Centro de operações da B3, a Bolsa de Valores brasileira. (Foto: Divulgação/B3)
Uma mudança está nos planos da B3 para fevereiro de 2028: a redução do ciclo de liquidação de ações de D+2 para D+1 – ou seja, reduzir de dois para um dia o encerramento da operação solicitada. A inovação, anunciada neste mês, representa mais um passo importante para alinhar o Brasil a outros mercados, como o dos Estados Unidos, que já adotaram esse modelo.
Na prática, a liquidação permite que o comprador da ação receba o ativo e o vendedor tenha acesso ao pagamento. O ciclo desse processo vai do período entre a data da negociação – momento em que a operação ocorre, indicado como “D” – e a data de liquidação (+1, +2 e assim por diante).
Atualmente, quando se trata das ações, a liquidação ocorre dois dias depois da compra ou venda do ativo. Com a mudança prevista para D+1, investidores passarão a receber seus papéis e recursos financeiros no dia seguinte à operação.
Alan de Genaro, professor de finanças da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), explica que essa era uma demanda antiga do mercado financeiro brasileiro.
“Em um contexto de pagamentos instantâneos, como o Pix, a espera de D+2 é longa. Mesmo D+1 já representa um prazo considerável e alterar todo o núcleo de liquidação da B3 não é trivial – tanto que a redução anterior, de D+3 para D+2, só ocorreu em 2019”, relembra.
Brasil busca seguir tendência global
As bolsas de Nova York começaram a operar com a liquidação D+1 em maio de 2024. (Imagem: Marco Warm em Adobe Stock)
O Brasil busca seguir os passos de outros países. A Índiaconcluiu sua adoção do modelo em janeiro de 2023. Nos Estados Unidos, Wall Street começou a operar com a liquidação D+1 em maio de 2024. Já na Europa, o projeto está em andamento, com expectativa de adoção até 2027.
Para colocar o projeto em prática, a B3 criou um Comitê da Indústria, formado por representantes das grandes instituições financeiras. Grupos técnicos de trabalho também serão organizados para debater temas relacionados à execução do planejamento.
Segundo Morena Carvalho, diretora de Operações de Pós-negociação e Clearing da B3, o prazo até fevereiro de 2028 se mostra necessário porque cada corretora tem uma estrutura operacional diferente.
Certas particularidades do mercado brasileiro também trazem complexidades extras. “No Brasil, precisamos identificar o beneficiário final de cada uma dessas operações. Nos EUA, por exemplo, não existe essa obrigatoriedade”, afirma.
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A B3 ainda vai definir com a Câmara da Indústria como acontecerá o plano de migração até 2028. Há dois caminhos principais: uma faseada, por ativo, como aconteceu no mercado indiano, ou uma mudança com data única, como feita no mercado americano.
Carvalho explica que a mudança beneficia diretamente o investidor. Ao ter determinado valor disponível um dia após a negociação, o investidor tem mais espaço para fazer outros aportes e acessar produtos financeiros.
“A disponibilidade de recursos ou ativos de uma maneira mais rápida fomenta o mercado. O nosso objetivo é garantir que o Brasil esteja no mesmo patamar de desenvolvimento econômico de outras grandes potências mundiais”, afirma Morena Carvalho, da B3.
Como funciona uma compra de ação hoje
O time da B3 Educação elaborou para o E-Investidor um passo a passo resumido de como funciona a compra de uma ação.
A primeira etapa ocorre no home broker da corretora, quando o investidor insere na plataforma uma ordem de compra, especificando a quantidade de ações e o preço que está disposto a pagar – ou então enviando uma ordem a mercado, que consiste na compra pelo melhor preço disponível no momento.
A corretora, depois, envia a ordem para a B3, por meio de sistemas eletrônicos. A Bolsa de Valores brasileira, então, recebe os dados e verifica se estão em conformidade com as regras do mercado. Passada essa verificação, ocorre o registro da ordem como uma oferta.
A B3 tem um livro com todas as ofertas de compra e venda. A Bolsa tenta “casar” a ordem de compra do investidor com uma ordem de venda correspondente. Quando encontra, o negócio é fechado. Nesse momento, a empresa gera um registro da transação, que inclui informações sobre as partes envolvidas.
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Próximo passo: a B3 identifica o comitente (investidor) que está comprando as ações. Essa identificação ocorre por meio do código da corretora e do número da conta do investidor. Depois, acontece a troca de ativos. As ações são transferidas da conta do vendedor para a conta do comprador.
Começa, então, o processo de liquidação, que envolve a confirmação da transferência de propriedade das ações e o pagamento ao vendedor. Quando a operação termina, o investidor recebe uma confirmação da corretora, que inclui detalhes como o número de ações compradas, o preço pago, as taxas envolvidas e os dados da transação.
O sistema da corretora atualiza automaticamente o saldo de ações do investidor, refletindo a nova quantidade de papéis em sua posse e o saldo em dinheiro.
Por fim, as ações adquiridas são registradas em nome do investidor em uma câmara de custódia – a Câmara B3 –, garantindo que a propriedade e os direitos sobre os ativos sejam devidamente mantidos.
Entenda o que acontece quando o investidor decide comprar uma ação. Foto: Infográfico/Canva
O que pode mudar para o investidor
Especialistas avaliam que o novo projeto da Bolsa brasileira pode aumentar a liquidez do mercado. “Com o ciclo de liquidação se encerrando mais rapidamente, recursos financeiros e ações serão logo liberados para novas operações”, diz Genaro, da FGV EAESP.
O professor faz, no entanto, uma ressalva: para investidores que operam em fusos horários muito diferentes do brasileiro, existe o risco de surgirem desafios operacionais para movimentar ativos e recursos a tempo.
Também há impactos para os participantes do mercado. Com o ciclo D+1, processos que hoje podem ser feitos em dois dias terão que ser realizados de forma mais rápida, exigindo automação e rotinas internas ágeis.
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Marcos Piellusch, professor da FIA Business School, explica que as corretoras terão menos tempo para organizar recursos próprios e dos clientes. Isso inclui o chamado funding intradiário, ou seja, o dinheiro que circula no próprio dia para cumprir obrigações.
Segundo Piellusch, a mudança proposta pela B3 ainda mexe com datas importantes para o dia a dia das empresas e dos investidores.
“As chamadas data-com (último dia em que a ação dá direito a proventos) e data-ex (a partir de quando não há mais direito) seguem existindo. Mas, com a liquidação mais curta na B3 para D+1, o mercado deve ajustar essas datas para manter coerência com o novo prazo”, afirma.