

O governo federal anunciou mudanças significativas no Imposto de Renda (IR), aumentando a faixa de isenção para quem ganha até R$ 5.000 mensais. A medida, que, segundo as estimativas apresentadas, deve beneficiar cerca de 10 milhões de contribuintes, elevando para 65% o percentual de declarantes totalmente isentos, foi celebrada como um avanço na justiça fiscal. No entanto, ao aprofundarmos a análise, fica evidente que a reforma ignora um ponto fundamental: o descontrole dos gastos públicos.
O projeto, vale dizer, seguirá a tramitação regular de um projeto de lei no Congresso, começando pela Câmara. Uma vez aprovado, o texto irá ao Senado, que também seguirá a sua tramitação regular e poderá fazer novas alterações no texto – nesse caso, o projeto voltará à Câmara. Concluídas essas votações, o texto irá para a sanção do Presidente da República, que poderá vetar trechos ou até a totalidade do projeto – nessa hipótese, os vetos voltarão para a análise do Congresso, que poderá manter ou não os vetos presidenciais. Enfim, caso seja aprovado, as mudanças somente entrarão em vigor no ano seguinte à sua sanção, ou seja, na melhor das hipóteses, passariam a valer em 2026.
Ainda com diversas dúvidas práticas, o projeto amplia a isenção do IR para quem recebe até R$ 5.000 mensais, o que significa que muitos brasileiros de classe média deixarão de pagar imposto. Além disso, a proposta estabelece uma alíquota mínima efetiva de 10% para pessoas que recebem, dentro de algumas condições, mais de R$ 600.000 por ano, impactando cerca de 141 mil contribuintes de alta renda.
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Outro ponto relevante é a taxação de 10% na fonte sobre lucros e dividendos enviados ao exterior. Essa medida visa aumentar a arrecadação em aproximadamente R$ 8,9 bilhões por ano. No entanto, mesmo com essa compensação, a perda de arrecadação com a ampliação da isenção ainda pode ser relevante.
Como equilibrar a perda de arrecadação?
A grande questão que se impõe é: como o governo pretende equilibrar essa perda de arrecadação? A resposta, até agora, não inclui um corte significativo nas despesas públicas. Pelo contrário, o aumento da faixa de isenção é financiado por uma maior tributação sobre os mais ricos e sobre remessas internacionais. Essa abordagem não resolve o problema estrutural das contas públicas.
O Brasil precisa de uma reforma fiscal, não apenas tributária.
O problema central não é apenas o volume de arrecadação, mas sim o descontrole dos gastos públicos. A cada nova medida de ajuste fiscal, a responsabilidade recai sobre os contribuintes, enquanto o governo se exime de reduzir suas despesas.
Uma reforma tributária sem um compromisso real com a austeridade e a eficiência no gasto público pode ter um efeito temporário, mas não resolve os desafios estruturais. O Brasil continua a operar com um Estado inchado, ineficiente e incapaz de entregar serviços de qualidade proporcional ao que arrecada.
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A título de comparação, países desenvolvidos como Alemanha e Canadá também possuem elevadas cargas tributárias, mas seus governos operam com maior eficiência e transparência. No Brasil, por outro lado, o aumento de arrecadação raramente se traduz em melhorias significativas para a população.
Se por um lado a ampliação da faixa de isenção representa um alívio para milhões de brasileiros, por outro,o impacto sobre a arrecadação pode levar a medidas compensatórias no futuro, como novos aumentos de outros tributos ou criação de novas taxações.
Além disso, o aumento da tributação sobre os mais ricos pode incentivar a evasão fiscal e a transferência de riqueza, com a realocação de capitais para outros países. No longo prazo, essa política pode reduzir investimentos produtivos no Brasil, afetando a geração de empregos e o crescimento econômico.
Outro fator preocupante é a possibilidade de que o governo, ao perceber a queda na arrecadação, recorra a medidas inflacionárias, como o aumento da dívida pública ou a emissão de moeda, o que pode gerar mais pressões sobre os preços e corroer o poder de compra da população.
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Em síntese, a ampliação da isenção do Imposto de Renda é uma medida positiva para aliviar o bolso da classe média, mas sem um corte real de despesas tratar-se-á apenas de paliativo. O Brasil precisa de uma reforma fiscal profunda, que não se limite a mudar a forma como os tributos são cobrados, mas que ataque o problema no cerne: o tamanho e a ineficiência da máquina pública.
O governo precisa demonstrar compromisso não apenas em aliviar a carga tributária de alguns contribuintes com o Imposto de Renda, mas também em garantir que o dinheiro arrecadado seja usado com responsabilidade e eficiência. Sem esse passo essencial, qualquer reforma tributária será apenas mais um remendo temporário populista, em um sistema que já está em colapso.