- Paralisação do pagamento de dividendos é medida preventiva que ajuda o fundo a gerar caixa para despesas extraordinárias
- Modelo de negócio dos shopping centers, muito dependente do lojista, ajuda a explicar por que esses estabelecimentos deixaram de receber receita e repassá-la aos cotistas
- Fundos que têm carteiras mais diversificadas pulverizam o risco ao investidor
O cenário econômico negativo causado pelo coronavírus tem provocado abalos em vários tipos de investimentos. Os fundos imobiliários foram um dos mais afetados. Primeiro, os investidores se depararam com quedas bruscas no valor das cotas, em momentos de maior estresse e volatilidade do mercado. No ramo de shopping centers, duramente atingidos pela crise, o XP Malls, com quase 182 mil cotistas, viu o preço da cota cair de R$ 138,80 em 4 de março para R$ 84,79 em 6 de abril. Um movimento semelhante teve o HSI Mall, que detém pouco mais de 71 mil cotistas: de R$ 117,25 para R$ 78,60 no mesmo período. Agora, alguns fundos estão suspendendo ou reduzindo a distribuição de dividendos aos cotistas (veja no quadro mais abaixo).
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Trata-se de mais uma surpresa desagradável para o pequeno investidor que migrou da renda fixa para esse tipo de produto, atraído pela promessa de obter ganhos mensais mais consistentes. “Os fundos imobiliários são obrigados a distribuir dividendos [a lei exige que 95% dos lucros sejam repartidos entre os cotistas a cada seis meses, mas a maioria dos fundos opta por fazer pagamentos mensalmente, como forma de atrair mais interessados]. Essa particularidade faz com que eles sejam muito procurados pela pessoa física, que ganha com a valorização das cotas e com os pagamentos mensais”, diz a analista Maria Clara Negrão, da Ágora Investimentos. “Mas, quando a carteira não aufere ganhos ao longo do mês, não há o que distribuir.”
Hoje, os 228 fundos imobiliários negociados na B3 reúnem 762,4 mil investidores e um patrimônio líquido de R$ 94,5 bilhões. O investidor pessoa física responde por 76,15% das cotas e 71,72% do volume negociado.
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Essa impermanência dos resultados, em contraste com a regularidade dos ganhos da renda fixa, está fazendo os marinheiros de primeira viagem sentirem na pele que o fundo também tem riscos: os mesmos que caracterizam o investimento em imóveis.
“Deter uma cota de fundo imobiliário é como ser dono de um pedaço de um imóvel, que pode ficar vazio ou deixar de gerar renda por um período de tempo”, explica Eduardo Malheiros, CEO da Habitat Capital. “Quanto mais imóveis o fundo tiver na carteira, mais esse risco se dilui. Mas todos os shopping centers fecharem ao mesmo tempo é algo totalmente fora da curva.”
O coronavírus derreteu os dividendos | ||
Fundos imobiliários com shopping centers no portfólio tiveram redução ou suspensão na distribuição de rendimentos aos cotistas | ||
Fundo | Dividendo pré-crise* | Dividendo pós-crise* |
HSI Mall | R$ 0,60 | R$ 0,22 |
Vinci Shoppings | R$ 0,63 | R$ 0,30 |
Hedge Brasil Shopping | R$ 1,40 | R$ 0,90 |
Suspenderam o pagamento: | ||
FII Shopping Pátio Higienópolis | ||
FII Votorantim Shopping | ||
XP Malls | ||
Fonte: gestoras / *Valor por cota / até 06 de abril |
Medida ajuda a proteger o fundo
Em uma situação tão inesperada como a que o mundo está vivendo, a suspensão do pagamento de dividendos vem sendo adotada por alguns gestores como uma medida preventiva para proteger a saúde financeira dos fundos, gerando um caixa que faça frente a despesas extraordinárias.
“Eles não podem distribuir rendimentos e ficar sem reserva alguma”, diz Rossano Nonino, diretor executivo da Ourinvest Real Estate. “O risco de ficar sem caixa é ter que se desfazer de ativos do fundo para pagar dívidas e obrigações financeiras.”
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Na medida em que os rumos da pandemia se definam e o andamento da economia se normalize, a tendência é que o pagamento de dividendos seja retomado – e o próprio excedente de caixa seja distribuído aos cotistas.
Suspensão de pagamentos não é inédita
Ainda que a crise detonada pelo coronavírus seja excepcional, não é a primeira vez que fundos de shopping centers interrompem o pagamento de dividendos a cotistas. Essa estratégia é uma decorrência do próprio modelo de negócio, em que as receitas são muito dependentes do funcionamento normal do comércio.
Um centro de compras tem três tipos de receita. Um é o aluguel fixo que é cobrado dos lojistas pelo uso do espaço. Há uma segunda taxa de locação, variável, que corresponde a um determinado percentual das vendas. A terceira renda é a gerada pelo estacionamento. Com os estabelecimentos fechados, a segunda e a terceira receitas passam a ser zero.
Se, apesar do fechamento, o shopping center continuasse exigindo o pagamento do aluguel fixo, o inquilino quebraria, porque a loja fechada não consegue gerar renda. Como o empreendimento depende do lojista, opta por perdoar o aluguel durante a crise, considerando que é preferível manter o espaço ocupado e não vazio. Sem receber nenhum tipo de renda, porém, não há como distribuir dividendos aos cotistas.
