A fala de Donald Trump nas Nações Unidas, dizendo que encontrou Lula rapidamente, que o brasileiro é uma boa pessoa e que está disposto a conversar, abre uma nova frente de especulações no tabuleiro diplomático entre Washington e Brasília. Não foi um gesto de improviso. Trump raramente desperdiça palavras quando elas podem sinalizar tanto a adversários quanto a potenciais parceiros. A frase, curta e aparentemente banal, deve ser lida como um recado direcionado ao Brasil, à América Latina e também à sua própria plateia doméstica.
O pano de fundo é o das tarifas punitivas aplicadas sobre produtos brasileiros. A relação recente tem sido marcada pela tensão comercial e pela reativação de uma lógica de confronto tarifário. A declaração de hoje não apaga esse cenário, mas cria uma zona cinzenta em que hipóteses se tornam plausíveis. Uma possibilidade é a paralisia temporária da aplicação das tarifas já anunciadas, outra seria a suspensão parcial em determinados segmentos ou até mesmo a abertura de uma janela de 30, 60 ou 90 dias para congelar a escalada e permitir um diálogo. Não se trata, no entanto, de redução imediata. Tarifas de 20% a 25% tendem a permanecer como referência, ainda que com algum espaço para ajustes marginais em situações específicas.
Do ponto de vista prático, a disposição de conversar pode resultar em alguns movimentos de curto prazo. O mais previsível é justamente o congelamento temporário da agenda tarifária, que seria vendido por Trump como gesto de boa vontade em troca de abertura brasileira. Também é possível imaginar uma suspensão limitada de vistos que haviam sido cancelados, medida de baixo custo político para Washington mas de impacto simbólico significativo no Brasil. Outra alternativa é a criação de um mecanismo formal para iniciar uma pré-conversa, ou seja, um acordo que se limita a preparar o terreno para conversas futuras sem compromissos concretos. Ao mesmo tempo, existe o risco de que qualquer mal-entendido ou choque de expectativas simplesmente faça descarrilar as conversas, trazendo a relação de volta ao ponto em que está hoje ou até mesmo a um patamar de maior atrito.
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Um tema inevitável nessa equação é a Venezuela. Trump gostaria de contar com o Brasil como ator ativo no cerco ao regime de Caracas, especialmente para dar legitimidade latino-americana a iniciativas americanas. Lula, por sua vez, só poderia oferecer esse apoio dentro de um contexto mais específico e amarrado, provavelmente vinculando qualquer colaboração a flexibilizações comerciais que aliviem setores exportadores nacionais. Esse pode se tornar o eixo central da barganha diplomática entre os dois governos.
No curto prazo, dificilmente haverá acordo para redução estrutural das tarifas. Isso exigiria um pacote mais amplo, envolvendo outros parceiros e concessões recíprocas, algo incompatível com o imediatismo do anúncio de hoje. O cenário mais plausível é a paralisia de 30 a 90 dias em algumas frentes, acompanhada de gestos simbólicos como vistos e conversas preparatórias.
O encontro rápido e a declaração de que Lula é uma boa pessoa cumprem uma função de rebaixar a temperatura. Trata-se de um reposicionamento tático de Trump, que em vez de projetar hostilidade total sugere abertura, mas em termos e prazos definidos por Washington. Para o Brasil, é uma oportunidade de ganhar tempo e margem de manobra. Para Trump, é a chance de mostrar pragmatismo sem perder o discurso duro.
Em síntese, o gesto não resolve nada de imediato, mas abre a porta para que algo possa acontecer ou para que se crie a percepção de que algo pode acontecer. A consequência mais realista é a paralisia temporária, combinada a pequenos gestos de aproximação. A redução de tarifas permanece improvável e a Venezuela tende a ser o tema mais sensível nas conversas. Cabe agora a Lula explorar essa abertura com cautela, transformando uma fala protocolar em margem real de negociação, ou aceitar que o “Trump disposto a conversar” pode não passar de mais um jogo de cena no palco da ONU, com o risco constante de que tudo volte a estaca zero ou piore.