- A Americanas (AMER3) reconheceu que o rombo de R$ 43 bilhões encontrado em seus balanços financeiros foi resultado de uma fraude
- Em documento enviado à CVM, a varejista apontou sete executivos como culpados pelo esquema fraudulento
- O E-Investidor conversou com advogados para entender o que isso muda para investidores lesados pela desvalorização da AMER3; especialistas apontam quem poderia ser responsabilizado
Cinco meses e dois dias após a publicação do fato relevante que iniciou uma avalanche no mercado brasileiro, a Americanas (AMER3) enfim reconheceu que o rombo de R$ 43 bilhões encontrado em seus balanços financeiros foi resultado de uma fraude. A companhia informou, nesta terça-feira (13), que os assessores jurídicos da administração da empresa apresentaram um relatório com achados preliminares acerca das inconsistências contábeis relatadas em janeiro deste ano.
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“Os documentos analisados indicam que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas”, disse a varejista, via fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A Americanas ainda apontou os culpados: o ex-CEO Miguel Gutierrez, os ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e os ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes teriam participado da fraude, segundo o relatório. Veja quem são os acusados.
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O parecer preliminar da companhia, feito a partir de documentos entregues pelo comitê de investigação independente, é que houveram esforços da diretoria anterior para ocultar do Conselho de Administração e do mercado a real situação de resultado patrimonial da empresa. Nesta reportagem explicamos como contratos de verba de propaganda teriam sido artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da Americanas.
No meio dessa briga, investidores com AMER3 na carteira viram suas ações derreterem cerca de 90%. E agora acompanham as novas informações de uma empresa que, até seis meses atrás, era uma das gigantes do mercado varejista brasileiro e hoje está em recuperação judicial.
O que a Justiça entende nesses casos
O rombo bilionário na Americanas foi o principal assunto no mercado financeiro brasileiro em janeiro – e não era para menos. O E-Investidor produziu um especial sobre o caso, onde contamos relatos de investidores que “perderam tudo” com a desvalorização da AMER3 na Bolsa, que rapidamente saiu dos R$ 12 em que negociava antes do fato relevante que mudou tudo para menos de R$ 1.
Uma perda expressiva, que fez muitos acionistas minoritários da varejista procurarem formas de processar a companhia pelo prejuízo causado. Como mostramos nesta reportagem da época, existem duas maneiras para realizar esse movimento: via ação civil pública, pela Lei nº 7.913, que dispõe sobre danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários; e via Câmara de Arbitragem.
No entanto, nenhum dos dois processos é simples – esbarram em uma discussão de legitimidade sobre quem os propõe, e sobretudo, na falta de consenso acerca dos verdadeiros prejudicados em casos como o da Americanas.
Prevalece na Justiça brasileira um entendimento de que a companhia fraudada é a principal afetada. Os acionistas teriam um prejuízo de segundo grau ou indireto, portanto, não faria sentido exigir que a empresa os indenizasse.
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Há controvérsias sobre tal argumento, inclusive projetos de lei recentes que visam aumentar a possibilidade de ressarcimento de acionistas minoritários, como a Lei das S/A encaminhada pelo governo Lula ao Congresso no último dia 02. Mas, fato é, são raros os casos de investidores que conseguiram sucesso em processos contra companhias de capital aberto no Brasil.
“A discussão é justamente essa: quem sofreu um prejuízo diretamente, a empresa ou os investidores? E o entendimento prevalecente atualmente é que a perda direta é da companhia”, explica Marcos Sader, sócio do i2a Advogados.
O advogado destaca que nem mesmo as novas informações, que confirmam a fraude e apontam culpados, parecem suficientes para alterar tal entendimento. “Para quem já está propondo alguma ação, tem mais argumento. Mas a principal barreira, que está na jurisprudência, não é alterada com isso.”
Mas não é só isso que “protege” a Americanas de ser responsabilizada judicialmente pela fraude. Pelas informações divulgadas até aqui – com a ressalva de que são conclusões preliminares, informadas pela própria companhia – eram os administradores da varejista os responsáveis pela fraude contábil. Cabe a empresa agora, com provas, mostrar que seu compliance estava em pleno funcionamento e que o esquema fraudulento era sofisticado a ponto de seu Conselho não saber o que estava ocorrendo.
O cenário pode ser diferente apenas se ficar provado que o Conselho da Americanas sabia das fraudes da diretoria, mas não agiu, seja por omissão ou conluio. Nesse caso, a companhia poderia sofrer algum tipo de desgaste. Mas este não é o cenário base, a partir das informações que estão hoje na mesa, destaca Marcelo Gandelman, da Gandelman Costa Dias Advogados, que atuou pela Petrobras na arbitragem.
