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Analistas explicam por que você não deve confiar na retomada da Bolsa

Na contramão do otimismo do mercado, grupo de especialistas elenca incertezas que ainda não saíram do radar

Analistas explicam por que você não deve confiar na retomada da Bolsa
(Foto: Amanda Perobelli/Reuters)
  • Apesar de recuperação da Bolsa nos últimos meses, existem analistas e gestores que se mantém céticos em relação ao cenário para os ativos de risco
  • Para os especialistas consultados pelo E-Investidor, os riscos fiscais não foram resolvidos pela apresentação do arcabouço e a inflação segue como uma incerteza
  • A recomendação é investir em ativos menos ligados aos ciclos econômicos, diversificar e não se deixar cegar pela empolgação

Em 23 de março deste ano, o Ibovespa chegou à mínima de 97,9 mil pontos, embalado a incertezas sobre o cenário econômico brasileiro. Isto porque no primeiro trimestre do ano ainda não haviam sinalizações claras do novo governo, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em relação à compromisso fiscal. O arcabouço não tinha sido apresentado e o início dos cortes na taxa básica de juros, Selic, estava incerto.

Só que de lá para cá, muita coisa mudou. Em maio, entre elogios e críticas, a nova âncora fiscal foi apresentada e outros dados econômicos agradaram: a inflação deu sinais de desaceleração e acumula uma variação de 3,9% em 12 meses; o dólar cai 5,95% frente ao real no ano, para R$ 4,96; a agência de classificação de risco Fitch subiu a nota de crédito do Brasil de BB- para BB; por fim, o Banco Central cortou a Selic em 0,5 ponto porcentual em agosto, para 13,25% ao ano, começando o tão esperado “ciclo de queda de juros”.

Tudo isso fez o Ibov subir 24,5% desde a mínima do ano até o final de julho. Mesmo com as dez quedas consecutivas em agosto, o índice mantém uma valorização de 19,3% desde a mínima de 2023, aos 116.809,55 pontos. De acordo com projeções do Santander, o principal índice da Bolsa tem espaço para saltar até os 140 mil pontos nos próximos 18 meses. E o banco não está sozinho no cenário otimista.

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De acordo com o Head Comercial do TradeMap, Einar Rivero, desde 1995 o Ibovespa teve um maior número de rentabilidades positivas entre os meses de agosto e dezembro. Nos últimos 28 anos, no mês de agosto, o índice acumulou 16 rentabilidades positivas contra 12 negativas; em setembro, outubro e dezembro foram 19 altas ante 9 baixas e, nos meses de novembro, 17 versus 11. De acordo com ele, se o ano de 2023 seguir essa tendência histórica a Bolsa mostrará desempenhos bastante positivos nos próximos cinco meses do ano.

Contudo, nem todos estão convencidos de que o céu desanuviou para a renda variável. O E-Investidor conversou com quatro especialistas de mercado que continuam bastante céticos com o cenário econômico. Eles elencaram incertezas relevantes que seguem no radar, mesmo com a retomada do fôlego na Bolsa a partir do segundo trimestre.

“Está se colecionando um otimismo um pouco pesado em cima de dados um pouco frívolos. O mercado muitas vezes alimenta uma onda, mesmo sabendo que não vai dar certo”, diz Jason Vieira, economista. “O problema é que investidores grandes sabem quando sair da onda. Os pequenos, não.”

Desaceleração econômica

Em primeiro lugar, Vieira aponta que existem dados econômicos que o mercado não deveria ignorar. Por exemplo, os dados de varejo, que segundo ele continuam “não muito bons” – em junho, as vendas no setor apresentaram variação nula, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 12 meses, a alta foi de apenas 0,9%.

Paralelamente, a desaceleração da China deve pressionar ainda mais o crescimento brasileiro. “Nós somos dependentes da China, que não está mostrando perspectivas boas”, afirma Vieira. “Vale lembrar que a economia brasileira não tem elementos para crescer sozinha, precisamos de um impulso externo. Até porque, ainda que comecemos a cortar juros, a Selic segue elevada.”

O economista também acredita que os Estados Unidos não terão espaço para brecar a alta de juros tão cedo. E uma taxa de juro em alta nos EUA, combinada com uma Selic em queda no Brasil, historicamente resulta na desvalorização do real e menor fluxo na Bolsa. Por último, o imbróglio das contas públicas brasileira ainda estaria longe de ser resolvido pelo arcabouço fiscal.

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Pela regra inicialmente apresentada, o novo arcabouço deve limitar o crescimento anual das despesas a até 70% do crescimento das receitas apuradas nos 12 meses anteriores. Caso não haja aumento de receita, as despesas ainda poderão crescer o mínimo de 0,6%. Existem ainda metas de resultado primário, que se não alcançadas, devem reduzir o limite de despesas 50% das receitas.

Agora, para cumprir a meta de resultado primário neutro estabelecida para o ano que vem, o governo precisará levantar R$ 100 bilhões em receita para este ano. Sem ações para cortar despesas, a perspectiva é que os valores sejam levantados via arrecadação. “O arcabouço não dá garantia de nada, o modelo apresentado está longe de ser o ideal. Foi apenas um jeito que o governo arrumou de gastar. Entretanto, parece que o mercado parece que deixou de lado essa história”, afirma Vieira.

Para ele, o modelo ideal deveria envolver uma reforma administrativa que efetivamente reduzisse o tamanho do Estado, ou seja, os gastos. O economista alerta para que os investidores tenham cautela na renda variável e que não se deixem cegar pelo otimismo. “Eu digo que o investidor tem que estar sempre com uma parcela do que ele tem na defensiva”, diz Vieira. Ele recomenda que os pequenos investidores procurem uma assessoria, para não perderem o timing de “sair da onda” de otimismo na Bolsa.