“Essa estratégia foi frequente em 2016 e 2017, anos em que o mercado estava deprimido. Com 70% de vacância, os 30% restantes eram suficientes apenas para pagar os custos”, lembra o economista Philipe Aguiar, da Ativa Investimentos. “Não sobrava nada para os cotistas, os dividendos eram iguais a zero, ou muito baixos.”
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O fundo XP Malls decidiu suspender a distribuição de dividendos aos cotistas no dia 18 de março, quando o governador paulista João Doria ordenou o fechamento dos centros de compra do Estado. A maioria dos shoppings do portfólio interrompeu a cobrança do aluguel aos lojistas; apenas o condomínio foi mantido, já que essa taxa cobre gastos como energia, segurança e limpeza, essenciais para a manutenção mínima dos empreendimentos.
“Nada garante que os lojistas irão pagar. As grandes redes têm fluxo de caixa, mas os pequenos não. A chance de um resultado negativo é real e não sabemos por quanto tempo vai se estender o fechamento”, pondera o gestor do fundo, Pedro Carraz. “Por isso, tomamos uma decisão conservadora de suspender a distribuição de dividendos mensais. Tivemos lucro em fevereiro, mas a partir de março o risco é de prejuízo. Se no final do semestre o saldo for positivo, vamos reparti-lo aos cotistas, como prevê a lei.”
Flutuação é natural, mas há fundos mais e menos instáveis
Nos casos em que a distribuição de dividendos não foi interrompida, a remuneração caiu sensivelmente, o que é natural. Afinal, os resultados obtidos pelo fundo com a exploração dos imóveis também encolheram com a crise. O fundo HSI Mall diminuiu o valor a ser pago por cota de R$ 0,60 para R$ 0,22, uma queda de 63,3%. Já no Vinci Shoppings, o pagamento em março passou de R$ 0,63 para R$ 0,30, uma redução de 52,4%.
O head de real estate da Vinci, Leandro Bousquet, conta que o Vinci Shoppings não suspendeu os pagamentos porque a situação financeira do fundo permitiu manter os repasses, ainda que com valor reduzido. “Além de um caixa confortável, ainda temos alguma reserva de resultados acumulados para distribuir, o que nos deixa protegidos neste momento”, ele explica. “Como não há horizonte definido para a reabertura das lojas e a retomada do consumo, vamos reavaliar o cenário mês a mês.”
Mesmo fora do contexto da pandemia, porém, vale lembrar que esse ramo é marcado por oscilações sazonais. Dezembro é um mês sempre forte, por conta das compras de Natal, e em janeiro o faturamento cai com as férias escolares. Tudo isso se reflete no que é repassado aos cotistas.
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Nem todos os fundos são impactados da mesma maneira. Os galpões de logística, por exemplo, tendem a sofrer menos, graças aos contratos mais longos e rígidos, que dificultam a desocupação pelos inquilinos. Isso garante uma receita mais estável, o que também se espelha nos dividendos.
Há ainda os fundos de papel, cujo lastro não está na exploração de imóveis, e sim no crédito privado concedido por meio de recebíveis do tipo CRI. “O gestor do fundo empresta para empresas e recebe juros. São carteiras bem variadas”, explica Malheiros. “Pode haver a inadimplência de algum devedor, mas dificilmente todos vão deixar de pagar. Temos um fundo em que a maior posição é de 7% na carteira. Se ela der problema, a queda nos dividendos é de apenas 7%.”
Uma terceira modalidade de fundo imobiliário é a que forma sua carteira com cotas de outros fundos imobiliários. É o chamado fundo de fundos. Em geral, esses investem em vários setores diferentes, o que ajuda a pulverizar o risco.
É justamente a diversificação de setores que ajuda esses fundos a garantir um pagamento regular de dividendos. “Em uma crise que afeta shopping centers, um fundo de papel com recebíveis concentrados apenas nesse ramo vai sofrer tanto quanto um fundo de tijolo formado por centros de compras”, afirma Aguiar.
Não fuja: pense em longo prazo e aguarde a recuperação
Para os investidores que ficaram desapontados com a suspensão ou a queda no valor dos dividendos, querer sair do fundo é uma reação compreensível. Mas os especialistas ouvidos pelo E-Investidor garantem: não é uma boa ideia. A crise é passageira e, com a recuperação do mercado, os dividendos voltarão a engordar.
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“Segurem suas posições. Mesmo que o dividendo tenha caído a zero, o shopping foi fechado mas vai continuar lá”, pondera Malheiros. “Não há razão para vender agora com perda de 30% ou 40%.”
Rossano Nonino observa que, depois da onda de pânico que varreu o mercado na terceira semana de março, os fundos imobiliários têm se recuperado mais rapidamente do que as ações. “O Ifix está 20% abaixo dos níveis anteriores ao choque e o Ibovespa, 40% aquém. Para quem tem horizonte de médio e longo prazo, o fundo imobiliário ainda é uma boa aposta”, acredita.
Para o CEO da Habitat, o momento é inclusive de cogitar a compra de mais cotas – desde que esse movimento seja precedido de uma boa pesquisa. “O investidor precisa fazer a lição de casa e entender o que está comprando. Daqui a um ou dois anos, ele vai lembrar que foi uma boa oportunidade comprar no auge desta bagunça.”