- O principal relatório de empregos dos Estados Unidos, mais conhecido com payroll, deve ser divulgado na sexta-feira (6), trazendo dados de agosto
- No início do mês passado, um payroll abaixo do esperado fez as Bolsas globais sofrerem uma queda generalizada e o "índice do medo" de Wall Street atingir o maior patamar desde 2020
- Agora investidores aguardam o dado relativo a agosto, enquanto se preparam para a próxima decisão de juros do Federal Reserve (Fed)
O mercado espera ansiosamente pela divulgação do payroll (relatório oficial de empregos dos Estados Unidos) de agosto, nesta sexta-feira (6) às 9h30. A inquietação pelo dado se justifica após o relatório de julho ter vindo abaixo do esperado por casas de análise, causando um “pânico generalizado” nos mercados globais, no dia que ficou conhecido como a nova “Black Monday” dos índices acionários. Agora a dúvida que resta é a seguinte: há chances de mais um pregão de caos abalar os investidores em setembro?
Leia também
Leia mais: Pânico nas bolsas: o que aconteceu com os mercados globais em 5 de agosto?
Em 5 de agosto, uma queda generalizada afetou os mercados mundiais e fez o VIX (Volatility Index em inglês) – “índice do medo” de Wall Street – atingir o maior patamar desde 2020, época marcada pela pandemia de Covid-19. Os sinais da cautela dos investidores começaram com o tombo de 12,4% do índice japonês Nikkei, em Tóquio.
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
Essa foi a maior queda sofrida pelo indicador desde 1987, quando ocorreu a “Black Monday” original – ou “Segunda-Feira Negra”, na tradução em português –, data que inspirou a criação do mecanismo de circuit breaker (instrumento de segurança utilizado para interromper todas as operações da Bolsa de Valores). Na ocasião, o grande destaque ficou para a variação do índice norte-americano Dow Jones, que despencou 22,6%.
Já na “Black Monday” de 2024, as Bolsas americanas, apesar de não escaparem ilesas, conseguiram evitar perdas mais intensas que as do passado. Nasdaq recuou 3,43%, após ter chegado a cair mais de 6% pela manhã do dia 5. Enquanto isso, Dow Jones e S&P 500 cederam 2,60% e 2,99%, respectivamente. No Brasil, o saldo final não foi tão negativo, com o Ibovespa caindo apenas 0,46%.
Por trás do dia de pânico nos mercados globais, estiveram os dados do payroll, divulgados em 2 de agosto, que vieram abaixo do esperado. O relatório mostrou a criação de 114 mil trabalhos em julho nos Estados Unidos, em termos líquidos. O resultado ficou abaixo do piso das expectativas de analistas consultados pelo Projeções Broadcast, que variavam de 135 mil a 225 mil vagas, com mediana de 180 mil. Com isso, cresceram as preocupações de que o país pudesse estar prestes a entrar em recessão.
Dados posteriores aliviaram as preocupações em torno dessa possibilidade, demonstrando que a economia americana segue aquecida. Mas o susto com o payroll permaneceu entre os investidores, que agora aguardam com grande expectativa os mais recentes números do relatório. De acordo com analistas consultados pelo E-Investidor, a previsão é de que a geração líquida de empregos de agosto fique em torno de 164 mil a 165 mil.
Quanto à taxa de desemprego, que alcançou um patamar de 4,3% em julho, a expectativa é de que ela diminua em direção a 4,2% em agosto. “A gente acredita que a taxa de desemprego não deve mostrar um aumento, dado que a ampliação no mês anterior ocorreu por fatores sazonais e por um declínio nos empregos temporários”, explica Lucas Farina, analista econômico da Genial Investimentos.
Publicidade
Quando o assunto é a possibilidade de que o payroll de agosto gere mais um dia de pânico nos mercados, não há consenso entre os analistas. Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, é do time dos que temem uma nova reação negativa dos investidores em relação aos dados. “É possível sim que isso ocorra novamente. O tema da recessão está no centro da discussão macroeconômica desde meados de 2023 e com o enfraquecimento mais nítido nos últimos indicadores passou a ser a principal preocupação dos mercados e também dos membros do Federal Reserve (Fed)”, afirma.
Rubens Cittadin, operador de renda variável da Manchester Investimentos, tem a mesma opinião. Para ele, uma quebra de expectativas, como a que ocorreu no mês passado, pode reforçar ainda mais o medo que o mercado sentiu em relação a uma crise econômica nos Estados Unidos. “Entretanto, se os dados do payroll vierem demasiadamente acima do projetado, pode acender um alerta para o Federal Reserve (Fed) e para o mercado, pondo em cheque um corte de juros mais intenso em setembro”, diz.
Quem também acredita que dados aquém do esperado podem gerar estresse no mercado é Rodrigo Alvarenga, sócio da One Investimentos. Na opinião dele, se o payroll mostrar uma criação de vagas muito abaixo da projeção de 164 mil, as Bolsas globais poderiam se movimentar de forma parecida ao que ocorreu em 5 de agosto. “Nesse cenário, a curva de juros americana teria um fechamento forte, com os mercados acionários registrando quedas relevantes”, destaca.
Há quem discorde, no entanto, de que um dia como o da “Black Monday” possa se repetir. “Eu diria que seria difícil observamos um movimento tão forte como o visto no início do mês passado. Para acontecer algo naquela escala, teria que ser uma leitura de fato catastrófica do payroll e muito pior do que a esperada”, afirma José Maria Silva, coordenador de alocação e inteligência da Avenue.