Mario Goulart, analista de investimentos, também não acha que todo esse “otimismo” que tomou conta do mercado nas últimas semanas esteja muito respaldado na realidade – principalmente considerando a questão fiscal. “A questão do arcabouço fiscal ainda está muito mal equacionada, não sabemos como é que ele vai sair desse processo de vai e volta entre Senado e Câmara”, afirma Goulart. “Toda essa discussão do arcabouço fiscal é, no fundo, um pedido de licença pra gastar mais e o governo vai ter que achar dinheiro na tributação.”

Para Goulart, o momento ainda é para fazer um mix de produtos de renda fixa para aproveitar o juros altos. “E a medida que os juros forem caindo, seria interessante investir em alguma coisa ligada à moeda estrangeira para ter uma proteção, como empresas exportadoras”, afirma.

Institucionais de olho na inflação

Francisca Brasileiro, sócia e responsável pela área de Asset Allocation (Alocação de Ativos, em tradução livre) da TAG Investimentos, afirma que os investidores institucionais ainda estão muito “machucados” pelo cenário desfavorável dos últimos dois anos, com pandemia, subida da inflação e juros.

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A especialista afirma que esse investidor ainda não está voltando, com velocidade, para os ativos de risco. “Existe muita insegurança ainda, não só em relação ao País, mas também em elevar o risco dos investimentos”, afirma Brasileiro. “Nos fundos de pensão, que são os investidores institucionais com quem eu trabalho, o fluxo para risco praticamente não voltou. Tem, sim, um movimento mais favorável, mas muito lento.”

Os motivos para a cautela em relação ao cenário se devem justamente aos juros ainda altos. Mesmo com os cortes na Selic, os ganhos reais na renda fixa continuam interessantes. Além disso, a questão estrutural do País preocupa esses grandes investidores – e também a Francisca Brasileiro.

“A inflação aparentemente vem cedendo, mas muito desse dado é questão de base [de comparação]. No ano passado, houve um forte aumento dos preços de commodities, e este ano, tirando esse fator, a inflação naturalmente cede”, afirma Brasileiro. “Mas ainda temos núcleos de inflação difíceis de lidar. A inflação de serviços está muito alta, a desaceleração de bens de consumo ainda está lenta.”

Para ela, visto esse cenário, é cedo para falar que os riscos de inflação estão superados e que o País entrará de vez em um ciclo virtuoso de cortes de juros. Brasileiro ressalta, ainda, que a inflação que o País e o mundo estão vivenciando é totalmente atípica, por isso fica difícil prever como a aceleração dos preços irá se comportar para frente.

“Não dá para comparar com ciclos anteriores. Está é uma inflação que foi consequência de eventos exógenos, guerra entre Rússia e Ucrânia, a quebra da cadeia produtiva global pós-pandemia”, diz Brasileiro.

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A executiva também aponta para dúvidas relacionadas à reforma tributária “Estamos felizes com a possibilidade de reformas estruturais também na parte tributária, mas ainda é uma incógnita. A gente ainda nem começou a falar sobre tarifas”, afirma.

Toda essa conjuntura de incertezas faz com que a TAG Investimentos ainda não esteja confortável para traçar projeções sobre o potencial de alta do Ibovespa ou o patamar da Selic até o fim do ano que vem.

“Na nossa visão, é preciso observar mês a mês o detalhe dos dados da inflação, que ainda são pouco claros”, diz Brasileiro. Essa perspectiva mais cautelosa não significa que a especialista não veja oportunidades na Bolsa, mas que os investidores deverão, mais do que nunca, diversificar investimentos e respeitar o perfil de risco para não ser surpreendido negativamente.

“Mais do que nunca é importante ter uma carteira com um pé em diversas possibilidades, com ativos que dependem menos dessa melhora dos dados de inflação para performar bem. Crédito, por exemplo, é uma classe que a gente gosta bastante, justamente porque não depende tanto do ciclo de juros para ter um bom retorno”, diz Brasileiro. “Tem muita incerteza no mundo para tomar posições muito agressivas.”

Cautelosamente otimista

Rodrigo Cabraitz, gestor de alocação de portfólio da Principal Claritas, se diz otimista em relação ao mercado brasileiro. Ele vê a renda fixa ainda atrativa, principalmente papéis ligados à inflação, mas vê prêmios interessantes na Bolsa. “Às vezes é difícil definir ponto de entrada em bolsa, o melhor é alocar aos poucos”, afirma Cabraitz. “A cada corte de juros, a Bolsa deve ir ficando cada vez mais atrativa e, se demorar muito, o investidor pode perder oportunidades.”

Contudo, ele também vê algumas incertezas no radar. Entre elas, a maior preocupação fica para uma recessão mais pesada do que a esperada nos EUA. “Se os dados de inflação e de atividade vierem muito acima, eles podem voltar a subir juros por lá. Esse é o grande tema: se for realmente uma desaceleração mais forte do que o mercado acredita, vamos ter um movimento pior nas bolsas”, diz Cabraitz.

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Ele também enxerga a possibilidade de desvalorização do real em função dos cortes na Selic e eventuais subidas de juros americanos. “Nossa Bolsa pode perder atratividade para o investidor estrangeiro”, afirma o gestor.

Nos primeiros seis dias após o primeiro corte na Selic, feito na primeira quarta-feira de agosto, o fluxo de capital estrangeiro na bolsa retraiu R$ 5,026 bilhões.

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