- O risco fiscal tomou de vez o mercado brasileiro. O dólar em alta, a abertura na curva de juros e o desempenho de lado da Bolsa de Valores são alguns indicativos do ceticismo de agentes econômicos em relação à capacidade do governo federal de controlar as contas públicas
- Por isso, há dias, investidores cobram o anúncio de um pacote de medidas voltadas ao corte de gastos
- Para as fontes ouvidas pelo E-Investidor, o governo precisa entregar duas coisas: um pacote de corte de gastos de ao menos R$ 50 bilhões e algumas correções nas despesas obrigatórias e discricionárias
O risco fiscal tomou de vez o mercado brasileiro. O dólar em alta, a abertura na curva de juros e o desempenho de lado da Bolsa de Valores são alguns indicativos do ceticismo de agentes econômicos em relação à capacidade do governo federal de controlar as contas públicas. Por isso, há semanas, investidores cobram o anúncio de um pacote de medidas voltadas ao corte de gastos.
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Isso não é uma desconfiança nova. Desde que o arcabouço fiscal foi apresentado em 2023, economistas apontam que a nova regra depende muito do aumento de receitas e, sem uma contrapartida de corte de gastos públicos, dificilmente as metas de resultado primário estabelecidas vão ser cumpridas. A preocupação é que esse descontrole fiscal – despesa superior à arrecadação – aumente o nível de endividamento do País e faça a inflação voltar a crescer.
É por isso que o ministro da Fazenda Fernando Haddad e outros integrantes do governo vêm dando inúmeras declarações indicando que o Executivo prepara medidas para equilibrar as contas públicas. Enquanto a agenda de revisão fiscal é apenas uma expectativa, surgem no mercado todos os dias alguns sinais do que pode vir a ser anunciado; seja em relação a propostas, seja ao montante do pacote. Notícias que repercutem no Ibovespa e, principalmente, no dólar.
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Mas qual parece ser o cenário ideal, aquele que, se entregue, agradaria os agentes econômicos e acalmaria os ânimos do mercado? Não há uma resposta exata, mas, entre as fontes ouvidas pelo E-Investidor, o governo precisa entregar duas coisas: um pacote de corte de gastos de ao menos R$ 50 bilhões e algumas correções nas despesas obrigatórias e discricionárias.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, explica de onde vem esse cálculo. O banco tem como estimativa o resultado fiscal em 2025 um déficit de R$ 110 bilhões; isso significa que, para cumprir a meta de déficit zero estabelecida pelo arcabouço, o governo precisaria de um esforço no controle do crescimento das despesas, estimada em quase 3% acima da inflação, ou aprovação de aumento de impostos, mas que tem forte resistência no Congresso. “Uma contenção de gastos próxima de R$ 50 bilhões, se for bem embasada nas correções de irregularidades nas despesas obrigatórias e algumas limitações nas despesas discricionárias, pode ser bem recebida pelo mercado”, afirma.
Mas apenas o corte de gastos não é suficiente. Os especialistas são unânimes em dizer que mais importante do que a revisão de despesas é o governo apresentar medidas mais estruturantes. Isso porque, se não revisar a estrutura das despesas obrigatórias, um ajuste de contas pontual pode resolver apenas o cenário de curto prazo.
Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, defende que um pacote “razoável” de corte de gastos seria na ordem de R$ 60 a R$ 70 bilhões. Mas que seria preciso, também, incluir dentro da regra de limite para o aumento de despesas – de 2,5% ao ano mais a inflação do período – custos que, hoje, estão fora desse teto. “É preciso trazer para dentro da regra os gastos com saúde e educação, que hoje estão fora do teto, e colocar também uma regra de crescimento de benefícios sociais, outros programas que não estão historicamente limitados a 2,5% de crescimento ao ano, para que as principais despesas cresçam numa velocidade compatível com o teto”, explica. “É isso que esperamos.”
O entendimento é de que para resolver o superávit primário em uma janela maior de tempo, de 5 a 10 anos, é preciso desindexar o Orçamento. “A previdência social hoje é indexada ao salário mínimo; os pisos da saúde e educação, indexados ao resultado primário do governo. Ao desindexar, é possível dar maior previsibilidade de que os gastos vão crescer, mas em uma velocidade menor. Para o longo prazo, isso é mais importante do que efetivamente só cortar gastos”, pontua Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos.
