- Empreendimentos futuros podem ser penalizados com a aprovação da minuta, que busca desincentivar a construção de estúdios menores que 35 m²
- Os fundos afetados teriam que fazer novos investimentos para poder alcançar essas novas taxas que o mercado exige, e os empreendimentos passados teriam uma defasagem de preço até ser corrigido pela inflação e para as novas taxas de risco
- Segundo dados da Secovi São Paulo, a venda de micro apartamentos saltou de 461 em 2016 para 14.622 unidades vendidas até novembro de 2022 com metragem inferior a 30 m²
O mercado imobiliário alavancou ganhos extraordinários nos últimos tempos. Durante a pandemia da covid-19, quando as taxas de financiamento foram favorecidas pelos juros baixos, a cidade de São Paulo bateu recorde de venda de imóveis.
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Só para se ter ideia, a quantia acumulada nos primeiros semestres de 2020 e 2021 superou os 4 anos anteriores juntos no mesmo período, de acordo com pesquisa realizada pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP).
A valorização do setor favoreceu os fundos imobiliários residenciais, voltados para apartamentos, casas e estúdios. Esses últimos, no entanto, podem estar ameaçados em função da proposta de revisão do Plano Diretor da Capital paulista.
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Considerados investimentos de perfil conservador, os FIIs envolvem construção de novos edifícios, compra e venda de imóveis e renda gerada pelo aluguel das unidades. Investir nesse ativos significa possuir pequenas frações de edifícios ou shoppings, por exemplo. Hoje, dentre os 425 FIIs listados na Bolsa de Valores brasileira, 14 pertencem à classe dos residenciais, conforme levantamento realizado por Einar Rivero, head comercial da TradeMap, para o E-Investidor.
Entre alguns exemplos de empresas que compõem os FIIs na Bolsa e podem sofrer diretamente com a revisão do Plano Diretor está a Housi (HOSI11), que fornece aluguéis de imóveis por assinatura com estúdios de 20 m².
Com parte dos empreendimentos da empresa em lares pequenos e próximos às zonas de eixo da Capital, o fundo residencial da companhia FII Housi (HOSI11) conquistou o sexto lugar no top 10 dos fundos imobiliários mais rentáveis de janeiro deste ano, com rentabilidade de 14,4% no período.
Em 2020, durante a pandemia, a Housi viu o faturamento saltar 200% e registrou alta de 300% no número de unidades contratadas, como divulgado pelo CEO da empresa, Alexandre Frankel, em entrevista ao Estadão.
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A Housi não respondeu aos questionamentos do E-Investidor sobre as perspectivas futuras com a revisão do Plano Diretor.
A ameaça
Empreendimentos futuros podem ser penalizados com a aprovação da minuta, que busca desincentivar a construção de estúdios menores que 35 m².
A Prefeitura apresentou a proposta para que microunidades não tenham direito à vaga de garagem não-computável, que dão o direito de serem livres de pagamento de outorga. A justificativa oficial da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento é de que os micro apartamentos não atraem densidade suficiente por serem utilizados, normalmente, por uma pessoa só. Após dois anos de congelamento, a prefeitura atualizou em 5% os valores relativos à outorga de 2023.
“Muitos desses apartamentos são usados para aluguel em plataformas digitais, não são moradores fixos. São turistas e residentes temporário que alugam pela web e vivem em áreas muito bem localizadas” afirma Bianca Tavolari, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). A professora universitária também comanda o Observatório da Revisão do Plano Diretor de São Paulo e o Núcleo de Questões Urbanas do Centro de Regulação e Democracia (CRD).
A ideia era de que o Plano Diretor, aprovado em 2014 pela gestão do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad – então prefeito de São Paulo –, durasse até 2029. Mas a proposta prevê revisões ao longo do tempo, em parte por conta do dinamismo da cidade.
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A revisão deveria ter acontecido inicialmente em 2021, mas foi prorrogada pela pandemia. A prefeitura então divulgou a minuta para consulta pública entre os dias 13 e 17 de fevereiro e uma versão atualizada do documento deve ser entregue à Câmara Municipal em 31 de março.
