O que este conteúdo fez por você?
- Pandemia transformou hábitos e levou desbancarizados diretamente para a indústria financeira digital
- Instituições tradicionais e fintechs devem coexistir em um mercado com participação ainda periférica das big techs
- Ser uma plataforma onde as pessoas vivem toda sua relação com o dinheiro é o sonho das empresas na nova indústria financeira
(The Economist) – Em 2012, David Vélez tentou abrir uma conta bancária no Brasil. “Parecia que eu estava indo para a cadeia”, relembra. Ele teve de guardar seus pertences num armário antes de passar por uma porta giratória blindada. Depois, esperou uma hora até ser atendido por um gerente mal-humorado que o submeteu a um questionário.
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Cinco meses mais tarde o banco procurou Vélez oferecendo uma conta básica, sem qualquer benefício, pela qual ele teria de pagar centenas de dólares em tarifas, com direito a um cartão de crédito cujas taxas anuais de juros chegavam a 400%. Um ano após essa experiência, Vélez abriu o banco digital Nubank na expectativa de causar uma erosão no irritante oligopólio do setor no Brasil. No início de 2020, o Nubank era avaliado em US$ 10 bilhões.
Mas aí veio a pandemia – e o negócio realmente decolou. Só neste ano o número de contas no Nubank aumentou 50%, atingindo um total de 30 milhões. Em junho a instituição fechou uma parceria com o WhatsApp, que tem 120 milhões de usuários no país, com o objetivo de oferecer pagamentos por meio do serviço de mensagem. Em setembro o Nubank adquiriu a corretora online Easynvest e começou a operar na Colômbia. Em novembro o Brasil vai implantar o Open Banking, numa reforma que dará às fintechs acesso a dados mantidos por bancos, gestoras de fundos e seguradoras. Tudo isso, segundo Vélez, é apenas o início da revolução digital: “ainda estamos no primeiro segundo do primeiro tempo desse jogo”.
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Uma nova era para a indústria financeira mundial
Da mesma maneira que a explosão digital impulsionada pela pandemia está acelerando uma transformação no varejo e no e-commerce, ela está mudando a indústria financeira. Em 2020, a migração de pagamentos físicos para digitais foi drástica. Especialistas ouvidos pela Economist afirmam que a participação de transações financeiras sem dinheiro vivo em todo o mundo atingiu níveis esperados para daqui a dois ou até cinco anos. Só no mês de abril o tráfego de operações bancárias feitas por celular nos Estados Unidos aumentou 85%, e o número de novos usuários inscritos no sistema de internet banking subiu 200%.
Algumas empresas vão faturar com esse movimento; outras vão ficar para trás. O mercado de capitais acredita que este é o despertar de uma nova era: hoje os bancos convencionais representam apenas 72% do valor de mercado total do setor bancário e de pagamentos. No início do ano essa fatia era de 81% e, há dez anos, 96%.
Fintechs como Ant Group e PayPal representam 11% da indústria, e seu valor de mercado praticamente dobrou em 2020, chegando a US$ 900 bilhões. As empresas convencionais de pagamento, que não são bancos (como a Visa), também vão bem, obrigado: elas ocupam os 17% restantes do setor.
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Em algumas áreas, como entretenimento e varejo, a digitalização pode ser o sopro da morte para os dinossauros. Nas finanças, porém, os representantes mais jurássicos dão indícios de que vão sobreviver. Os bancos estão em boa situação, embora sua saúde varie de uma região para outra. As autoridades reguladoras, que têm status de deuses nesse universo, não parecem dispostas a deixar os gigantes sumirem. Com isso, o novo e o velho vão coexistir – e as características exatas desse sistema híbrido vão variar de um lugar para outro.
Indústria de pagamentos puxa a fila da migração para o mundo digital
A aceleração da migração para o mundo digital é mais visível na indústria de pagamentos. Embora a crise tenha aumentado a quantidade de dinheiro vivo guardada pelas pessoas, o ritmo de circulação das cédulas vem caindo – sugerindo que as notas estão virando reserva, em vez de serem gastas. Por outro lado, os pagamentos com cartão não param de subir.
