- Carlos Kawall é diretor do Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional
- Segundo o especialista, com desemprego alto, juros baixos e inflação contida, o Brasil deve apresentar uma recuperação menos robusta do que o esperado para 2021
- Neste cenário, as oportunidades na renda fixa estarão nos juros mais longos, que devem seguir em alta por conta da incerteza fiscal
Depois de um ano cheio de adversidades e com juros baixíssimos, finalmente chegamos na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Nesta quarta-feira (7), o órgão decidiu manter a Selic no patamar de 2% – essa é a terceira vez que a taxa básica de juros não sofre alteração, após nove cortes consecutivos. Em 2021, também não são esperadas muitas surpresas.
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Na visão de Carlos Kawall, diretor do Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, os juros podem subir no ano que vem se o País não avançar com as reformas e não mantiver o compromisso com o teto de gastos. “Podemos ter uma crise de confiança na economia”, diz. “Neste cenário, o Banco Central precisaria subir os juros pelo motivo errado. Não porque a economia está crescendo, mas porque a inflação voltaria mais rapidamente em um contexto de disparada do dólar.”
Como o próximo ano pode trazer uma taxa de desemprego recorde e uma ociosidade elevada, há condições suficientes para o Banco Central sustentar a Selic em 2%. “Entendemos que a recuperação da economia em 2021 não vai ser tão intensa como muitos estimam”, afirma Kawall.
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Mesmo com a Selic baixa, o especialista aponta oportunidades na renda fixa e segmentos promissores na renda variável. Veja a entrevista completa:
E-Investidor – Estamos na última reunião do Copom. Como o Sr. avalia a atuação do Banco Central em 2020?
Carlos Kawall – A atuação no ano me pareceu bastante apropriada, principalmente com a reação da política monetária à pandemia. Além de mobilizar um amplo conjunto de medidas de amparo ao mercado via expansão de liquidez, o Banco Central acabou usando o instrumento convencional, de redução da Selic, e de uma forma bastante oportuna.
Se não avançarmos nas reformas, podemos ter uma crise de confiança na economia em 2021
Em um momento inicial, a instituição foi mais cautelosa. Primeiro reduziu a taxa de forma mais modesta, naquele início de pandemia em que a gente tinha muita pressão no câmbio e saída de recursos do País. Nas reuniões subsequentes, o BACEN intensificou os cortes e nos colocou nesse patamar atual de 2%, que é um estágio estimulativo da recuperação da economia.
E-Investidor – Alguns economistas projetam alta no ano que vem. Na sua visão, o BACEN consegue manter a Selic em 2% em 2021 ou há espaço para ajustes?
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Kawall – Antevemos no ASA a manutenção da Selic durante o ano de 2021, com a sua elevação ocorrendo em meados de 2022. Isso em função de algumas coisas: entendemos que a inflação dos últimos meses, e que será bastante elevada em dezembro, se deve a fatores mais pontuais, como o choque no preço de alimentos, que deve encerrar esse ano com alta acima de 18%.
Em segundo lugar, vemos que a recuperação da economia em 2021 não será tão intensa como muitos estimam. O consenso do Banco Central é uma alta de 3,5% do PIB no ano que vem, enquanto nós esperamos uma alta de 2,2%. Com isso, a taxa de desemprego permanecerá bastante elevada. Ela deve saltar ao longo do próximo ano até atingir o pico da série histórica, de 16%. Nesse contexto, não teríamos porque nos preocupar com pressões inflacionárias e o Banco Central teria condições de manter a Selic de 2% por bastante tempo.
Por último, o movimento de queda do dólar, que esperamos para o ano que vem, também deve contribuir para uma maior tranquilidade da inflação. Estimamos que a moeda possa chegar a R$ 4,80 no final de 2021.
E-Investidor – Essas projeções já incluem o andamento das reformas? Ou o avanço das pautas pode alterar o caminho para o PIB, Selic e câmbio?
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Kawall – O andamento de reformas é o fator crucial. Se houver um avanço decisivo das reformas e consolidarmos o ajuste fiscal, que é o calcanhar de Aquiles do País, podemos ter um crescimento econômico maior. Com a hipótese de uma recuperação da economia mais intensa, seria necessário elevar os juros mais cedo, mas por um bom motivo.
