A recente proposta de alteração no Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas (IRPF) anunciada pelo governo federal representa um marco significativo no debate sobre justiça tributária no Brasil. A correção da faixa de isenção para contribuintes que ganham até R$ 5 mil mensais atende a uma antiga demanda social de desoneração dos mais pobres, mas traz consigo desafios políticos que merecem análise detida.
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Do ponto de vista fiscal, a ampliação da faixa de isenção, beneficiando cerca de 26 milhões de pessoas, reflete uma tentativa de aliviar a carga tributária sobre a classe média e as classes menos abastadas, promovendo maior progressividade no sistema tributário nacional. Essa medida, contudo, de acordo com estimativas de fontes ligadas ao próprio governo, pode gerar um impacto estimado de R$ 45 bilhões a R$ 50 bilhões anuais na arrecadação, exigindo mecanismos compensatórios para garantir o equilíbrio fiscal do orçamento público. Ou seja, para equilibrar as contas públicas (já que o governo abrirá mão de arrecadar a estimativa de R$ 45 bilhões com a medida), as alternativas são a realização de corte de gastos ou a criação de novas fontes de receitas, que geralmente ocorrem com o aumento ou instituição de impostos.
É nesse contexto que o governo federal apresenta, como medida compensatória para a ampliação da faixa de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil mensais, a introdução de um “imposto mínimo” para contribuintes de alta renda.
A proposta do governo corresponde ao estabelecimento de uma alíquota mínima de 10% para pessoas físicas com renda acima de R$ 50 mil mensais, incluindo para o cômputo desse valor rendimentos na forma de distribuição de lucros e dividendos, que atualmente são completamente isentos no território nacional.
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No sistema atual, a possibilidade de deduções, regimes diferenciados e a ausência de tributação sobre determinadas formas de rendimentos (como os dividendos) permitem que, muitas vezes, contribuintes de alta renda paguem uma alíquota efetiva inferior a 10%, enquanto trabalhadores assalariados podem ser tributados a uma alíquota nominal de 27,5%, sem acesso a mecanismos elaborados de redução da tributação, culminando numa alíquota efetiva proporcionalmente maior que aquela a que os contribuintes de alta renda geralmente estão sujeitos. A nova regra busca corrigir essa distorção, garantindo que pessoas que recebem a partir de R$ 50 mil mensais estejam sempre sujeitas a um imposto mínimo com alíquota efetiva de 10%.
Resistência política à intenção de promover justiça tributária
Embora a intenção de promover justiça tributária seja louvável, a implementação de um imposto mínimo para os mais ricos pode enfrentar resistência política, especialmente ao se considerar a herança histórica brasileira. Isso porque a definição do que constitui “renda tributável” para fins do imposto mínimo pode se tornar um ponto de controvérsia. Distribuição de lucros e dividendos, historicamente isentos no Brasil, passarão a compor a base de cálculo, o que pode enfrentar resistência no setor empresarial e demandar ajustes legislativos significativos.
Atualmente, a isenção da distribuição de lucros e dividendos tem como principal justificativa o fato de que as empresas situadas no Brasil já estão sujeitas a uma tributação significativa sobre os seus resultados, com carga tributária de aproximadamente 34% sobre o lucro empresarial. A isenção sobre os dividendos, portanto, seria uma medida para compensar a tributação já elevada que ocorre antes da distribuição dos lucros ao empresário.
Todavia, a alternativa de considerar como renda tributável a distribuição de lucros e dividendos recebidos somente por aqueles que possuam uma renda mensal considerável prestigia o princípio da capacidade contributiva e da progressividade na tributação da renda, garantindo que a distribuição de lucros de pequenos e médios empresários não seja onerada ao mesmo tempo em que possibilita que contribuintes mais abastados paguem mais imposto sobre a renda que auferem pessoalmente.
A ideia de tributar mais fortemente os super-ricos não é exclusiva do Brasil. Países pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já discutem ou implementam políticas semelhantes para combater a desigualdade social. A tributação mais elevada sobre rendas muito altas não apenas contribui para o equilíbrio fiscal, mas também sinaliza um compromisso ético do Estado em distribuir a carga tributária de forma proporcional às capacidades contributivas individuais.
A proposta do governo pode ser considerada um avanço em termos de justiça fiscal, mas sua efetividade dependerá de três fatores principais: clareza normativa, robustez institucional e aceitação social. A correção da tabela do IR atende a um anseio legítimo de aliviar a carga tributária sobre as classes menos abastadas, mas precisa ser sustentada por medidas compensatórias que não comprometam o equilíbrio das contas públicas.
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Por fim, a taxação dos super-ricos deve ser vista não apenas como um mecanismo de arrecadação, mas como um passo fundamental para construir um país mais justo e inclusivo. A verdadeira justiça fiscal não se limita a redistribuir renda; ela fortalece a confiança na capacidade do Estado em promover o bem-estar coletivo e reduzir desigualdades. Essa confiança é a base de qualquer sociedade democrática e próspera.