Isso se deve, em parte, ao crescimento vertiginoso das compras pela internet, que levou o e-commerce a dar em meses um salto esperado para um período de anos. Essa tendência, porém, também é sinal de que as lojas físicas estão se mexendo para alcançar clientes online.
No primeiro semestre, a Stripe ajudou um centenário mercado de frutas e legumes de Paris a estabelecer caixas virtuais (e não mais físicos) para finalizar as compras dos clientes, conforme conta John Collison, presidente da empresa americana do setor de pagamentos. Entre março e abril, o volume de pedidos de comida processado pela Marqeta – marca de pagamentos que trabalha com empresas americanas de delivery – triplicou.
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Mesmo com a reabertura do comércio tradicional as pessoas continuam fieis aos cartões de plástico. Em 31 países os governos impulsionaram essa tendência, aumentando os limites permitidos para pagamentos por tecnologia de aproximação (as empresas de cartão pressionam para que o teto seja ainda mais alto).
Visa e Mastercard, que juntas representam 94% das operações processadas no mundo fora da China, tiveram um salto de 40% no primeiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019.
No caso da Square, que ajuda pequenas empresas interessadas em aceitar pagamentos com cartão, a fatia de clientes americanos operando integralmente sem dinheiro vivo passou de 5% em fevereiro para 23% em abril – desde então, o número se estabilizou em 14%. Na Grã-Bretanha, essa participação no momento é de 37%.
Na África, dinheiro digital já era realidade antes da pandemia
A transformação vai além dos cartões. A GoCardless trabalha com companhias que desejam arrecadar pagamentos direto de contas bancárias. Hiroki Takeuchi, CEO da empresa, afirma que muitos negócios cuja receita vem de membros ou mensalistas (como academias de ginástica) aproveitaram a quarentena para deixar de aceitar cash e adotar o débito em conta. Pessoas físicas estão usando serviços de transferência entre indivíduos (em inglês, P2P ou “peer-to-peer”) para enviar recursos para parentes ou pagar aulas de ioga pela internet. Os pagamentos processados nos Estados Unidos pela Venmo, do setor de P2P, aumentaram 50% no segundo trimestre em relação a 2019.
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Fora do Ocidente, as chamadas carteiras digitais (que permitem fazer pagamentos depois de colocar crédito no celular) já estavam disseminadas antes mesmo da pandemia, mas a situação atual deu um empurrãozinho extra. Em julho deste ano, um terço dos 18.000 vendedores ambulantes de Singapura aceitava pagamentos por código QR – uma alta de mais de 50% em apenas dois meses. Na África, muitos governos declararam que essas carteiras são serviços essenciais, acabando com as tarifas impostas sobre as transferências. O serviço de dinheiro digital M-PESA, onipresente no Quênia, teve um crescimento de um quinto nas quantias movimentadas – e isso só no mês de maio.
A digitalização também avança em outras áreas do setor financeiro. Milhões de famílias passaram a contar com auxílio emergencial ou foram postas em regime de licença não-remunerada temporária (mantendo, entretanto, o recebimento de benefícios como a previdência social).
Muitas começaram a investir no mercado acionário sentadas no sofá de casa, usando aplicativos de corretagem com tarifa zero. Um desses apps é o TD Ameritrade, cujo diretor Keith Denerstein afirma que consumidores de todo o mundo abriram 50% mais contas em 2020 até o momento do que no melhor ano registrado anteriormente. Enquanto isso, seguradoras que contavam com equipes de vendas para distribuir suas apólices tiveram de aprender a se virar sem esses profissionais em campo. Sachin Shah, diretor da unidade asiática da Manulife, conta que agora 97% dos produtos da empresa podem ser adquiridos pela internet.
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Bancões se adaptam para serem protagonistas também no ambiente digital
Nem mesmo o coração do setor financeiro de varejo – os bancos – está imune à reviravolta. Instituições ocidentais têm registrado picos de conexão aos aplicativos e aumentos acentuados nas vendas digitais. Nos países emergentes a adesão às operações online é ainda mais rápida, já que uma parcela maior da população é desbancarizada e está entrando nesse universo pela primeira vez.
