- O aumento do endividamento é agravado pelos juros altos que o mundo inteiro está passando neste momento
- A falta de perspectiva de melhoria fiscal tem afetado os juros de longo prazo americano
- A turbulência sentida no Brasil nos meses de agosto a outubro acabou sendo uma amostra de como o movimento de expansão fiscal pode ser uma variável de risco importante para os países emergentes
Depois de um longo período em que o combate à inflação foi o centro das atenções, o mundo começa a se deparar com outro grande desafio: o crescimento do endividamento dos países após a pandemia. Esse fenômeno foi observado não apenas nos emergentes, mas também nos países desenvolvidos.
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Mesmo com o fim da crise de saúde, o crescimento médio da dívida bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) fica em torno de dez pontos porcentuais. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que a média dos países desenvolvidos foi de 104 para 112 e a dos emergentes, de 55 para 67.
Esse aumento de endividamento foi agravado pelos juros altos que o mundo inteiro está presenciando neste momento, com objetivo de reduzir o risco inflacionário. A combinação de dívida alta com juros altos é perigosa e precisa ser tratada com muito cuidado.
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Por aqui, vivemos com esse perigo constantemente, uma vez que o Brasil é um dos países emergentes mais endividados, apresentando um dos maiores níveis de juros. Não à toa a questão fiscal surge como tema de constante discussão no País, pois acaba sendo peça-chave para o crescimento.
Uma grande economia que tem encarado tal situação é a americana. A política fiscal dos Estados Unidos tem sido expansionista faz tempo, com seu déficit nominal atingindo mais de 6% do PIB, trazendo um crescimento constante de sua dívida, que atinge os 123% do PIB, segundo dados do FMI. Como referência, em 2019 a dívida estava em 108% do PIB.
Com esse forte aumento do endividamento e o alto custo de rolagem da dívida, a demanda por recursos torna-se cada vez mais crescente. Ao somar a esta conta a alta demanda em gastos com defesa e com políticas industriais, a projeção para a trajetória da dívida dos EUA mostra crescimento acelerado.
Desconfiança com os EUA
No início de agosto, a agência de rating Fitch rebaixou a nota de crédito da economia americana de AAA para AA+. Entre os argumentos da Fitch estão a deterioração fiscal esperada para os próximos três anos e o aumento do déficit fiscal. Outro ponto destacado pela agência foram os repetidos impasses de limite de dívida e resoluções de última hora, frequentes nos últimos anos.
Mas não foi só a Fitch que emitiu sinal de alerta com relação à questão fiscal. A Moody’s, outra agência de rating, mudou a perspectiva da nota de estável para negativa e citou grandes déficits fiscais e um declínio na capacidade de pagamento da dívida como riscos para a economia americana.
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A falta de perspectiva de melhoria fiscal tem afetado os juros de longo prazo dos EUA, representado pelo título de dez anos do tesouro americano, que saltou de menos de 2% em janeiro de 2022 para bater os 5% em outubro deste ano. Essa grande demanda dos governos por recursos, principalmente o dos EUA, drena a liquidez do setor privado mundial com reflexo direto na gestão da dívida pública e no fluxo de recursos para países emergentes.
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A grande turbulência sentida no Brasil de agosto a outubro serviu de amostra de como esse movimento de expansão fiscal pode ser uma variável de risco importante para os países emergentes. Neste período, o título de dez anos do tesouro americano aumentou subitamente, atingindo seu nível máximo e com muita volatilidade, com reflexos importantes em todo o mundo.
No Brasil, os ativos de risco responderam rapidamente perdendo valor. Só como exemplo, a Bolsa perdeu 10 mil pontos nesse período e nossos juros reais aumentaram mais de 100 pontos-base (bps). Esse foi o período de maior volatilidade visto no País no segundo semestre.
Nesse mês de dezembro, os mercados surfaram nas boas notícias do controle de preços, não só no Brasil, mas em diversos países, aumentando a expectativa de ser possível voltar a meta de inflação sem colocar as economias em recessão, principalmente a americana.
Tom da incerteza em 2024
O destaque ficou por conta do discurso mais “dovish” (termo relacionado à redução da taxa de juros para aquecer a economia) do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), surpreendendo os mercados e melhorando ainda mais as expectativas para o ano de 2024 com uma possível queda de juros mais forte. Esse movimento beneficiou os ativos de risco e fez a Bolsa andar, batendo os 130 mil pontos.
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Apesar desta boa notícia com relação ao processo de desinflação, o risco fiscal continua existindo tanto na terra tupiniquim quanto no território do Tio Sam. Esse tema será aquele que dará o tom da incerteza nos mercados em 2024, que, apesar da boa expectativa devido ao início do ciclo global de queda de juros, tem no excesso de gastos, que drena a liquidez, o elemento de risco a ser encarado.
Do nosso ponto de vista, a estratégia dominante consiste em manter o controle das contas para se preparar para possíveis turbulências globais ou para surfar uma onda positiva.
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