere que parte da arrecadação com esse novo tributo seja destinado ao 13º salário do programa Bolsa Família.”
O impacto é grande nas duas pontas: para quem paga e para quem recebe. “A empresa terá de se responsabilizar pela retenção dos valores, como já faz com o IRPF de funcionário. Isso costuma gerar problemas de contencioso administrativo perante a Receita Federal”, diz a advogada.
Já quem recebe vai tomar uma mordida no bolso – seja na distribuição de lucros ou na compra de ações de empresas que pagam dividendos, como forma de ter uma renda mensal.
“Hoje, (o investidor não ser tributado) é um chamariz para que ele invista em determinada empresa. Com a tributação, não sei até que ponto isso ainda seria interessante. Uma Itaúsa dá R$ 1 por ação. Menos o imposto, não vai dar nada. Será como um come-cotas para ele”, diz Daniela Casabona.
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Alamy Candido ressalta que a tributação de dividendos é comum em outros países e, até 1996, também ocorria no Brasil. Foi retirada de cena como forma de estimular a economia real, com mais pessoas investindo em empresas. Ele rebate uma crítica muito frequente, de que ela seria uma forma de bitributação.
“Quem repete esse falso dogma não conhece nada de direito tributário. A bitributação exige que você tenha, duas vezes, mesmos sujeitos ativo e passivo, mesmo fato gerador, mesma base de cálculo”, ensina o advogado. “Aqui, isso não ocorre. O sujeito passivo da tributação do lucro da empresa é a própria empresa, a pessoa jurídica. Quando você fala em tributar o dividendo, quem é tributado é o sócio, pessoa física. São pessoas diferentes nessa cadeia, a regra matriz é diferente.”
Tributação sobre fundos fechados
Apresentada ainda na gestão do presidente Michel Temer, a proposta pretende implantar, para os fundos de investimento fechados, o mesmo regime de tributação semestral dos fundos abertos. Da forma como ocorre hoje, o dinheiro não é tributado enquanto está dentro do fundo, só o é quando há resgate de cotas.
“Isso permite um diferimento da tributação: você roda esse dinheiro por anos e 100% da tributação fica represada. Se, em 15 anos, o investidor ganhou ou perdeu dinheiro, nunca foi tributado. Ele só vai ser tributado se tirar o dinheiro do fundo e, nesse momento, tiver tido ganho de capital, ou seja, se o dinheiro for maior que o investido no começo”, explica Candido.
A ideia esbarra em uma questão polêmica: há a intenção de tributar também os rendimentos que os fundos fechados tiveram no passado. Isso é objeto de controvérsia entre os estudiosos do Direito.
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“Alguns entendem que isso não seria possível, que só se pode tributar rendimento daqui pra frente. Já outros entendem que tudo bem, pois se estaria tributando um fato gerador fictício. É como se todo mundo estivesse resgatando as cotas dos fundos hoje: haveria uma linha de corte ali, e todo mundo seria tributado”, afirma o advogado.
Ele argumenta que essa medida geraria uma receita de trilhões de reais, afetando pouquíssimas pessoas, que têm uma capacidade de contribuição altíssima. “Do ponto de vista político, esse projeto tem força muito grande. Mas, sob Guedes, não se ouviu falar no assunto. Por que está parado, será que há interesses ocultos nisso?”, provoca.
Outras propostas que estão fora dos holofotes
Há, ainda, outras propostas correndo por fora. São discussões paralelas, não correlacionadas com a reforma tributária hoje defendida por Paulo Guedes como um todo. Duas delas são bastante antigas: impostos sobre grandes fortunas e sobre o empréstimo compulsório.
“A ideia de taxar grandes fortunas vem desde 1989, já são 37 projetos nesse sentido. Ela foi implementada em alguns países da Europa e eliminada, tem eficácia controversa”, diz Alamy Candido. “É muito mais uma ferramenta de deputados da oposição para atrair a mídia, do que algo que haja interesse de fato de implementar. O mesmo vale para os empréstimos compulsórios, essa não é uma discussão dentro do governo hoje.”
O Estado de São Paulo tem no radar, ainda, o aumento do ITCMD, tributo estadual que incide sobre heranças. Mas o timing para essa ideia não é o melhor agora. “Estamos tendo muitos óbitos na pandemia, então é complicado defender um tributo cujo fato gerador é a morte. Eu colocaria de lado”, comenta o advogado.
Os impostos vão subir, mas deveriam diminuir
Para Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos, o governo não tem outra saída a não ser aumentar a tributação. “A situação já era preocupante, a covid-19 piorou tudo e o governo precisa arranjar novas receitas. De onde vai tirar esse dinheiro?”
Ele acha, porém, que algumas propostas são mais viáveis que outras. Ele considera que a tributação sobre dividendos encontraria pouca oposição e seria fácil de implementar. E acrescenta que taxas sobre o e-commerce também vêm sendo avaliadas por outros países. Já o imposto sobre transações financeiras é um tema mais difícil, pois acaba onerando a todos. “O governo deve tentar postergar essa ideia ao máximo, pois seria como uma volta ao passado (quando havia a CPMF)”, diz.
Cantreva considera que o ideal seria uma reformulação tributária que, em vez de aumentar, reduzisse os impostos, para incentivar a atividade econômica. “Donald Trump fez isso nos Estados Unidos e a atividade subiu bastante. Por aqui, isso poderia ajudar a oficializar grande parte da economia informal, que hoje não paga imposto. Mas é uma aposta ousada, não acho que a equipe econômica se atreveria.”
Ele argumenta que, sem reduzir tributos, o Brasil cai na situação de países europeus e Japão, em que impostos elevados afetam demais a capacidade produtiva.
“O Brasil tem carga tributária bastante elevada, desproporcional, resultado de décadas de arranjos. O ideal seria passar uma borracha e começar de novo. Como está, você não cresce e não investe porque os impostos são altos, e os impostos são altos porque você não cresce.”
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