José Antonio Álvarez, CEO do grupo espanhol Santander (presente em três continentes), afirma que o uso dos canais digitais do banco subiu 20% na Europa, 30% na América do Sul e 50% no México durante o primeiro semestre, em relação ao mesmo período do ano passado.
Por si só, as finanças digitais já ajudam a impulsionar a inclusão. Somadas à pandemia dos últimos meses, elas acabaram atraindo ainda mais gente para o sistema bancário. Em abril, a DBS, maior instituição de crédito de Cingapura, abriu 40 mil contas para migrantes internos num único fim de semana, para que eles pudessem enviar dinheiro por internet para suas cidades de origem.
O governo brasileiro, que está oferecendo um benefício emergencial a 60 milhões de pessoas, turbinou o uso das transferências digitais para alcançar cidadãos em áreas remotas da Amazônia. No Quênia, Joshua Oigara – diretor do maior banco do país, o KCB – diz que o número de clientes que usa o aplicativo da instituição dobrou desde a chegada da covid-19. Essas pessoas movimentaram 35 bilhões de xelins quenianos (US$ 329 milhões) de carteiras digitais para contas bancárias em junho, seis vezes mais do que em janeiro.
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É provável que tais mudanças de comportamento tenham vindo para ficar. Muitos clientes desconheciam as tecnologias digitais antes da pandemia, e pesquisas recentes mostram que eles gostaram da novidade.
Segundo a empresa de pesquisa Forrester, em abril deste ano quase um quinto dos adultos americanos fez pagamentos digitais pela primeira vez. Desde fevereiro o Nubank vem ganhando 30 mil novos usuários por mês com idade superior a 60 anos.
A consultoria Bain fez uma pesquisa global e descobriu que 95% dos consumidores pretendem recorrer aos bancos online mesmo depois que a crise do coronavírus arrefecer. E os bancos, que já estavam planejando a redução de sua pegada física, passaram a fechar agências num ritmo mais acelerado que o planejado: no Brasil, 1.500 pontos de atendimento foram eliminados este ano, ou 7% do total do país. Já os bancos europeus calculam que 2.500 agências deixarão de existir.
Para Allison Beer, do JPMorgan Chase (maior instituição de crédito dos Estados Unidos), os bancos vão tentar concentrar na internet as operações e negócios cotidianos, reservando aos espaços físicos que continuarem abertos – muitos em versão reformulada – a tarefa de oferecer serviços de “alto valor”, como consultoria financeira.
Na moda das plataformas, “todo mundo quer ser uma home page”
Um novo modelo de negócios está surgindo em meio a toda essa movimentação digital, atraindo novas empresas, bancos, sites de e-commerce, fintechs, redes sociais, aplicativos de táxi e companhias de telecomunicação: todos prometem se transformar em “plataformas”. Isso significa serem mercados onde o usuário pode adquirir uma série de produtos financeiros criados internamente ou por terceiros.
“Todo mundo quer ser uma home page”, afirma Tara Reeves da Omers Ventures – braço de capital de risco do fundo de pensão dos funcionários públicos da província de Ontário, no Canadá.
Já o Grab, aplicativo de transporte privado que se tornou a maior carteira digital de Cingapura, tem mais de 60 conexões com bancos, seguradoras e outras empresas financeiras. Reuben Lai, diretor do Grab, diz que o objetivo é ser uma “plataforma central” para atender às necessidades financeiras dos cidadãos do sudeste asiático.
Os investidores sabem que, com o tempo, as empresas de “finanças embutidas” – ou seja, que oferecem crédito, seguro e investimentos em aplicativos ou sites originalmente dedicados a outras áreas que não o setor financeiro – podem se tornar tão valiosas quanto as companhias do setor de pagamentos são hoje. Com isso, bancos e fintechs correm para integrar os serviços que oferecem.
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Em setembro o Yandex, aplicativo líder em pesquisa na internet e serviços de transporte privado na Rússia, anunciou que pretende se transformar no maior banco digital do país. Uma semana depois o Sberbank, maior instituição de crédito russa, tirou o “bank” do nome para iniciar uma reformulação da marca e se tornar uma empresa “tech” que oferece desde entrega de comida a telemedicina. Peter Ndegwa, diretor da companhia queniana de telecomunicações Safaricom (principal acionista da M-PESA), quer que o serviço vire uma marca de “lifestyle” capaz de oferecer cheque especial, empréstimos, gestão de grandes fortunas e seguro.