Um dos motivos para a propor a desaceleração dos imóveis compactos está no crescimento excessivo deste tipo de empreendimento nos últimos anos. Segundo dados da Secovi-SP, a venda de micro apartamentos com metragem inferior a 30 m² passou de 461 unidades em 2016 para 14.622 imóveis vendidos até novembro de 2022. Em 2021, a quantia chegou a 18.459.
Desvio de princípio
As opiniões de especialistas divergem sobre o quão intenso pode ser o impacto do Plano Diretor no setor. Para Rodolfo Senra, sócio-fundador da Brio Investimentos, o projeto entra em embate com o mercado e foge do princípio de integrar classes sociais de menor renda às áreas mais acessíveis da cidade. Na Rua Melo Alves, no bairro Cerqueira Cesar, um apartamento de 33 metros quadrados se encontra a 300 metros da Estação Oscar Freire de Metrô. O imóvel custa R$ 803, 7 mil, de acordo com anúncio publicado em uma plataforma digital.
“A revisão do Plano Diretor infelizmente está insistindo em um erro conceitual, que é a intervenção do poder público nas diretrizes de mercado de um setor privado”, opina Senra. “O poder público quer entrar no entorno da oferta imobiliária e ele não tem flexibilidade para fazer isso.”
O executivo crê que a demanda acaba sendo distorcida e isso interfere no princípio do Plano Diretor de criar habitações para as classes média e baixa em locais mais nobres. Senra também aponta para os eixos estruturantes, onde se permite maior adensamento. Segundo ele, o Plano Diretor desincentivou a criação de vagas de garagem e a criação de unidades grandes nesses locais. Dessa forma, áreas próximas ao transporte público ficam restritas a empreendimentos muitas vezes classificados como short stay, ou seja, para aluguéis de temporada, destinados a turistas ou pessoas em uma viagem a trabalho com condições financeiras favoráveis.
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“É impossível aproveitar todo o potencial de um terreno no eixo sem fazer unidades micros e isso gerou um excesso de unidades pequenas por uma demanda que não existe”, afirma.
Para compor as carteiras de investimento na Brio, Senra tem evitado produtos onde há excesso de oferta por incentivos errados, como a construção de micro apartamentos nos eixos estruturantes. “Estamos buscando produtos em regiões menos ofertadas, como nas zonas mistas”.
Para Caio Braz, sócio da Urca Capital Partners, ainda é muito prematuro afirmar a existência de um impacto real. Negociado na B3 sob o ticker URPR11, o fundo imobiliário da gestora conta com pouca exposição aos apartamentos com metragem inferior a 35 m², que ficam ameaçados com a atualização do Plano Diretor. “O que acontece com o mercado é o que já aconteceu no passado, uma adaptação de custo e preço do projeto e toda mudança que de alguma forma interfere na margem”, diz.
Em outras palavras, o especialista acredita que os empreendedores da categoria terão cautela ao lidar com custos maiores na organização futuros projetos e construções, em resposta à revisão.
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Os fundos afetados teriam que fazer novos investimentos para poder alcançar as novas taxas que o mercado exige e os empreendimentos passados teriam uma defasagem de preço até ser corrigido pela inflação e para as novas taxas de risco, caso essas últimas aumentassem.
Ambos preveem que o mercado terá de se reinventar, procurando substituir as carteiras com empreendimentos em imóveis com metragem maior, como 40 m². Para isso, haverá custos com reestruturação.
Tavolari, do Insper, por sua vez, tampouco vê com bons olhos como a proposta da prefeitura pode beneficiar o mercado. “Uma das responsabilidades do Plano Diretor é indicar parâmetros construtivos para o mercado privado” lembra a pesquisadora. “Tenho ouvido falas de representantes do mercado de que há uma tentativa de desistir de estúdios menores do que 35 m², não só em relação à vaga de garagem, mas porque é um produto que São Paulo tem produzido bastante”, afirma.
Prioridade
Em resposta aos comentários de analistas ouvidos pela reportagem acerca da interferência da prefeitura nas diretrizes do mercado, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) afirmou que a prioridade é o combate ao déficit habitacional do município e o adensamento populacional, e não somente construtivo.
Em nota, o órgão rebateu afirmando que “a prefeitura identificou, por meio de um diagnóstico elaborado por sua equipe técnica sobre a aplicação do Plano Diretor, que a produção de microunidades habitacionais em regiões bem servidas de transporte público não tem atendido às necessidades habitacionais de núcleos familiares”.
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