- O que para os consumidores se traduz em contas de luz mais caras, para algumas empresas de energia pode significar receitas maiores no curto prazo
- A maioria dos analistas consultados pela reportagem destaca que o impacto nas distribuidoras já é perceptível no curto prazo
- No entanto, os especialistas reforçam que olhar os fundamentos é importante para fazer escolhas no longo prazo, principalmente para quem busca gerar renda com dividendos
Em tempos de temperaturas elevadas, o uso de ar-condicionado e ventiladores se intensifica e com eles o consumo de energia elétrica. O que para os consumidores se traduz em contas de luz mais caras, para algumas empresas de energia pode significar receitas maiores no curto prazo.
O setor elétrico na Bolsa de valores está dividido em três segmentos: geração, que produz energia seja por meios hidroelétricos, eólicos, solares ou térmicos; transmissão, onde as empresas são remuneradas de forma fixa por levar energia elétrica de um ponto até outro; e distribuição, que são as empresas encarregadas em fazer chegar a energia ao consumidor final. Há ainda companhias que trabalham nas três áreas de atuação, conhecidas como híbridas.
Quando as temperaturas aumentam, as empresas de energia elétrica que mais se beneficiam são as distribuidoras, porque o segmento é diretamente relacionado com o consumo. “Quanto maior é o consumo, melhor vai ser o resultado destas companhias porque terão mais volume de energia”, destaca Guilherme Tiglia, sócio e analista de ações da Nord Research.
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Embora o fato de que as pessoas acabem gastando mais luz com ar-condicionado, geladeira, máquina de lavar auxilie todas as distribuidoras a faturar um pouco mais, quando a onda de calor chega, os benefícios para cada companhia devem ser analisados caso a caso, destaca Luan Alves, analista-chefe da VG Research. O motivo é que algumas empresas, principalmente aquelas localizadas em regiões complexas podem ter suas particularidades.
“Empresas como Light (LIGT3) no Rio de Janeiro, Coelba (CEEB3) na Bahia e Celpe (CEPE5) em Pernambuco, que estão em regiões mais complexas, podem ser afetadas com aumento da inadimplência, atraso em contas e até furtos diante do maior consumo pelas altas temperaturas. São riscos a ser levados em conta”, afirma o analista.
Na geração também há beneficiados
A distribuição não é o único segmento da energia elétrica que pode ser beneficiado nos próximos meses pela onda de calor, analistas consultados pelo E-investidor citam também o segmento de geração, com destaque para as companhias térmicas.
Para Tiglia, embora as geradoras hidroelétricas estejam com os reservatórios bem abastecidos depender apenas delas e de fontes renováveis (como energia solar e eólica) pode não ser suficiente em momentos de estresse como nesta onda de calor. Para suprir esta demanda, geralmente termelétricas são ativadas. Com despachos térmicos, empresas com exposição a termelétricas no seu portfólio acabam sendo muito beneficiadas neste período.
A última vez que as empresas térmicas tiveram uma forte participação no abastecimento do sistema de energia foi na crise hídrica de 2021. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no dia 17 de novembro as usinas térmicas geraram cerca de 16,4 gigawatts, patamar que tinha sido registrado apenas em dezembro de 2021.
Tiglia explica, que as geradoras térmicas usam combustíveis fósseis para garantir a estabilidade do sistema elétrico, que por sua vez, acaba encarecendo a conta de luz e elevando o nível de emissões.
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Alves aponta que embora os preços de energia das térmicas já tenha apresentado um avanço de quase 20% no último trimestre ainda não chegou ao patamar de ativar todas as companhias em solo brasileiro. “Seria necessário preços de energia mais altos e não vemos esse cenário nos próximos 3 ou 5 meses”, destaca.
Já no caso das empresas de transmissão, os analistas apontam que não há mudanças diante de altas temperaturas, porque o perfil destas companhias é ter contratos de longo prazo com remunerações fixas e reajustadas por indicadores de inflação. “A transmissora já recebe um dinheiro de um contrato preestabelecido não importa se vai chover ou não, se vai ter sol, demanda, o clima não tem efeito nessas empresas”, pontua Alves.
Muito cedo para fazer preço?
A maioria dos analistas consultados pela reportagem destaca que o impacto nas distribuidoras já é perceptível no curto prazo, dado que o aumento de consumo de energia tem como consequência contas de luz mais caras e maiores receitas.
Mas há os mais céticos que defendem que em um primeiro momento esse benefício nas receitas pode demorar para ser sentido. Um deles é Daniel Nigri, analista e fundador da Dica de Hoje Research que afirma que reajustes tarifários pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) costumam acontecer com certo atraso. “Geralmente se a onda de calor acontecer nestes meses, a companhia vai conseguir ver um reajuste de tarifas em março ou abril. Recupera, mas com certo atraso”, afirma Nigri.