O maior atrativo do novo modelo é o retorno. O aumento na concorrência e (nos países ricos) as taxas de juros em queda histórica reduzem a margem sobre o crédito, forçando os bancos a diversificar. As jovens empresas de tecnologia que entram em cena agora, por sua vez, querem aumentar a adesão a seus aplicativos para conseguir vender mais produtos (quando esse é seu negócio principal) ou faturar em cima dos serviços financeiros de terceiros distribuídos por elas. Num momento em que as agências físicas se tornam irrelevantes, o setor financeiro adentra a era da economia em rede – que já virou outras indústrias de cabeça para baixo. Para Huw van Steenis, do banco UBS, a pandemia está acelerando uma dinâmica na qual o vencedor fica com a maior fatia e as plataformas mais populares atraem um tráfego exponencialmente maior.
Boa parte dos ganhos poderia vir da capacidade de reunir e explorar dados há tempos divididos em diferentes serviços financeiros. Munidas de um retrato abrangente do comportamento de cada usuário, as empresas poderiam usar algoritmos que cuspam dicas sobre, por exemplo, como economizar para comprar a casa dos seus sonhos.
Com isso a plataforma se torna ainda mais interessante para o consumidor e permite que o serviço, por sua vez, recomende mais e mais produtos. A fintech Backbase, que cria software de transações financeiras digitais para grandes empresas tradicionais, trabalha para desenvolver esse tipo de feitiçaria. “Quanto mais as pessoas contam para a gente sobre seu cotidiano, mais benefícios a gente consegue oferecer”, explica o diretor da empresa, Jouk Pleiter.
Big techs continuam à margem da indústria financeira
Embora tenham tido um efeito devastador sobre grandes empresas tradicionais de outros setores, as chamadas Big Tech vêm enfrentado a realidade de viver à margem da indústria financeira. As tentativas do Facebook de entrar no páreo dos pagamentos não avançaram. O número de sites americanos de e-commerce que adotaram o botão de “caixa virtual” da Amazon (usado quando o cliente vai encerrar a compra) cresce a passos lentos, conforme atesta Lisa Ellis da consultoria MoffettNathanson.
O Google se uniu a bancos para oferecer contas-corrente e poupanças; na Índia o aplicativo da empresa domina o cenário, e concede crédito instantâneo aos consumidores. Mesmo assim, Diana Layfield, executiva da área de pagamentos da gigante californiana, insiste em dizer que a ideia “não é virar uma plataforma imensa e unificadora”. (Talvez porque a empresa esteja de olho num mercado mais suculento. Se a princípio o setor financeiro demorou para transferir seus dados para a nuvem, agora parece mais disposto a fazê-lo. E isso vai beneficiar sobretudo Alibaba – ex-empresa mãe do Ant Group –, Amazon, Google e Microsoft.)
Mas onde é que ficam os bancos nessa história toda? Muitas fintechs, com seus apps lustrosos e análises de risco afiadas, certamente estão em vantagem. Ocorre que essas empresas não querem usurpar os devedores.
Isso porque os serviços bancários se dividem em duas partes, conforme explica Miklós Dietz, da consultoria McKinsey. O “core banking” é composto por atividades altamente reguladas, que consomem muito capital – como gerir o balanço financeiro. Essa parte representa US$ 3 trilhões de receita globalmente, e registra um retorno sobre patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) de 5% a 6%. Por outro lado, linhas de negócios mais flexíveis, como pagamentos ou distribuição de produtos, geram US$ 2,5 trilhões em vendas e um ROE de 20%. As fintechs estão interessadas no pedaço mais saboroso dessa receita – para isso, entretanto, precisam que os bancos se mantenham vivos.
Um exemplo de como funcionaria essa coexistência pode ser observado na China. O duopólio Tencent-Ant usa algoritmos parrudos para determinar o preço e distribuir uma parte crescente dos empréstimos oferecidos a consumidores e pequenas empresas do país. Mas os produtos vendidos pela dupla de gigantes são mantidos nos balanços dos bancos. E, embora os bancos tenham direito a uma bela mordida (uma parcela considerável do lucro dos credores fica com eles), as instituições tradicionais aceitam o esquema porque precisam desse acesso.
