Publicidade

Mercado

Como o pacote fiscal do governo vai afetar os seus investimentos

Analistas avaliam o impacto das medidas anunciadas por Fernando Haddad no mercado financeiro

Como o pacote fiscal do governo vai afetar os seus investimentos
Ministro Fernando Haddad anunciou nesta quarta-feira (28) o pacote fiscal de R$ 70 bilhões, além de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil e taxação da alta renda. (Foto:Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)
O que este conteúdo fez por você?
  • Na última quarta-feira (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou o tão aguardado pacote fiscal de cortes de gastos
  • Foram apresentadas medidas como estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria militar, um limite para o reajuste do salário mínimo com base nas regras fiscais, além de restrições de acesso ao abono salarial e um teto para o salário de servidores públicos.
  • O principal destaque, entretanto, foi a confirmação das notícias que saíram na tarde de ontem sobre o projeto de isenção fiscal de imposto de renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil.

Na última quarta-feira (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou o tão aguardado pacote fiscal de cortes de gastos. O pronunciamento foi feito às 20h30, em rede nacional de televisão, e foram apresentadas medidas como o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria militar, um limite ao montante global de emendas parlamentares e para o reajuste do salário mínimo, com base nas regras fiscais, além de restrições de acesso ao abono salarial e ao salário de servidores públicos.

Segundo o governo, as iniciativas devem gerar uma economia de R$ 70 bilhões aos cofres públicos em dois anos – em linha com o esperado pelo mercado. O principal destaque, entretanto, foi a confirmação das notícias que saíram horas antes sobre o projeto de isenção fiscal de imposto de renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. De acordo com Haddad, a proposta não trará impacto fiscal, já que as pessoas que recebem acima de R$ 50 mil mensais passarão a pagar mais. Essa conta ainda gera dúvidas entre analistas.

“Temos uma preocupação, porque isso faz com que o governo arrecade menos. Muitos brasileiros entram nessa faixa de isenção”, diz Victor Furtado, Head de Alocação da W1 Capital. “Hoje o mercado, com certeza, deve abrir bem volátil, com os investidores tentando precificar todas essas questões.

Contudo, no geral, não houve grandes surpresas. “O que fica agora é a dúvida quanto à execução do plano apresentado. Acreditamos que existem desafios claros pela frente. Não vemos, por exemplo, mudanças estruturais que possam colocar a dívida pública em uma trajetória mais sustentável no longo prazo”, afirma Marcos Moreira, sócio da WMS Capital.

Publicidade

Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos

Para Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, a ampliação da faixa de isenção do IR atrapalhou o discurso e pode ter tirado o foco das medidas anunciadas, que estão na direção correta. Nos cálculos do estrategista, essa reforma do IR abrirá um buraco de R$ 40 bilhões. “Muito ruim, como sinalização, misturar os dois vetores numa comunicação só. Era para o momento ser focado e direcionado para uma agenda de disciplina fiscal e contenção de gastos”, diz.

Jeff Patzlaff, especialista em mercado de capitais e Planejador Financeiro CFP®️, é mais enfático. “Acredito que teremos dias difíceis pela frente, tanto na implementação das medidas quanto nos reais resultados destes. O rumor de que iria ter a isenção de imposto de renda até R$ 5 mil já fez o dólar disparar, e acredito que o pacote demonstrado por Haddad não vai cobrir o buraco na economia que essas medidas vão deixar”, diz.

Como o novo pacote fiscal impacta os investimentos

O pronunciamento de Haddad veio após um dia cheio de volatilidade no mercado financeiro. Desde o início da manhã, a expectativa sobre o anúncio do pacote fiscal já pesava sobre os ativos. Durante a tarde, as informações sobre a isenção de IR azedaram de vez o humor dos investidores.

“Foi inesperado, porque o momento era de redução de gastos. E quando há isenção, isto acaba diminuindo a arrecadação, o que eleva o desequilíbrio fiscal”, afirma Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. No fim do pregão, o dólar chegou a R$ 5,91, o maior valor nominal (sem considerar a inflação) da história. “O anúncio em relação a isenção de IR em relação a quem ganha até R$ 5 mil aumentou o clima de insegurança, que já estava presente devido à demora para a apresentação do pacote de corte de gastos”, pontuou Idean Alves, planejador financeiro e especialista em mercado de capitais.

Vale lembrar que a espera pelo pacote de corte de gastos já vinha pressionando os investimentos brasileiros há semanas. A curva de juros futura abriu, com as taxas dos contratos de depósito financeiro (DIs) operando acima dos 13%.

Publicidade

E isso gerou um efeito cascata nos produtos de investimento: o Ibovespa vem de dois meses de desempenhos negativos (setembro e outubro), enquanto o IFIX, o índice de fundos imobiliários da B3, teve seu pior outubro da história. Em novembro, o cenário ainda não se reverteu: o Ibov caminha para fechar o período no vermelho, com desvalorização de 1,58% até o pregão da última quarta.

O IFIX também acumula queda de 1,04% nos últimos 27 dias, segundo dados são de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta. Na outra ponta, os títulos do Tesouro Direto se mantiveram nas máximas, chegando a um nível de retorno real de 7,05% nesta tarde; um verdadeiro “juros de crise”.

Mas a melhor medida para entender o impacto do risco fiscal – e da falta de paciência do mercado com as sinalizações do governo – nos investimentos tem sido o dólar. A cotação da moeda americana disparou 20% entre janeiro e novembro. Como mostramos aqui, a alta do período é a 3ª maior em 15 anos, atrás somente de 2015, quando o dólar subiu 45,28% no auge da crise que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT); e de 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19, quando o dólar subiu 43,20% em 10 meses.