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O atual CEO da Americanas, Leonardo Coelho, disse nesta terça-feira durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura possível fraude contábil na companhia, que há indícios inclusive de participação das auditorias KPMG e PwC nas irregularidades.
“Me parece muito difícil o Conselho conseguir descobrir algo se havia conluio da fraude dos administradores com a auditoria”, destaca Gandelman. Nesse caso, se confirmado tal envolvimento, fica ainda mais difícil responsabilizar a Americanas judicialmente.
Investidores podem processar executivos?
Se o cenário parece indicar que investidores têm poucas chances de conseguir um reparo no prejuízo sofrido em ações movidas contra a Americanas, por outro lado, especialistas veem espaço para uma responsabilização dos administradores e controladores da companhia.
Isso significa que, comprovada a fraude, o ex-CEO, os ex-diretores e os ex-executivos – apontados pelo relatório –, também podem ser processados por investidores e responder pessoalmente por eventuais crimes cometidos na empresa. Além disso, os controladores da Americanas também estão no radar e podem ser apontados em processos como possíveis responsáveis. Neste caso, estamos falando dos homens mais ricos do País: Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Nas negociações do plano de recuperação judicial da varejista, o trio se comprometeu a fazer um aporte de R$ 12 bilhões e ficar três anos sem vender suas ações.
Tiago Mackey, sócio no dcom Advogados, explica que em janeiro era muito difícil atribuir a culpa do rombo bilionário a qualquer uma das partes. Apesar de boa parte do mercado já bater na tecla de fraude desde o início, poderia ser uma falha não intencional. Agora, o cenário é diferente.
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“No atual quadro, o caminho para todo e qualquer lesado buscar uma reparação está muito mais pavimentado”, diz Mackey. “E essa reparação pode se dar indiscutivelmente, caso se prove a intenção manifesta de se maquiar os números, pela responsabilização dos diretores”, pontua.
O advogado questiona, no entanto, o que parece ser uma tentativa da companhia de se colocar como vítima da situação. E levanta até a possibilidade de atribuir uma corresponsabilidade nos processos jurídicos a Americanas. “Da forma como as coisas aconteceram, falhas de controle e governança, a condescendência, o tempo que isso se estendeu, há uma possibilidade muito maior de se buscar uma corresponsabilidade”, explica.
Os processos já abertos contra a Americanas
Desde janeiro, quando o mercado tomou conhecimento do rombo bilionário na Americanas, alguns processos contra a companhia e seus executivos foram abertos, em uma tentativa de buscar uma indenização a investidores lesados pela fraude na varejista. O E-Investidor procurou os representantes dos dois principais processos para entender o andamento das ações, agora com as novas informações.
O primeiro deles é uma ação civil pública (ACP) protocolada na 5ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro pelo Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci). Sob o número inicial de 0803407-70.2023.8.19.0001, o instituto pedia a compensação por danos morais individuais e indenização por danos materiais individuais de consumidores, investidores e acionistas.
O processo da Ibraci era somente contra a Americanas, mas foi aglutinado em abril a uma outra ação civil pública, esta protocolada pelo Instituto de Proteção e Gestão do Empreendedorismo (IPGE), que requer também que os acionistas de referência, membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal sejam responsabilizados. Por já ser direcionada às pessoas físicas – ou seja, executivos e membros da diretoria da companhia –, a ACP seguirá em tramitação sem nenhuma alteração por parte dos institutos.
“A ACP em face dessas pessoas já existe e já está tramitando. Vamos juntar as notícias e documentos na ação do Ibraci e o IPGE certamente fará o mesmo”, explica Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Ibraci. “O que é muito importante agora são essas provas para, no momento da produção probatória, estar muito claro e evidente para o juiz que houve fraude.”
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O outro processo iniciado em janeiro, este, na Câmara de Arbitragem, também tinha dois alvos: a Americanas e seu trio de controladores. A ação foi protocolada pelo Instituto Íbero-Americano da Empresa e pede R$ 500 milhões em indenizações.
Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, afirma que as informações divulgadas pela varejista nesta terça-feira são parte de uma estratégia para não indenizar acionistas. E reforça a posição do órgão em buscar reparação não só dos controladores, mas também da companhia, a quem também atribui culpa.
“Se vitimizar pelas condutas supostamente tomadas por algumas pessoas no encargo de administradores, que ela própria elegeu, deu posse, manteve e orientou faz parte de uma narrativa que vitimiza a companhia, isenta controladores e pune os investidores”, diz Silva. “Na nossa visão, a companhia é responsável por ter divulgado, por anos, dados falsos. E os controladores, por terem recebido dividendos milionários sobre lucros inexistentes.”