Fundos de índice, os ETFs, oferecem uma experiência simples para o investidor.(Imagem: Cagkan)
Os Exchange Traded Funds (ETFs), fundos que replicam índices de mercado, deixaram de ser coadjuvantes no Brasil e começam a ganhar protagonismo, especialmente entre os clientes de alta renda. A modalidade, antes restrita a poucos investidores, já atraiu bilhões em captação neste ano e se consolida como alternativa de alta diversificação.
“Engraçado que essa discussão no Brasil surge agora como uma novidade, mas é um instrumento criado lá na década de 80”, afirma Felipe Amoedo, especialista de ETFs da HMC Capital, ao comentar o salto recente de popularidade desse produto no País.
Os ETFs acompanham a performance de índices de mercado, setores econômicos, moedas e até commodities. Apesar de terem sido criados no final da década de 1980, o primeiro foi lançado no Brasil apenas em 2004: o PIBB11, atrelado ao desempenho das 50 empresas brasileiras mais negociadas na Bolsa.
Até meados de 2018, no entanto, o mercado local ainda engatinhava. O número de investidores permanecia abaixo de 60 mil, a captação anual não passava de R$ 260 milhões, em média, e havia apenas 16 ETFs disponíveis. O cenário, porém, começou a mudar rapidamente.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os ETFs captaram R$ 5 bilhões no mercado brasileiro entre janeiro e agosto deste ano, ultrapassando os fundos de ações, multimercados, cambiais e de previdência. Hoje, o segmento reúne 1 milhão de investidores e 132 produtos disponíveis, dos quais ao menos 23 foram lançados desde meados do ano passado.
O volume, no entanto, ainda está distante da renda fixa, líder do ranking, que atraiu R$ 92,6 bilhões no mesmo período. Também pesa o fato de que os fundos de investimento tradicionais enfrentam uma crise, com resgates consecutivos há pelo menos três anos. Ainda assim, a expansão dos ETFs é vista como uma “surpresa esperada”, já que no exterior eles se consolidaram como fenômeno de mercado há algum tempo.
Segundo a Bloomberg Intelligence, no mundo, a indústria de ETFs soma US$ 15 trilhões em ativos, com crescimento esperado de 10% ao ano na próxima década. Somente nos EUA, existem pelo menos 1,9 mil ETFs listados, que movimentaram US$ 193 bilhões por dia no último mês, segundo dados levantados por Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta.
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Por aqui, o patrimônio líquido dos ETFs cresceu 31% em 12 meses, mas ainda não passa de R$ 60 bilhões. Contudo, a pernada recente na captação oferece um vislumbre do que pode estar por vir.
“O Brasil passa por um processo parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa”, diz Amoedo, da HMC Capital.
Um dos fatores que convenceu os investidores estrangeiros sobre os ETFs foi a possibilidade de se expor a uma carteira diversificada de ativos de um tema específico, de maneira fácil e, principalmente, pagando pouco por isso.
Além dos tradicionais BOVA11 e IVVB11, por exemplo, que acompanham o Ibovespa e o S&P 500, é possível comprar fundos de índice que acompanham o dólar, o ouro, Bitcoin, renda fixa, mercados internacionais e até mesmo o setor de inteligência artificial.
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Os ETFs também são negociados no mercado com códigos, como ações comuns. Não têm come-cotas ou taxas de performance, já que geralmente seguem a variação de benchmarks de forma passiva. Desta forma, os custos são menores para os investidores, o que potencializa os ganhos.
Esse tipo de vantagem sobre os pares faz com que especialistas, como Eric Balchunas, da Bloomberg Intelligence, chegassem à máxima: “ETFs são como Spotify enquanto fundos comuns são como CDs” (leia a entrevista completa com Eric Balchunas aqui).
Contudo, o grande pavimentador da popularidade dos ETFs no exterior, diz Amoedo, não foram todas essas vantagens, mas outro ponto: os fundos de índice geralmente não geram comissões aos assessores pela distribuição, como acontece com fundos comuns. A não existência desse incentivo para ofertar o produto também travava o crescimento da modalidade por lá.
O avanço dos ETFs coincidiu com a consolidação da indústria de assessorias fee-based — modelo em que os escritórios de investimento remuneram seus assessores com uma fatia do crescimento da carteira do cliente, em vez de comissões sobre produtos vendidos.