Somente em outubro, por exemplo, a divisa escalou mais de 6% sobre o real. Vale lembrar que, na época, o estresse do mercado também foi às máximas com a notícia de que Haddad passaria uma semana daquele mês na Europa. A ausência do ministro no País indicava que as medidas voltadas ao ajuste fiscal demorariam para serem apresentadas e esse clima de insegurança levou o dólar a R$ 5,86, o então segundo maior valor nominal da história. A pressão foi tanta que, a pedido do presidente Lula, Haddad cancelou a viagem para endereçar a pauta fiscal em Brasília.

Publicidade

“A pressão fiscal tem sido um dos principais fatores que influenciam o comportamento do dólar em relação ao real no curto prazo, com o mercado atento às medidas do governo para controlar as contas públicas”, completa Diego Costa, head de câmbio para o Norte e Nordeste da B&T Câmbio.

Mesmo agora que as medidas para enxugar as despesas já são conhecidas, os analistas ainda esperam alguma volatilidade no mercado. Pelo menos, no curto prazo, à medida que maiores detalhes sobre as propostas sejam levadas a público. “As duas principais vertentes que trarão volatilidade ao mercado (em função das incertezas sobre a aprovação) são as medidas impopulares, como limite ao reajuste real do salário mínimo e alteração na faixa do pagamento ao abono salarial”, afirma Davi Lelis, especialista e sócio da Valor Investimentos.

Cunha, da BGC Liquidez, reforça as incertezas que continuam pairando no mercado. “Ainda existe a desconfiança com o cuidado com o fiscal, porque será feita uma isenção de IR para uma classe que representa boa parte da arrecadação do governo”, afirma. “A taxação de pessoas que ganham R$ 50 mil pode fazer com que mais dinheiro saia do País. Vejo pouco espaço para grandes movimentações no mercado, dado que ainda precisamos aguardar a continuidade das falas.”

O que o mercado queria

A cobrança por medidas voltadas ao corte de gastos públicos não é uma novidade. Desde que o arcabouço fiscal foi apresentado em 2023, economistas apontam que a nova regra depende muito do aumento de receitas e, sem uma contrapartida de redução de despesas, dificilmente as metas estabelecidas para o resultado primário vão ser cumpridas. A preocupação é de que esse descontrole fiscal – despesa superior à arrecadação – aumente o nível de endividamento do País e faça a inflação voltar a crescer.

Desde que o governo começou as sinalizações nessa direção, indicando que entregaria em algum momento um pacote de medidas para viabilizar o arcabouço fiscal, o mercado passou a especular qual tamanho de ajuste seria proposto. Há um mês, o E-Investidor conversou com especialistas para entender qual seria esse “número mágico” que acalmaria os ânimos de investidores e permitira uma leitura de responsabilidade fiscal.

Publicidade

Não houve uma resposta única, mas o entendimento geral era de que o Executivo precisaria entregar duas coisas: um pacote de corte de gastos de ao menos R$ 50 bilhões e algumas correções nas despesas obrigatórias e discricionárias. Leia com detalhes aqui.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, explica de onde vem esse cálculo. O banco tem como estimativa o resultado fiscal em 2025 um déficit de R$ 110 bilhões; isso significa que, para cumprir a meta de déficit zero estabelecida pelo arcabouço, o governo precisaria de um esforço no controle do crescimento das despesas, estimada em quase 3% acima da inflação, ou aprovação de aumento de impostos, mas que tem forte resistência no Congresso. “Uma contenção de gastos próxima de R$ 50 bilhões, se for bem embasada nas correções de irregularidades nas despesas obrigatórias e algumas limitações nas despesas discricionárias, pode ser bem recebida pelo mercado”, afirma.

Mas apenas o corte de gastos não é suficiente. Os especialistas foram unânimes em dizer que mais importante do que a revisão de despesas é o governo apresentar medidas mais estruturantes. Isso porque, se não revisar a estrutura das despesas obrigatórias, um ajuste de contas pontual pode resolver apenas o cenário de curto prazo.

Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, defendeu na época que um pacote “razoável” de corte de gastos seria na ordem de R$ 60 a R$ 70 bilhões, exatamente do tamanho que foi anunciado. Mas que seria preciso, também, incluir dentro da regra de limite para o aumento de despesas – de 2,5% ao ano mais a inflação do período – custos que, hoje, estão fora desse teto. Está medida, por sua vez, ficou fora do anúncio. “É preciso trazer para dentro da regra os gastos com saúde e educação, que hoje estão fora do teto, e colocar também uma regra de crescimento de benefícios sociais, outros programas que não estão historicamente limitados a 2,5% de crescimento ao ano, para que as principais despesas cresçam numa velocidade compatível com o teto”, explica. “É isso que esperamos.”

Publicidade

O entendimento dos especialistas é de que para resolver o superávit primário em uma janela maior de tempo, de 5 a 10 anos, é preciso desindexar o Orçamento. “A previdência social hoje é indexada ao salário mínimo; os pisos da saúde e educação, indexados ao resultado primário do governo. Ao desindexar, é possível dar maior previsibilidade de que os gastos vão crescer, mas em uma velocidade menor. Para o longo prazo, isso é mais importante do que efetivamente só cortar gastos”, pontua Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos.