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Reforma Tributária: veja o que muda em nossa rotina diária

Novo modelo de impostos sobre consumo promete simplificar, mas ainda levanta dúvidas sobre alíquotas, transição e impacto no dia a dia

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A reforma tributária no Brasil busca simplificar impostos ao substituir o sistema fragmentado por um IVA dual com CBS e IBS, trazendo mais transparência, impactos no consumo e transição até 2033. (Imagem: Adobe Stock)
A reforma tributária no Brasil busca simplificar impostos ao substituir o sistema fragmentado por um IVA dual com CBS e IBS, trazendo mais transparência, impactos no consumo e transição até 2033. (Imagem: Adobe Stock)

Durante décadas, o sistema tributário brasileiro funcionou como uma colcha de retalhos costurada às pressas. Criou-se um modelo em que a complexidade se tornou regra, e a simplicidade, exceção. O contribuinte médio, ao fazer sua declaração ou ao pagar uma simples conta no supermercado, convivia com um emaranhado de tributos sobrepostos, cumulativos e de siglas indecifráveisICMS, IPI, PIS, COFINS, ISS — cada um com alíquotas, exceções e interpretações próprias. Essa fragmentação, além de punir a produtividade e a transparência, também alimentava a guerra fiscal entre estados e municípios, um “puxa-encolhe” que tornava a competitividade brasileira ainda mais anêmica. Em resumo, tínhamos um sistema que mais parecia um teste de paciência do que um instrumento de política econômica eficiente.

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A proposta em andamento busca transformar esse caos em algo mais simples: dois tributos principais sobre consumo, no modelo de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual. Na prática, seriam a CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal). Parece mais fácil, e de fato é, mas até chegar lá o caminho será longo.

A primeira grande promessa é a transparência. O imposto passará a aparecer de forma destacada na nota fiscal, deixando claro quanto o consumidor paga de tributo em cada produto ou serviço. Isso pode causar um certo choque cultural. Muita gente vai perceber que a carga tributária embutida no preço é muito maior do que imaginava.

No dia a dia, o impacto será sentido de formas diferentes. A cesta básica deve ter tratamento especial, com alíquota reduzida ou até isenção para alguns itens, numa tentativa de proteger o consumo popular. Já serviços como educação privada, saúde suplementar e especialmente o setor de tecnologia (streamings, aplicativos, serviços digitais) devem sentir aumento de carga. É bem provável que sua assinatura de música ou de filmes fique mais cara.

A indústria, por outro lado, tende a se beneficiar com a simplificação, reduzindo a chamada “cumulatividade” de tributos que encarecia a produção. Mas não se anime tanto: a mudança não será da noite para o dia. A transição foi desenhada para durar quase uma década, até 2033. Nesse período, vamos conviver com dois sistemas em paralelo: o antigo, com toda sua complexidade, e o novo, que aos poucos vai ganhando espaço. Ou seja, o discurso da simplificação é verdadeiro, mas só no futuro.

E, como em qualquer reforma, haverá ganhadores e perdedores. O setor de serviços, que hoje paga menos impostos na média, tende a arcar com mais. A indústria e o comércio, que acumulavam créditos tributários difíceis de recuperar, devem se tornar mais competitivos. Para o consumidor final, isso significa uma redistribuição: alguns preços podem cair, outros subir. O que nem o contribuinte mais otimista espera é uma redução global da carga tributária. Em outras palavras: se você sonhava que a reforma ia deixar o Brasil mais barato, pode acordar.

Outro ponto importante: esta primeira fase da reforma foca apenas no consumo. Mas já se fala na etapa seguinte, que deve mirar na tributação da renda e do patrimônio. Isso envolve debates polêmicos, como a tributação de dividendos e heranças. Para quem acompanha o assunto, é como assistir a uma série com várias temporadas: estamos apenas na primeira; os próximos episódios prometem ainda mais emoções.

O contribuinte comum pode se perguntar: “E eu com isso?” A resposta é simples: tudo. Você vai sentir os efeitos no preço dos produtos, nos serviços que contrata, nas escolhas de consumo do dia a dia. Além disso, o processo de transição pode gerar dúvidas, cobranças cruzadas e até momentos de confusão. Se hoje já é difícil entender a diferença entre ICMS e ISS, imagine conviver com os dois sistemas funcionando juntos por quase dez anos…

A boa notícia é que, a longo prazo, a simplificação deve trazer benefícios: mais clareza, menos disputas judiciais e um sistema mais previsível. A má notícia é que, até chegarmos lá, todos teremos de conviver com ajustes, aumentos pontuais de preços e a inevitável sensação de que a tributação simplificada ainda está longe de ser realmente simples.

Em resumo, a reforma tributária é histórica e necessária. Ela não resolve todos os problemas, não diminui magicamente a carga tributária e tampouco eliminará a complexidade de um dia para o outro. Mas representa um avanço em direção a um sistema mais racional. Para o consumidor, resta acompanhar de perto e ajustar o orçamento.

No fim das contas, a reforma tributária é como aquele prato de restaurante badalado: a promessa é de alta gastronomia, mas o contribuinte ainda não sabe se vai sair satisfeito ou com a sensação de ter pago caro por algo indigesto. O desafio será acompanhar se o país terá disciplina para realmente simplificar ou se o velho hábito brasileiro de complicar o que poderia ser simples vai prevalecer. Se conseguirmos atravessar a transição sem que a paciência do contribuinte acabe antes da reforma, talvez finalmente possamos servir um cardápio tributário mais justo, transparente e digerível — ainda que, como sempre, a conta venha salgada.

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