Quando virá o pacote de corte de gastos?
O anúncio de medidas voltadas ao corte de gastos que o governo está preparando era esperado para depois do segundo turno das eleições municipais, que aconteceram no último domingo (27). Mas isso não significa que deve ser feito de imediato.
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O ministro Fernando Haddad disse nesta terça-feira (29) que tem algumas reuniões agendadas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao longo desta semana para tratar da agenda. Mas reforçou que, ainda que o assunto esteja avançando, não há uma data no radar.
Para Beto Saadia, da Nomos, a questão pode demorar para ser endereçada dado que o governo ainda tem outros desafios à frente. Entre eles, está regulamentar as emendas parlamentares para o Orçamento de 2025. Os valores distribuídos a deputados e senadores para destinação de recursos a seus redutos eleitorais estão bloqueados por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino. Mas há um novo projeto de lei que visa regulamentar e dar transparência ao repasse de verbas do Congresso na pauta em Brasília.
“Enquanto não resolver isso, não soluciona o corte de gastos, porque grande parte dessa agenda precisará ser aprovada no Legislativo também. Precisa acertar primeiro o lado do Congresso, para depois o Congresso definir o lado do Executivo”, diz Saadia.
Como isso impactaria os investimentos?
O risco fiscal aparecer como um dos principais argumentos por trás do desempenho do mercado não é algo recente. A pauta já está na mesa há tempos, mas parece ter ganhado um peso maior recentemente. Um bom exemplo disso é o câmbio: a cotação do dólar dispara mais de 5% somente em outubro, a R$ 5,76, o maior patamar desde março de 2021.
Claro que há outros fatores pressionando o câmbio, como a eleição presidencial nos Estados Unidos e os conflitos no Oriente Médio, envolvendo Israel e Irã; mas os especialistas veem o cenário doméstico como um grande catalisador da alta recente do dólar. “Claro que muito dessa valorização ocorreu em função também da guerra, mas vimos que, no fim de semana, quando o Irã inclusive deu manifestações de que não iria retaliar Israel, mesmo assim o dólar e os juros não cederam tanto. Isso mostra realmente que o foco ainda também está muito em Brasília”, destaca Saadia, da Nomos.
A abertura da curva de juros futura brasileira também é um bom exemplo. Nas últimas semanas, as taxas oferecidas pelos títulos do Tesouro Direto subiram muito, nas máximas do ano. Um sinal de que investidores estão cobrando mais prêmio para um cenário que poderia levar ao descontrole da inflação.
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“Os prêmios hoje, como IPCA+ quase 7%, são prêmios de momentos críticos, e não é isso que vivenciamos agora. O mercado tem cobrado muito o fiscal, não abrindo margem de negociação”, afirma Gabriela Joubert, estrategista-chefe do Inter.
A especialista explica que, dado o cenário externo mais claro com o início do ciclo de cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, e resultados corporativos ainda fortes por aqui, o anúncio de um pacote de corte de gastos pode destravar valor na Bolsa brasileira, ao mesmo tempo que os prêmios da renda fixa tendem a normalizar. Essa também é a visão de Luciano Costa, da Monte Bravo.
Para o economista-chefe, mudanças estruturais no lado dos gastos públicos fariam a taxa longa dos títulos públicos cair, de volta a patamares mais perto dos 6% ao ano. “Isso também teria um impacto positivo no mercado de ações, que poderia obter os 140 mil, 145 mil pontos”, explica.
O outro impacto positivo seria o câmbio. Ainda que a eleição nos EUA permaneça no radar e jogue a favor de um dólar mais forte, a redução do risco fiscal permitiria ao menos um alívio nas cotações. “Há mais fatores que determinam a taxa de câmbio, mas, sem dúvida, um pedaço do estresse hoje seria revertido. Acreditamos que o câmbio poderia ter uma apreciação para a faixa entre R$ 5,40 a R$ 5,20 se o governo tiver sucesso nessas medidas de condicionamento de gastos”, ressalta Costa.