Desta forma, embora as receitas possam ser maiores nos próximos meses, ele não acredita que sejam suficientes para compensar os custos que as distribuidoras terão para atender essa demanda extra. Nigri ainda acredita que, por questões políticas, é muito provável que o governo federal contenha novos reajustes de bandeira nas contas de luz para segurar o aumento da inflação.
Em relação as geradoras, Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, também acredita que ainda é muito cedo para sentir os efeitos do aumento das temperaturas nas ações. Segundo ele, ainda existe um desequilíbrio entre oferta e demanda de energia no mercado, com maior oferta, ou seja, os preços de energia no mercado livre seguem baixos e a onda de calor não é suficiente para determinar mudanças nos preços de energia que possam repercutir no longo prazo.
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“As empresas térmicas foram ativadas de forma temporária para evitar a pressão nos reservatórios. Mas a princípio nada muda para a maior parte do mercado”, avalia Arbetman.
A campeã da temporada
Dado que algumas empresas térmicas já foram ativadas para dar um conforto maior ao sistema de energia, Arbetman avalia que a principal beneficiada da temporada de calor é a Eneva (ENEV3), por ter uma geração variável de receita maior diante dos despachos.
Os números não escondem esta realidade, só no mês de novembro até o dia 21, as ações da Eneva valorizaram 17,58%, enquanto o Ibovespa, principal índice da B3, avançou 9,19%, revela levantamento do consultor independente Einar Rivero. Já no acumulado de 2023, as ações ENEV3 sobem 6,54% e o Ibovespa tem ganhos de 14,48%.
“A Eneva é destaque de valorização em novembro e boa parte desse efeito se deve a onda de calor. Ou seja, já está acontecendo”, avalia Ruy Hungria, analista de renda variável da Empiricus Research. Ele cita que a companhia vinha sofrendo há vários trimestres com despachos baixos de energia.
Contudo, o endividamento ainda preocupa, observa Cleide Rodrigues, analista-chefe da Money Wise Research. A Eneva está no patamar de 4,2 dívida líquida/ebitda, enquanto a média do setor tida como saudável é de três vezes.
Oportunidades à vista
Embora as temperaturas elevadas possam potencializar os resultados de algumas companhias distribuidoras e geradoras no curto prazo, os analistas reforçam que olhar os fundamentos é importante para fazer escolhas no longo prazo, principalmente para quem busca gerar renda com dividendos.
Eles citam algumas empresas que podem vir a se beneficiar da onda de calor, mas que são oportunidades para o investidor estar posicionado.
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Rodrigues, da Money Wise Research, recomenda a CPFL Energia (CPFE3) e explica que é uma holding híbrida, que atua nos segmentos de geração, transmissão e distribuição, no entanto, 84% da sua receita é fruto da distribuição. “É por este motivo que deve ser beneficiada pelas altas temperaturas”, diz.
Segundo a analista, a CPFL tem capacidade de entregar um dividend yield (retorno em dividendos) de 8% para 2024 e 9% para 2025, com potencial de crescimento nos próximos anos.
Entre as vantagens, a analista cita a busca por diversificação de receitas, com a companhia buscando investir também em fontes de geração renovável, solar e eólicas. A empresa também possui um endividamento controlado e tem conseguido entregar resultados crescentes e consistentes nos últimos anos.
Já entre os riscos, estaria o baixo volume de negociação no mercado, que poderia fazer com que controladores chineses optem por fechar o capital da companhia no futuro, embora seja um risco distante, segundo a analista da Money Wise Research.
Para Alves, da VG Research, a CPFL também é uma alternativa interessante em dividendos. Ele projeta que a empresa possa entregar um dividend yield de entre 8% e 10% em 2024. Mas quando o assunto é valorização das ações, ele enxerga um potencial de crescimento maior na Omega Energia (MEGA3), que recentemente passou a se chamar Serena.
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“A Omega tem espaço para surpreender positivamente pelo portfólio mais voltado para energia eólica e solar. Tem apresentado bom desempenho operacional, com boa geração de recursos no Nordeste desde agosto”, avalia. Para Alves, há um bom espaço para valorização das ações MEGA3 nos próximos 6 meses.
Além destas companhias que são recomendações do analista, ele destaca que distribuidoras como Equatorial (EQTL3) e Energisa (ENGI3), são empresas com boa gestão que podem ser beneficiadas neste período.
Para Hungria, da Empiricus, a Eletrobras (ELET6) também deve apresentar boa valorização por conta das altas temperaturas, com efeito nos preços mais altos de energia.
Ele cita que a companhia ainda passa por um processo de turnaround pós-privatização, mas começou recentemente a entregar resultados. Hungria tem recomendação de compra para a empresa por considerar que é uma das companhias mais baratas do setor e porque acredita que ainda há muito valor a ser destravado após a privatização e com a melhora marginal dos preços de energia.
Nigri também enxerga oportunidades em algumas geradoras, por conta dos fundamentos e não necessariamente pela onda de calor. Ele cita além da CPFL Energia, AES Brasil (AESB3) e Engie (EGIE3). Para esta última, o dividend yield projetado para os próximos 12 meses é entre 5% e 9%.
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