- Nova leva de grandes investimentos nas Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) deve mirar pulverização estratégica de capital, com parceiros minoritários
- Clubes com dívidas próximas ao bilhão foram alvo dos primeiros grandes investimentos, como Botafogo, Cruzeiro e Vasco
- Investimentos feitos por torcedores ainda são uma possibilidade distante, mas B3 já discute regras
Após uma corrida pela transformação de clubes tradicionais com grandes dívidas em Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), entre 2021 e 2022, uma nova leva de grandes investimentos deve mirar a pulverização estratégica de capital no esporte.
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A Lei 14.193, que instituiu as Sociedades Anônimas do Futebol, permite aos clubes organizados em modelos associativos separarem o futebol das demais atividades da associação civil, transformando-o em empresas. A regulamentação autoriza que as dívidas contraídas pelo clube social sejam transferidas à sociedade anônima, além de oferecer uma alternativa à recuperação judicial: o Regime Centralizado de Execuções (RCE).
Com dívidas rodeando a casa dos bilhões, clubes como Botafogo, Cruzeiro e Vasco buscaram na SAF uma alternativa para lidar financeiramente e juridicamente com os seus altos passivos. “Essa foi a primeira onda do futebol brasileiro”, diz o ex-CEO do Botafogo e executivo Jorge Braga.
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A Eagle Holding, liderada pelo empresário americano John Textor, levou 90% do Botafogo e a Tara Sports, do ex-atacante Ronaldo Fenômeno, comprou uma parcela igual do Cruzeiro. Já o Vasco teve 70% do futebol comprado pela plataforma de investimentos 777partners.
O próximo passo dos clubes-empresa
Na primeira bateria de compras, as empresas entraram nas sociedades como sócios majoritários, enquanto as associações civis mantiveram parcelas minoritárias das novas empresas. O mesmo ocorreu com outros clubes tradicionais e ascendentes de fora do eixo sul-sudeste, como o Bahia, que vendeu 90% do seu futebol ao Grupo City, dono do inglês Manchester City.
Para Luiz Mello, CEO do Vasco, deve-se observar um próximo momento em que clubes que se tornam SAF tentam manter o poder sobre as decisões do negócio, preservando a parcela majoritária de mais de 50% das empresas.
Fora do Brasil, diversos clubes-empresa tradicionais atuam dessa forma. Em Portugal, Benfica, Sporting e Porto, três dos times mais tradicionais do país, mantém a maior parte do capital social das suas Sociedades Anônimas Desportivas (SADs), espécie de SAF lusitana, nas mãos das associações.
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No caso destes clubes portugueses, a percentagem das SADs que não fica com a associação é pulverizada em investidores minoritários — que em alguns casos têm quantidades expressivas das empresas. No Benfica, o empresário José António dos Santos possui 13,67% de participação social, ao passo que o clube tem 66,98%.
Braga menciona, no entanto, o exemplo de um clube alemão, o Bayern de Munique, como um modelo mais sofisticado e avalia que ele possa servir de inspiração para as próximas movimentações de grandes clubes brasileiros a se tornarem empresas.
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O time alemão possui 75% da empresa e conta com outros investidores: Adidas, fornecedora de materiais do clube, Allianz, patrocinadora e detentora dos naming rights do estádio, e Audi, outra patrocinadora, possuem 8,33% do negócio cada uma.
Segundo o ex-CEO do Borafogo, essa é uma decisão estratégica do clube para diminuir o risco da operação e, junto com o dinheiro, trazer uma expertise de um parceiro.
Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, mencionou em entrevista à TV Brasil o Bayern de Munique como um exemplo na linha do que acredita ser um modelo positivo de SAF. “Os detentores do clube mantém o controle do capital do Bayern, existem alguns parceiros estratégicos, que são inclusive patrocinadores, mas o controle continua sendo do clube”.
Times no mercado de capitais
Até a criação da lei das SAFs, a participação de clubes no mercado de capitais era vista com ceticismo. “Quando você tem de fato a conversão em lei, aí sim o tema começa a ganhar envergadura dentro do mercado de capitais”, diz a diretora de Emissores, Flavia Mouta.
A Bolsa de Valores brasileira (B3) já estuda como ajudar os clubes a se inserirem no mercado de capitais em três principais vertentes: mercado de dívidas, de securitização e ações. A bolsa tem feito eventos, fóruns e grupos de estudo sobre o tema. Mas Flavia alerta que qualquer diagnóstico ou previsão que se faça hoje sobre a entrada dos clubes nestes mercados ainda é prematura.
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A princípio, estabelecer um cenário ideal de governança e boas práticas que os clubes devem seguir para fazer as transações na Bolsa é o foco da B3, avaliando as experiências de outros países e as particularidades do universo do futebol.
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Os temas relacionados a governança nesse tipo de atividade não variam tanto quando relacionados a outros segmentos do mercado, qualidade da administração, participação de membros independentes na administração, estruturas que garantam fiscalização e controle, auditoria e gestão de risco, estão no radar da B3.
Mas o superintendente de Desenvolvimento de Mercado para Emissores da B3, Fernando de Andrade Mota, explica que, no caso das SAFs, um foco de estudo tem sido a separação dos interesses desportivos e econômicos, como a limitação para que um mesmo acionista não seja controlador de dois clubes.
As SADs de Portugal são uma das principais referências para a elaboração da lei das SAF e, segundo Flavia, “temos muito o que beber dessa fonte para conseguir criar um mercado robusto aqui no Brasil”.
As debêntures-fut
Debêntures são títulos de crédito privados emitidos por empresas a fim de financiamento. Elas podem ser negociadas no mercado sem que a empresa tenha chegado na estrutura necessária para fazer uma abertura do capital para a compra de ações. Na lei das SAFs, foram definidas as debêntures-fut, que seguem o mesmo princípio.
De acordo com o diretor administrativo da Associação Brasileira de Gestão do Esporte (Abragesp), Ivan Furegato, a emissão de debêntures por times de futebol ocorre em Portugal, inspiração para as SAFs. “Grandes clubes de Portugal emitem esses títulos, que não são negociados em bolsa, mas eles emitem esses títulos que os torcedores podem comprar”, aponta.
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Mello relembra que uma das perspectivas quando o Vasco se tornou SAF era de transformar 10% dos 30% da participação preservada pela associação em debêntures com prazos e condições de mercado. “Era uma ideia lá atrás para associação e eu imagino que isso possa ser levado para frente também”, diz.
- O que são debêntures e como funcionam as aplicações.
“Me parece uma possibilidade que vem em um segundo momento, a partir de um amadurecimento desse modelo. Talvez com clubes que estejam até um pouco mais bem organizados”, afirma Furegato.
A emissão de debêntures depende de uma série de processos, como a definição de condições pela empresa e aprovação pelo seu conselho. Elas ainda precisam ser registradas e autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Além disso, na avaliação de Braga, esse tipo de produto pode não ser muito atrativo para os investidores. Para ele, com as taxas de juros altas no Brasil, é difícil transformar a rentabilidade dos títulos de crédito privados em opções que chamem a atenção para aplicações.
Pela lei das SAFs, a remuneração das debêntures-fut não pode ser inferior ao rendimento anualizado da poupança e o seu prazo deve ser igual ou superior a dois anos, com pagamento periódico de rendimentos.
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