No sentido contrário, se não avançarmos nas reformas e inclusive fragilizarmos o arcabouço fiscal [teto de gastos], notadamente podemos ter uma crise de confiança na economia. É importante lembrar que estamos com níveis de dívida/PIB do Governo se aproximando a 100% e podemos ter um aumento de incerteza, aversão a risco e alta do dólar. Dessa maneira, o Banco Central precisaria subir os juros pelo motivo errado, não porque a economia estaria crescendo, mas porque a inflação estaria voltando mais rapidamente em contexto de incerteza e disparada de dólar.
Acreditamos que haverá espaço para esses avanços no ano que vem, mas limitados pela conjuntura política que nós vivemos no momento, em que há uma divisão entre aqueles que apoiam o Governo, que darão suporte na reeleição do presidente Jair Bolsonaro, e os que buscam uma candidatura alternativa no centro.
Portanto, reformas mais consensuais podem avançar, mas serão limitadas.
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E-Investidor – Quais seriam essas reformas mais e menos consensuais?
Kawall – Em relação às menos consensuais, seria aprofundar reformas ligadas à redução de gastos públicos, como a reforma tributária, que tem mais dificuldade junto ao próprio setor privado. Essas são as mais difíceis.
Vejo com mais chances de serem aprovadas a reforma administrativa, que já tem um grau de apoio bastante importante no Congresso Nacional, e a reforma infraconstitucional, que não envolve a mudança da Constituição ou marcos regulatórios, como o do setor ferroviário e de gás natural. Acho que haverá algum avanço, mas limitado a pautas menos polêmicas. Também acreditamos no avanço das privatizações.
E-Investidor – Falando na parte fiscal, a possibilidade de o Governo furar o teto de gastos ainda está no radar do mercado? Como você interpreta os sinais vindos de Brasília?
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Kawall – São sinais dúbios, para dizer o mínimo. Nesse final de ano parece que o compromisso com a manutenção do teto se fortaleceu e nós não deveremos ter uma PEC que proponha alterações de benefícios sociais, renda brasil e etc, que extrapolem o teto. Essa era uma das incertezas que nós vivíamos. Não acredito que haja espaço para prorrogação do estado de calamidade, que vence em 31 de dezembro deste ano e excepcionaliza os gastos ligados à pandemia.
Nem a alteração do teto em si, nem a excepcionalização via decreto de calamidade, devem prosperar nesse final de ano. E aí entra o ano que vem, que tem eleição no Congresso pós-recesso. Essa incerteza pode durar ainda mais tempo. Se de um lado temos uma equipe econômica aversa a essa alteração, é frequente nós termos ruídos vindos da área política, dos ministros ligados ao desenvolvimento regional, infraestrutura, que por vezes dão sinais de que gostariam de alguma flexibilização para aumento de gastos.
Em resumo, é uma incerteza que diminuiu no curto prazo, mas não de uma maneira convincente, de tal forma que nós pudéssemos enxergar que esse assunto está ‘definitivamente encerrado’.
E-Investidor – Com a possível normalização da política monetária, qual o cuidado necessário para não retirar estímulos que barrem o crescimento?
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Kawall – O Banco Central está fazendo um excelente trabalho e o regime de metas de inflação tem uma métrica que está ligada para olhar as expectativas de inflação e acompanhar o grau de ociosidade da economia – que é bastante grande, principalmente no mercado de trabalho. Por intermédio desse acompanhamento, que envolve modelagem, estatística, econométrica e etc, nós do mercado, a academia, e também o Governo e Banco Central, vamos acompanhando os indicadores e sinalizando quais são os movimentos prováveis.
Estamos em uma situação em que o Banco Central sentiu a necessidade de adotar aquela prescrição futura, o forward guidance, em que ele se compromete a assumir um pouco mais de risco no controle da política monetária, mantendo os juros baixos por mais tempo. O viés dele é tentar manter os juros mais baixos por mais tempo, em função da situação adversa da economia e do mercado de trabalho. Não vejo que o BACEN se precipitaria e subiria os juros prematuramente.
