- Jack Ma desafiou o sistema bancário chinês para fazer o Ant Group algo muito maior que o pioneiro Alibaba
- A poucos dias de realizar o maior IPO da história, Ant Group trabalha próximo ao governo chinês, que detém participação na empresa
- Alipay tem 730 milhões de usuários na China. País sofre com alto índice de inadimplência em um cenário de crédito fácil
(The New York Times) – Quando Jack Ma, do Alibaba, ajudou a China a se tornar o maior mercado de e-commerce do mundo nas duas últimas décadas, ele também se comprometeu a dar início a uma transformação ainda mais audaciosa.
“Se os bancos não mudam, então vamos mudar os bancos”, disse ele em 2008, denunciando as dificuldades das pequenas empresas na China para obterem empréstimos junto às instituições de crédito estatais.
“O setor financeiro precisa de uma chacoalhada”, disse ele ao People’s Daily, o jornal oficial do Partido Comunista, alguns anos depois. Seu objetivo, afirmou, era fazer os bancos e outras empresas estatais “se sentirem mal”.
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O escopo do sucesso de Jack Ma hoje está mais claro. O instrumento para consolidar suas ambições em termos de tecnologia financeira, o Ant Group, empresa que foi separada do Alibaba, se prepara para o maior IPO do qual se tem notícia. E deverá arrecadar US$ 34 bilhões com a venda das suas ações ao público em Hong Kong e Xangai, segundo documentos divulgados pelas bolsas na segunda-feira (26). Após o IPO o valor da Ant será de cerca de US$ 310 bilhões, muito mais valiosa do que muitos bancos globais.
Ela se tornará uma companhia de capital aberto, mas não vista como uma recém-chegada, mas um colosso fortemente dependente da boa vontade do governo que Ma antes costumava alfinetar.
Alipay tem mais de 730 milhões de usuários
Mais de 730 milhões de pessoas utilizam o aplicativo Alipay da Ant para pagar o almoço, investir suas economias e comprar a crédito. Mas o porte e a importância da Alipay se tornaram um alvo inevitável dos órgãos reguladores chineses, que já controlam suas atividades em algumas áreas.
Atualmente a Ant fala em criar parcerias com grandes bancos, não em desestabilizá-los ou suplantá-los. Alguns fundos e instituições de propriedade do governo são seus acionistas e terão lucros generosos com a oferta pública.
A questão agora é saber a que altura a Ant subirá sem provocar as autoridades chinesas e levá-las a cortarem suas asas ainda mais.
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Investidores entusiasmados consideram a empresa uma inovadora de Internet empolgante. O risco é de ela se tornar uma “empresa de utilidade pública financeira” regulamentada, disse Fraser Howie, coautor do livro “Red Capitalism – The Fragile Financial Foundation of China’s Extraordinary Rise” [Capitalismo vermelho: a base frágil da extraordinária ascensão da China, em tradução livre].
“As ações dessas empresas, pelo que me lembro, não despertavam muito entusiasmo”, afirmou.
O governo chinês é sócio do Ant Group?
A Ant aprendeu como manter as autoridades do seu lado. Outrora, durante os encontros do Fórum Econômico Mundial em Davos, Ma alardeava que jamais obteve dinheiro do governo chinês. Hoje, fundos ligados ao sistema de previdência social na China, o fundo soberano do país, uma empresa de seguro de vida estatal e a empresa estatal dos Correios têm participações na companhia. O IPO provavelmente aumentará consideravelmente o valor das suas holdings.
Em menos de duas gerações a China deixou de ter um sistema financeiro estatal e ficou na vanguarda global das finanças por internet, com trilhões de dólares anuais em transações feitas por celular. A Alipay tem muito a ver com isto.