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Essa convivência assume formas diferentes em cada ponto do globo. Alguns bancos estão mais ajustados do que outros ao novo universo da tecnologia, o que por si só já determina a situação atual dessas instituições. Dirk Vater, da Bain, enxerga um elo forte entre o desempenho digital de um banco e o tamanho do tranco sofrido na crise financeira de 2007-09.
Pressionados por empréstimos ineficientes e baixas taxas de juros, os bancos europeus passaram a década de 2010 cortando custos, e não investindo em transformação. Seus aplicativos não fazem grande coisa.
Por outro lado, o Commonwealth Bank of Australia, sediado num país que saiu ileso da crise, criou um app elogiado por oferecer um serviço personalizado, padrão Netflix: ele avisa o usuário quando uma conta está prestes a vencer e oferece consultoria na época de entregar a declaração de imposto de renda. Piyush Gupta, chefe do DBS, conta que passou os últimos meses solucionando os engasgos na “última milha” da plataforma online do banco, para poder vender pela internet produtos complexos como crédito imobiliário.
Em cada país, uma regulação diferente para as Big Techs
A legislação é outro fator que vai determinar quanto as empresas de tecnologia poderão arrancar dos bancos. Na China, há tempos elas têm espaço para se movimentar livremente (embora algumas regras recentes tenham restringido essa liberdade para proteger os bancos). No extremo oposto, os Estados Unidos são o mercado que mais protege as grandes instituições e as empresas de cartões: o país está demorando a construir uma rede para pagamentos rápidos, e dificulta a obtenção de licenças para bancos digitais.
Por lá, a decisão sobre quando os dados serão compartilhados – e a que preço – ficou nas mãos do mercado. Europa e nações emergentes estão no meio do caminho: tentam incentivar a concorrência permitindo a circulação de dados. Em breve, algum tipo de versão do Open Banking estará disponível em 51 países, do México à Malásia.
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Avaliando essas condições iniciais, é possível entender por que determinados sistemas financeiros estão onde estão hoje – e onde podem estar no futuro. Os Estados Unidos estão no nível zero: os clientes se veem presos a esquemas de cartão de crédito difíceis de abandonar, financiados por tarifas extorsivas impostas aos lojistas. As empresas de tecnologia dependem de uma tubulação financeira enferrujada, comandada por bancos grandes, tradicionais – e bem protegidos.
No nível um do desenvolvimento dessa indústria, os bancos ainda seriam responsáveis pela infraestrutura – mas pagamentos e outras tarefas não-prioritárias poderiam se abrir para novas empresas. As fintechs europeias, por exemplo, podem iniciar processos de transferência, mas ainda movimentam os valores entre contas bancárias. Na Suécia, as jovens firmas de tecnologia são responsáveis por gerar 60% dos empréstimos para pessoas físicas.
Em seguida, no nível dois, os pagamentos deixariam os grandes bancos de fora – como ocorre, por exemplo, na circulação de recursos entre carteiras digitais na África, que não passam pelos bancos. No entanto, a maioria dos serviços financeiros ainda depende das instituições. O nível três é o reino dos “super apps”, como Grab e Gojek no sudeste asiático – que começaram na condição de serviços de transporte particular – ou como o Mercado Pago, braço financeiro do MercadoLibre, maior site de e-commerce da América Latina. Os super apps querem se tornar mercados de serviços financeiros, capazes de oferecer uma ampla gama de produtos – em sua maioria produzidos por outras instituições. As versões mais avançadas desse sistema são alguns aplicativos chineses.
O nível quatro provavelmente não vai existir enquanto as autoridades reguladoras continuarem decididas a garantir a sobrevivência dos bancos: nele, empresas não-bancárias dominariam tanto a produção quanto a distribuição de serviços financeiros. Porém, com tantos países ainda tão distantes desse estágio, isso deixa muito espaço para grandes transformações nos próximos anos.
(Tradução: Beatriz Velloso)
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