- Em uma de suas raras entrevistas, Fabio Okumura conta por que esta crise é mais difícil para o sistema financeiro
- Ele estava muito otimista em janeiro, mas precisou 'virar' suas posições em 48 horas
- O gestor sugere que todos os investidores mantenham a cabeça aberta e os olhos nas notícias
A crise provocada pelo coronavírus surpreendeu até os mais experientes gestores do mercado financeiro. Com mais de três décadas vivendo o dia a dia das negociações de ativos, Fabio Okumura se mostra surpreso com a velocidade dos acontecimentos que paralisou as economias globais. Em uma de suas raras entrevistas, o sócio-fundador e chief information officer (CIO) da Gauss Capital, gestora criada em 2014 que há dois anos deixou o guarda-chuva do Credit Suisse para se tornar independente, aceitou conversar com o E-Investidor após o fechamento das bolsas no Brasil e nos Estados Unidos. Se em momentos menos estressantes de mercado Okumura não desgruda os olhos do monitor, atualmente é muito mais difícil ele mudar o foco. A prioridade é encontrar oportunidades de alocação do dinheiro – ao todo são R$ 2 bilhões sob gestão em fundos multimercado e de crédito privado. Se em janeiro o fundo multimercado da Gauss acumulava em 12 meses um rendimento de 221% do CDI, esse retorno caiu para 71% em fevereiro. Em março, houve uma recuperação pequena para 73% com o ganho de 1,05% no mês. Para Okumura, uma mesma dica vale para profissionais e amadores. “O investidor pessoa física, que é o gestor do próprio dinheiro, precisa manter a cabeça aberta e prestar atenção em todas as notícias”, diz ele.
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E-INVESTIDOR: Há semelhanças entre a crise de 2008 e esta de 2020?
FABIO OKUMURA: Sempre, depois da 2ª Guerra Mundial, as crises começavam no sistema financeiro. Em 2008 ela foi endógena, em um mundo de juros baixos e estímulo para os produtos que ocasionou o subprime. Aquilo tudo foi a panela de pressão. Agora não tem nada a ver com o mercado financeiro, mas as consequências serão parecidas, com falências, baixa liquidez, prejuízo no mercado financeiro e em geral. O coronavírus foi devastador e o mercado não absorveu seus efeitos. Em outros, como no tsunami que atingiu o Japão há alguns anos, isso aconteceu.
E-INVESTIDOR: Isso significa que a solução está distante?
FABIO OKUMURA: Não achei que passaria por um momento pior que em 2008. E eu não sou o único gestor a pensar assim. A solução em 2008 para o sistema financeiro, e aqui sem julgamento moral se estava certo ou não, é que os governos salvaram os bancos e o sistema financeiro. Era um problema específico e localizado, portanto mais fácil de agir. Agora, por mais que os bancos centrais no mundo estejam agindo certo ao dar liquidez, isso não é suficiente. A discussão global é sobre saúde e comunicação e não monetária e fiscal. Por isso esta crise é mais grave que todas as anteriores.
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E-INVESTIDOR: Estamos vivendo um período de guerra e não apenas uma crise. Como encontrar oportunidades neste momento?
FABIO OKUMURA: A analogia da guerra é excelente e a incerteza do futuro também traz oportunidades. É importante sempre deixar claro que trabalhamos com risco e retorno e um não anda sem o outro. Os gestores estão debruçados para ver o que não viam antes. Mas é difícil, porque antes desse evento o mercado financeiro reclamava que tinha pouca volatilidade, que o retorno estava baixo, os juros baixos e a liquidez abundante. Agora a curva de risco aumentou. É preciso fazer esse balanço, pois os cenários mudaram totalmente. A dificuldade dos gestores, desta vez, é encontrar os valores escondidos. Porque a maioria não é cientista e, de certa forma, tem de começar a entender um pouco para tomar as decisões com as informações disponíveis. Os BCs podem fazer alguma coisa, mas a resolução do problema depende mais da saúde e dos médicos.
E-INVESTIDOR: Como estava a percepção do sr. antes de tudo isso acontecer?
FABIO OKUMURA: Em janeiro as bolsas estavam nos seus picos históricos, com poucas oportunidades. Mas eu estava muito otimista porque esses recordes não significa que elas estavam próximas do teto. Era uma percepção diferente daquela de 2007, um ano antes do estouro da crise financeira de 2008. Ali havia um oba-oba insano. Era a exuberância irracional do Alan Greenspan [ex-presidente do Fed]. No ano passado, a alavancagem não estava tão alta. Havia riscos de cauda, com a guerra entre EUA e China e um Brexit mais duro, por exemplo. Em janeiro, os bancos centrais estavam baixando juros para estimular as economias. Quando surgiu a primeira notícia sobre o coronavírus, o S&P estava nas máximas históricas, mas muitos gestores que estavam conservadores compraram o índice quando teve a queda de 15%. Depois veio a queda mais forte, que fez o S&P recuar 40% do seu pico. O divisor de águas foi no Carnaval, quando as mortes na Itália e no Irã foram anunciadas. Se num primeiro momento achamos que seria passageiro, depois de 48 horas mudamos a estratégia e adotamos uma posição de hedge, com compra de ouro e outras proteções, sem inventar muito.
E-INVESTIDOR: A Gauss mudou o perfil do investidor e reduziu o aporte mínimo de R$ 200 mil para R$ 10 mil há dois anos. Essa queda gerou algum resgate dos cotistas?
FABIO OKUMURA: Houve pouco ruído porque antecipamos o movimento. Notícia ruim a gente informa na hora. E efetivamente mudamos a carteira. Não dá pra ficar sentado esperando que a estratégia um dia dê certo. Como gestor, procuramos novos fatos sempre.
E-INVESTIDOR: Qual é a dica de um gestor profissional para o investidor pessoa física?
FABIO OKUMURA: Se pegarmos o passado como experiência, o vírus pode demorar a ser controlado, mas uma vacina virá e medidas vão acontecer. É um fator exógeno ao sistema financeiro. Para mim, ainda é cedo para dizer que o mundo vai cair em depressão [grandes perdas econômicas por um período prolongado]. Discute-se se a recuperação será em V, em U ou mesmo em L. É preciso ter a cabeça aberta, neste momento, para os três cenários. Eu não consigo ficar comprado em apenas um deles. O investidor pessoa física, que é o gestor do próprio dinheiro, precisa manter a cabeça aberta e prestar atenção em todas as notícias. Porque o mercado financeiro não gosta de displicência, como as posturas dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro dizendo que o coronavírus é uma gripezinha. Isso faz o mercado sofrer muito porque é preciso um remédio forte e dura neste momento para o isolamento durar o menor tempo possível. A economia a gente resolve depois, as mortes não.