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Alibaba criou o serviço no início da década de 2000 para registro de pagamentos de compras on-line. Sua utilidade ficou rapidamente clara num país muito atrasado numa era do cartão de crédito. Novos recursos foram adicionados e o número de usuários multiplicou. Ficou impossível para os bancos e os órgãos de fiscalização não verem o aplicativo como uma ameaça.
quiJack Ma, a mente por trás do Ant Group: revolução bancária. (Kiyoshi Ota/ Bloomberg/ Washington Post)
Alipay ofereceu retorno maior que os juros do banco estatal chinês
Um grande teste surgiu quando a Ant fez uma oferta para os usuários do Alipay: “Coloque seu dinheiro numa seção do aplicativo chamado Yu’ebao (que significa ‘tesouro restante’) e lhe pagaremos mais do que os baixos juros fixados pelo governo para os bancos”.
As pessoas podiam investir o quanto desejassem, sentindo que estavam fazendo um bom uso de seus trocados. Yue’bao foi um sucesso e se tornou um dos maiores fundos do mercado monetário do mundo.
Os bancos ficaram aterrorizados. O comentarista de uma emissora chamou o fundo de “vampiro” e “parasita”.
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Mas “todos os principais órgãos regulamentadores foram unânimes em dizer que se tratava de algo positivo para o sistema financeiro chinês”, disse Martin Chorzempa, pesquisador no Peterson Institute for International Economics em Washington.
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Mas depois começaram as preocupações com áreas desregulamentadas, obscuras, das finanças e os riscos para a economia no geral. Hoje, os órgãos reguladores chineses são mais severos na supervisão das holdings financeiras, incluindo a Ant. Pequim tem fiscalizado de perto os instrumentos financeiros que as pequenas instituições de crédito criaram a partir dos seus empréstimos ao consumidor e venda para os investidores. Tais títulos ajudam a Ant a financiar parte dos empréstimos, mas amplificam o risco de uma explosão se um número excessivo do crédito oferecido não for resgatado.
“Esses produtos derivados preocupam realmente o governo”, disse Tian X. Hou, fundadora da empresa de pesquisa TH Data Capital. Diante do tamanho da Ant, disse ela, “o governo deve se preocupar”.
Crédito fácil e inadimplência: dois problemas da China
A preocupação maior da China é com os níveis de aumento da dívida familiar. Pequim quer cultivar uma economia da parte do consumidor, mas o excesso de tomadas de empréstimo no final vai pesar sobre o poder de consumo das pessoas. Os nomes de duas funções de crédito populares do Alipay, Huabei e Jiebei, são um convite entusiasta para gastar e tomar emprestado.
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Os recentes problemas da China com plataformas de crédito on-line independentes colocaram o governo sob pressão para proteger os mutuários.
A Ant é ajudada pelo fato de suas operações se alinharem com muitas das prioridades da liderança chinesa, incentivando os empreendedores e a inclusão financeira e ampliando a classe média. Este ano a companhia ajudou a cidade Hangzhou, onde tem sua sede, a criar uma versão do sistema por aplicativo do governo para ordenar as quarentenas no caso do coronavírus.
Trump não quer empresas ligadas ao governo chinês em Wall Street
Tudo isto deve provocar controvérsias no exterior. Em Washington, empresas de tecnologia chinesas próximas do governo em Pequim são consideradas tóxicas.
Em janeiro de 2017, Eric Jing, então diretor executivo da Ant, afirmou que a meta da companhia era atender dois milhões de usuários em todo o mundo no prazo de uma década. Logo depois a companhia anunciou a aquisição da empresa de transferência de dinheiro MoneyGram para aumentar sua presença nos Estados Unidos. Em janeiro do ano seguinte o acordo morreu, impedido por preocupações envolvendo segurança de dados.
Mais recentemente, autoridades do alto escalão do governo Trump discutiram se colocariam o Ant Group na chamada “lista de entidades”, que proíbe a empresa de adquirir produtos americanos. Membros do Departamento de Estado sugeriram que um comitê composto de várias agencias, as dos departamentos da Defesa, Comércio e Energia, analisasse o caso da companhia no sentido de uma possível inclusão na lista, segundo disseram pessoas com conhecimento do assunto.
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A Ant não se manifestou mais sobre uma expansão nos Estados Unidos. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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