Para ele, mesmo que o dado decepcionasse a ponto de mostrar a criação de menos de 164 mil trabalhos, a reação do mercado não seria tão agressiva como a do começo de agosto. Isso porque o pânico no mês passado não foi causado unicamente pelo payroll. Na época, houve ainda uma desmontagem das posições de carry trade com iene, após o Banco Central do Japão (BoJ) aumentar a sua taxa de juros para a faixa entre 0,15% e 0,25%.
Publicidade
Leia mais: O que aconteceu com o mercado financeiro? Veja um resumo do 5 de agosto tenso
As operações de carry trade são muito utilizadas por investidores profissionais para obter lucros com base na diferença entre a taxa de juros de dois países. Com o aperto da política monetária japonesa, quem tinha posições como essas em iene precisou se desfazer delas para não sair no prejuízo, o que impactou o mercado como um todo.
“Como esse fenômeno foi esporádico, ele não se repetirá novamente na mesma intensidade. Portanto, essa parte da equação não voltará a acontecer agora. O mercado hoje está mais preparado para conviver melhor com a expectativa de que a economia americana está desacelerando”, pontua Silva.
Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, concorda que um dia de pânico, como o ocorrido em 5 de agosto, é difícil de se repetir. “A gente viu um pouco desse fenômeno no início de setembro, após dados de construção virem abaixo do esperado. Mas não foi nem de longe com a mesma amplitude”, diz. “O payroll pode ter um efeito negativo nesta semana, mas não vai ser tão brusco quanto o que observamos em agosto”, complementa.
Possibilidade de recessão ainda está em jogo?
Para Spiess, a economia americana não se encaminha rumo a uma recessão no curto prazo. Dados recentes têm vindo mais fortes do que o esperado. Na última semana, por exemplo, a segunda leitura do Produto Interno Bruto (PIB) americano, divulgada pelo Departamento de Comércio do país, mostrou que o indicador cresceu ao ritmo anualizado de 3,0% no segundo trimestre de 2024, superando a avaliação anterior.
Historicamente, conforme explica o analista da Empiricus Research, os departamentos de estatísticas econômicas dos Estados Unidos têm utilizado o seguinte critério para determinar uma recessão técnica no país: dois trimestres de queda do PIB, mais um relatório de emprego negativo – cenário que não é observado atualmente.
Publicidade
A avaliação de Silva, da Avenue, é de que o mercado entendeu que a economia americana está sim desacelerando, mas segue dando sinais de resiliência no que se refere aos gastos com o consumidor. O índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês), por exemplo, avançou 0,2% em julho, na comparação com junho. A taxa veio em linha com o previsto pelo consenso de analistas ouvidos pela FactSet.
“O consumidor americano continua forte. Então, acho que o principal dado agora de fato para monitorar são a taxa de desemprego e o payroll, já que a criação de trabalho acaba por ser um indicador importante”, reforça Silva.
Se o relatório oficial de empregos vier abaixo do consenso, o alerta será novamente ligado e poderá influenciar a decisão de juros do Fed de setembro. Caso o dado de agosto venha aquém do esperado, a autoridade monetária poderá ficar mais disposta a realiza um corte de 0,5 ponto percentual nas taxas já neste mês, dada a necessidade de aquecer o mercado de trabalho.
“Na contramão, um payroll acima do projetado deverá ocasionar maior cautela em relação a cortes de juros nos Estados Unidos em 2024, indicando uma inflação ainda persistente”, pondera Cittadin, da Manchester Investimentos.
Como o payroll pode impactar os investimentos no Brasil?
Apesar de o payroll ser um dado econômico americano, ele também afeta os investimentos brasileiros. Caso o relatório venha fraco pela segunda vez consecutiva, as preocupações com a possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos vão ressurgir e aumentar as chances de maiores cortes de juros por lá.
Com isso, existem dois efeitos potenciais, conforme sinaliza Igliori, economista-chefe da Nomad. “De um lado, a perspectiva de uma crise econômica tende a incentivar movimentos de diminuição de risco, prejudicando países emergentes, com pressão sobre o dólar e a Bolsa“, afirma
Publicidade
Por outro lado, um payroll fraco estimularia o Fed a realizar um corte mais acentuado nos juros americanos em setembro, o que levaria a um maior diferencial entre as taxas brasileiras e americanas. Um cenário como esse torna o real mais atrativo frente ao dólar.
“Poderíamos ver a moeda americana cedendo um pouco – até nossa curva de juros poderia recuar. Mas essas projeções são especulativas, porque dependeriam muito do modo como o mercado precificaria nos Estados Unidos o payroll abaixo do esperado”, pontua Alvarenga, da One Investimentos.
Se os investidores interpretarem o dado como a sinalização de uma crise significativa por lá, o mercado brasileiro tende a sofrer oscilações. Já se entenderem que o relatório só mostrou uma desaceleração da economia americana, o Ibovespa, por ter um valuation atrativo, pode voltar a subir no médio prazo, com a entrada de um maior fluxo de estrangeiros.
Pensando agora em um cenário em que o payroll venha acima das projeções, a Bolsa brasileira pode operar sem uma direção tão clara. Isso porque um mercado de trabalho forte nos Estados Unidos dificulta cortes de juros em escala global, impactando em um juro futuro mais alto no Brasil e em um dólar mais forte.
Apesar do payroll estar no radar dos investidores, Silva, da Avenue, também alerta que a dinâmica do real parece ter ganhado vida própria, ficando mais ligada às sinalizações do mercado local. “A moeda tem sido mais influenciada pelo movimento que o Banco Central (BC) poderá ou não seguir em relação à Selic para conter as preocupações fiscais internas”, resume.
Publicidade