- O Banco Central não deveria ter retomado o ciclo de altas na taxa Selic e o mercado está agindo com “birra” em relação à trajetória de política monetária
- A última carta mensal da TAG Investimentos, gestora de patrimônio com R$ 13 bilhões em ativos sob gestão, elevou o tom ao criticar a pressão feita por muitos agentes financeiros a favor da volta do aperto monetário no País
- Mas essa é uma discussão que, agora, perde relevância. Para além da credibilidade do BC, é o descrédito do governo com o fiscal que está pesando nos mercados, diz André Leite, CIO da gestora
O Banco Central não deveria ter retomado o ciclo de altas na taxa Selic e o mercado está agindo com “birra” em relação à trajetória de política monetária, diz a última carta mensal da TAG Investimentos, gestora com R$ 13 bilhões em ativos, ao criticar a pressão dos agentes financeiros a favor da volta do aperto monetário no País.
- Viralatismo monetário, BC freestyle e mais: veja detalhes da carta da TAG aqui
Na reunião de setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a taxa básica de juros do Brasil em 0,25 ponto percentual, revertendo o ciclo de afrouxamento monetário que havia sido iniciado em agosto de 2023. A decisão era amplamente esperada por boa parte do mercado, que passou a defender novas altas na Selic em meio ao processo de desancoragem das expectativas de inflação e a uma suposta necessidade da instituição aumentar sua credibilidade em um momento de trocas no comando.
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Mas a TAG discorda dos dois argumentos e acha que o BC errou ao ceder à pressão. Agora, a instituição está em uma sinuca de bico: iniciou as altas de juros por influência do mercado e pode ser obrigada a iniciar os cortes antes da hora por influência política.
“O BC deu um ‘duplo twist carpado’ para poder justificar a narrativa que o mercado já havia criado”, avalia André Leite, sócio e CIO da TAG Investimentos. “Agora, se seguir o que é tecnicamente correto, terá que esperar 2026 para poder reduzir a Selic. Só que vai enfrentar uma baita de uma pressão do governo para fazer isso já em 2025, mirando as eleições.”
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Este é apenas um dos motivos por trás da exigência de investidores por maior prêmio de risco. Para Leite, ao deixar o manual de lado, o BC perde protagonismo em um cenário macroeconômico difícil, com incertezas em relação ao ritmo da economia no exterior, mas, sobretudo, ao fiscal no Brasil. E esta é a verdadeira batalha de credibilidade impactando o mercado no momento.
Confira os principais trechos da entrevista:
E-Investidor – A TAG se posicionou na contramão do mercado, ao criticar o movimento de alta de juros na Selic, que acabou acontecendo. O Copom errou ao ceder às pressões do mercado?
André Leite – Foi um erro do Banco Central. Até antes da reunião, o modelo do BC dava uma inflação de 3,2% para o horizonte relevante, um prazo de 18 meses contínuos à frente. As outras variáveis, como a taxa de câmbio, risco Brasil e as expectativas do mercado brasileiro de inflação, todas haviam melhorado de uma reunião para outra. Não tinha motivo para subir a taxa de juros. Então, na reunião de setembro, o Copom mudou um parâmetro do modelo, o que levou a inflação no horizonte relevante para 3,5%. O BC deu um “duplo twist carpado” para poder justificar toda a narrativa que o mercado já havia criado para empurrá-lo na direção do aumento de taxa de juros.
Qual o risco desta postura que vocês chamam de “BC freestyle”?
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Esse “BC freestyle” vai se manifestar até de maneira mais forte daqui para frente. Qualquer ciclo de política monetária tem variáveis de transmissão que demoram para aparecer na economia. Não à toa, persegue-se a inflação para 18 meses à frente. Vamos supor que o ciclo iniciado agora em setembro vá até janeiro, levando a Selic a 11,5% ou 12% ao ano; ninguém sabe ainda. Só que o resultado desse ciclo, 18 meses depois de janeiro de 2025, é julho de 2026, quando estaremos com a campanha política para a Presidência já pegando fogo. E todo mundo sabe que não adianta reduzir juros em 2026, não daria tempo de impulsionar atividade econômica e colher o resultado eleitoral. Para isso, os cortes precisariam começar em meados de 2025. O primeiro risco é essa armadilha política. Mas também estamos correndo risco caso tenha uma recessão global. Isso vai se traduzir para dentro do Brasil em menos crescimento e um câmbio possivelmente mais valorizado. Seria um overkill na economia.
Agora que um novo ciclo de aperto monetário já começou, ainda é possível corrigir esta trajetória?
Agora já foi. Historicamente, não lembro de um BC que tenha dado um aumento de juros e voltado atrás. Eles vão ter que fazer um ciclo completo. O que dá para fazer, se verem que realmente erraram, é um ciclo curto e bem leve, parando no 11,5%, por exemplo. Mas abortar o voo depois que ele já começou seria muito ruim para a credibilidade da instituição.
Na carta mensal, a TAG pontua que o mercado adotou um posicionamento “poliana” no início de 2024, enquanto agora está “ciclotímico e birrento”. Investidores estão errando a precificação de risco dos eventos macroeconômicos?
O mercado teve algumas fases com esse governo. De primeira, houve certa adesão, com bastante gente que votou no Lula nas eleições. Quando veio o arcabouço fiscal, muitos economistas bons criticaram como algo que não parava em pé, e era realmente muito frágil. Mas o mercado embarcou. Quando a realidade veio, isso naturalmente provocou perdas de dinheiro. É só olhar o resultado dos fundos de ações e multimercados. Veio então um sentimento de traição, que jogou o mercado para o lado oposto. Se estou perdendo dinheiro, agora eu exijo prêmio; então começaram a empurrar o governo. Só que entendo isso como uma certa ingenuidade. O Lula sempre foi o Lula, o PT sempre foi o PT; e inclusive foram eleitos com o discurso de colocar o rico no imposto de renda. Não tem surpresa nenhuma. O que passa a ser mais relevante nesse cenário é se teremos, de fato, sinalizações críveis do governo que ele vai fazer a coisa certa do ponto de vista fiscal. E ainda não vimos isso.
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De que forma essa preocupação em relação ao fiscal tem atrapalhado os investimentos brasileiros?
Há três anos não temos um IPO na Bolsa. As empresas não estão animadas a captar recursos; pelo contrário, o buy back está crescendo porque as companhias que têm caixa olham para o preço das suas próprias ações e acham que o melhor uso para esse dinheiro é recuperar os papéis. É um sinal de descrédito.
Como fazer uma alocação estratégica nesse contexto de falta de credibilidade?
Nessa mini crise que estamos vivendo, os indicadores do Brasil estão muito ruins. A Bolsa está negativa, o índice de small caps caindo, o IMAB também perto de zero. A única coisa que bateu o CDI em 2024 foram os índices de crédito, especialmente os high grandes, que agora já não têm prêmio nenhum e podem ter um cenário mais difícil dado que a economia vai piorar. Olhando para o curto prazo, talvez uma pessoa mais conservadora falasse que o melhor a se fazer agora é ficar no CDI. Olhando um pouco mais para frente, se o governo não fizer ajuste fiscal e continuar gastando, são os títulos de IPCA que vão defender o poder de compra do investidor. Se as coisas descambarem para extremos, não vai ser o CDI que vai te proteger. Para um médio prazo, títulos IPCA, além de dólar e ativos reais, são o que defendem o investidor.