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No mercado brasileiro, essa transformação começa a se desenhar. O modelo fee-based vem ganhando tração, embora ainda não seja dominante. “Nos Estados Unidos, houve a revolução da corretora Schwab, muito semelhante ao que a XP promoveu no Brasil, seguida pela expansão dos RIAs (assessorias de investimentos), que é o que começamos a observar aqui com as assessorias fee-based”, afirma Amoedo.
Alexandre Brito, CFP e sócio da Finacap, gestora com R$ 2 bilhões em ativos sob gestão, também aponta na mesma direção. “Sem o incentivo econômico das comissões, surge um impulso natural para a indústria de ETFs. Grande parte do que vai acontecer no Brasil deve seguir o mesmo caminho dos Estados Unidos”, afirma o especialista, que já prefere utilizar ETFs para oferecer diversificação internacional a investidores de alta renda. Esse perfil concentrou 56% da captação de ETFs até julho.
“Sem esse incentivo econômico das comissões, começamos a ter um impulso para a indústria de ETFs”, diz Alexandre Brito, CFP e sócio da Finacap
A facilidade e os custos mais baixos estão por trás dessa escolha. “Tudo que a gente monta de alocação global para a carteira dos clientes, fazemos via ETFs”, ressalta Brito. Alguns deles são os famosos ETFs irlandeses, que possuem vantagens tributárias, como menor taxação sobre dividendos.
Do lado do varejo comum, as expectativas sobre a adoção dos ETFs para compor os portfólios também são altas. Andrés Kikuchi, diretor executivo da Nu Asset Management, contou ao E-Investidor que o ETF de dividendos NDIV11, o primeiro da modalidade no Brasil, é o case de maior sucesso da gestora do Nubank. O produto tem 16,8 mil cotistas e R$ 89,2 milhões de patrimônio.
“Desde o primeiro dia em que a gente desenhou o plano estratégico da asset, estava lá ter ETFs. Não que os outros fundos que temos sejam piores ou melhores, mas a questão principal é que os ETFs trazem os pontos de transparência de custos, flexibilidade e liquidez, que são pilares muito parecidos com o que pregamos no Nubank”, disse Kikuchi.
Crescimento a qualquer custo?
Os ETFs começam a chamar a atenção do mercado brasileiro, mas os desafios de crescer a popularidade de um instrumento com tantas vantagens, não passa apenas pela falta de incentivo financeiro para distribuir o produto aos investidores.
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Há quem aponte também um descasamento entre as necessidades dos investidores e as soluções trazidas pelos ETFs disponíveis no mercado.
“Em termos de amadurecimento, acredito que todo o ecossistema esteja muito mais bem preparado para receber o investidor do que há três anos”, aponta Renato Eid, head de estratégias indexadas e integração ESG na Itaú Asset Management.
“Mas temos hoje mais de 100 produtos listados, e se você for olhar bem, são pouquíssimos que tem um patrimônio líquido relevante, uma liquidez de tela, que é outra coisa que a gente fala muito para o investidor se atentar. Ou seja, se o ETF tem liquidez dos ativos que estão lá dentro.”
Eid aponta como exemplo os 24 ETFs lançados pela Itaú Asset, que juntos possuem R$ 19 bi em patrimônio – ou seja, quase 30% do market share total da indústria. “Não adianta só expandir a prateleira de produtos disponíveis se não educarmos o investidor para entender aquela estratégia. Você tem que combinar com o seu cliente”, afirma. “A gente não quer ter ETFs por ter ETFs.”
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Para o o head de estratégias indexadas da Itaú Asset, antes de falar do modelo de remuneração dos assessores para engatilhar o crescimento dos ETFs, é necessário começar do básico. Ensinar sobre o que são índices pode ser um bom primeiro passo, aponta ele.
“Qual é o maior risco ao investir em um ETF? É não entender o que o índice representa”, aponta Eid, que também considera equivocada a ideia de que ETFs servem para todo tipo de investidor. “Os ETFs podem se tornar protagonistas dentro de um portfólio? Sem dúvida. Mas devem compor 100% da carteira? Também não — nisso não tenho dúvida.”