Agora isso vai depender da evolução da inflação e sobretudo da pilastra da nossa política fiscal, que é o teto de gastos. Semantivermos essa pilastra, você joga a alta de juros mais pra frente. Se fizermos qualquer tipo de movimento no sentido de alterá-la, nós trazemos a alta de juros mais para perto.
E-Investidor – E como fica a renda fixa nesse cenário? Ainda existem oportunidades?
Kawall – Como temos um nível de endividamento muito elevado, existem oportunidades atraentes ao longo da curva de juros. Mas tem que ser no juro mais longo, não vai ser na Selic e no CDI que você vai encontrar um bom retorno.
Claro que isso também reflete esse quadro da incerteza. Se nós tivéssemos um pouco mais de robustez via reformas e toda a parte fiscal, poderíamos fazer com que esses juros caíssem e representassem uma oportunidade para o investidor. Se o juro é alto, você inverte e ele fica ainda mais alto, o investidor perde. Teríamos que ter um ciclo virtuoso de aumento de crescimento e continuidade das reformas. Dessa forma, a renda fixa ficaria mais atrativa.
Agora, o juro baixo é bom porque reduz o custo do crédito, mas outro fator é você estimular a demanda por ativos de risco. Ao investir no setor imobiliário, por exemplo, você acaba em algum momento estimulando a construção de imóveis. Quando você investe na Bolsa, você ajuda o processo de capitalização das empresas e cria para ela um ambiente favorável para investir, que é dado pelo juro baixo de um lado e pela capacidade delas se alavancarem via emissão de ações.
Tivemos esse ano um nível espetacular de ofertas de ações e IPOs de empresas de pequeno porte. Parte cancelou suas emissões exatamente por conta dessa volatilidade causada pela insegurança fiscal. Se isso for reduzido, ajuda no processo de recuperação via juro baixo. Há oportunidades na renda fixa, mas há também em ativos de risco.
E-Investidor – Quais setores da Bolsa podem se beneficiar no ano que vem?
Kawall – Além do imobiliário, há outros segmentos que ganham com juros baixos, como o de construção civil em geral e de infraestrutura, onde haverá um grande conjunto de privatizações. Também se beneficiam outros setores que têm sido ganhadores nesse ambiente novo, como o comércio eletrônico e empresas de tecnologia, além dos segmentos que foram muito penalizados na pandemia, mas que com a perspectiva de vacinação e redução do distanciamento, podem ter uma recuperação. Esse seria o caso de empresas de serviços, como shoppings centers, aéreas e de turismo.
O setor de commodities também. A expectativa é que tenhamos um crescimento muito forte da economia chinesa. O país deve crescer entre 1,5% a 2% esse ano, mas a perspectiva é que ela cresça mais de 8% no ano que vem. A recuperação da China, e da economia global como um todo, é positiva para os preços das commodities, como petróleo e minério.
E-Investidor – O que mais o investidor precisa se atentar em 2021 para não ver os investimentos derreterem?
Kawall – Além da evolução da própria pandemia, acompanhar o quadro político e a evolução das reformas. Poderemos chegar ao final de 2021 com um ano muito melhor do que começamos, talvez até melhor do que a expectativa. Mas também podemos chegar no final do ano que vem com uma grande decepção, se o quadro político apostar no populismo e na ideia de que gastar mais é a saída para o problema. A sáida, na verdade, é o governo tentar gastar menos e ser mais eficiente, porque já gastou muito na pandemia. Mas a tentação do jogo político é sempre essa e na medida que a gente se aproxima da eleição de 2022, essa tentação vai ficando maior.
Na hipótese de a pandemia arrefecer e a economia global crescer bastante ano que vem, com juros baixíssimos e liquidez muito elevada, teremos um cenário internacional espetacular, talvez o melhor dos últimos anos, mas o Brasil já perdeu várias dessas oportunidades. Durante anos começamos o ano com um cenário internacional muito favorável e o Brasil desperdiçava. Vai depender, sobretudo, de nós mesmos.