Turbina eólica da Auren (AURE3) em unidade de geração de energia. (Foto: Auren Energia)
Um ano após concluir a compra da AES Brasil, a Auren(AURE3) volta a indicar que pode ir às compras no setor elétrico. A sinalização ocorre em meio ao esforço da companhia para reduzir a dívida elevada assumida na operação, concluída em 31 de outubro de 2024, e após um período marcado por incertezas regulatórias com a tramitação da MP 1.304, votada no Congresso nesta quinta-feira (30). Ainda assim, segundo analistas, o endividamento decorrente da aquisição segue limitando a retomada da distribuição de dividendos mais robustos no curto prazo.
Vale lembrar que o anúncio da compra da AES pela Aurenocorreu em maio de 2024. A proposta de combinação dos negócios foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em julho de 2024 e a fusão foi concluída em 31 de outubro de 2024. A companhia pagou cerca de R$ 7 bilhões pela compra e precisou se endividar para desembolsar o montante.
No final de 2024, a Dívida Bruta totalizou R$ 27,0 bilhões, crescimento de 51,9% em relação ao saldo da Dívida Bruta de 2023. No balanço mais recente, do segundo trimestre de 2025, a dívida bruta da Auren era de R$ 25,0 bilhões, queda de 7,4% na comparação com a dívida bruta do trimestre do fechamento da operação (4T24).
A alavancagem, medida pela relação dívida líquida sobre Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização (Ebitda), estava em 5,7 vezes na conclusão da aquisição (4T24). Já no segundo trimestre de 2025, ela recuou para 4,8 vezes, baixa de 1,1 ponto porcentual. Ainda assim, a alavancagem está 3 pontos porcentuais acima da registrada ao fim de 2023, 1 ano antes da aquisição da empresa.
Com o aumento do endividamento, a companhia foi obrigada a reduzir o porcentual do lucro destinado aos dividendos, fixando o payout em 25%. Segundo a diretora de assuntos regulatórios e de mercado, Priscila Lino, a política deve ser mantida no próximo ano devido à alavancagem. No evento AGF Day, em setembro, a executiva também comentou que a empresa segue avaliando novas oportunidades de aquisição.
“O desejo de continuar investindo está presente, mas depende da condição dos projetos”, disse a executiva. Ela comentou que entre as possibilidades estão o leilão de reserva de capacidade para contratação de potência e o de sistemas de armazenamento, ambos planejados pelo governo para o ano que vem.
Para analistas ouvidos pelo E-Investidor, a companhia até pode realizar novas aquisições, mas apenas de menor porte, já que o endividamento ainda não está equacionado. Gabriel Uarian, analista da Cultura Capital, não vê espaço para uma operação semelhante à compra da AES. “Isso poderia pressionar a alavancagem para níveis insustentáveis”, afirma.
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No entanto, ele ressalta que projetos orgânicos, como a expansão de Porto Primavera ou participação seletiva em leilões, cabem no orçamento, pois usam caixa operacional e não demandam tanto endividamento novo. “É uma estratégia equilibrada: crescimento sem exageros, priorizando a saúde financeira”, aponta Uarian.
Régis Chinchila, analista de Research da Terra Investimentos, ressalta que a prioridade deve ser reduzir o endividamento antes de fechar grandes aquisições, a menos que surja uma oportunidade extraordinariamente atraente com bom retorno e sinergias. O especialista revela que essa melhora deve demorar, com a Auren ainda alavancada em 2026.
“O processo de desalavancagem deve ser gradual. Esperamos que a relação dívida líquida/Ebitda convirja para cerca de 4,4 vezes em 2025 e 3,6 vezes em 2026, como projetado”, explica Chinchila.
Ainda assim, a companhia tem sinalizado ao longo do ano que pretende fazer novas expansões. Lino comentou em setembro que a empresa pretende participar do leilão de reserva de capacidade (LRCAP). A Auren quer ofertar a expansão da hidrelétrica Porto Primavera, onde já há obras civis realizadas para receber quatro turbinas adicionais. Lino salienta que a companhia somente entrará no certame se as condições do edital se mostrarem atrativas, com preço que efetivamente remunere o investimento, lembrando que há previsão de forte competição pelos contratos.
Uarian, da Cultura Capital, diz que a expansão de Porto Primavera é bem atrativa para a Auren, especialmente agora com a extensão de concessão em sete anos aprovada em setembro de 2025, garantindo operação estável até pelo menos 2032. Ele diz que a usina atual tem 1.540 Megawatt (MW) de capacidade, e o plano é adicionar quatro turbinas de 112,5 MW cada, totalizando mais 450 MW.
“Isso aumenta a vazão máxima de 8.904 metros cúbicos por segundo para 11.812 metros cúbicos por segundo, capturando mais energia em períodos de alta demanda. A medida também pode incrementar a geração de receita entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões anuais”, diz Uarian.
MP do setor elétrico trouxe volatilidade para a Auren
Nesta semana, às vésperas de completar um ano da aquisição da AES, as ações da Auren acumulam queda de mais de 9%. A baixa, porém, está ligada a outro fator: a expectativa em torno da Medida Provisória 1.304, que poderia ampliar o ressarcimento por cortes de geração de energia para além de falhas na transmissão por indisponibilidade de equipamentos. O relatório inicial, contudo, manteve essa limitação, frustrando o mercado.
Depois da reação negativa do mercado, o texto foi alterado e passou a ampliar o ressarcimento por cortes de geração de energia. Pela nova redação, a compensação será permitida em todos os casos, exceto quando houver sobreoferta, isto é, quando a oferta superar a demanda e não for possível absorver toda a energia disponível.
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A compensação será via encargos de serviço do sistema, embutidos na conta de luz. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) terá até 60 dias para apurar os valores dos cortes de geração a partir de 1º de setembro de 2023, quando as interrupções ficaram mais frequentes e escalaram para uma crise no setor.
Na visão de Wagner Ferreira, advogado especialista em energia e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, a medida final é positiva para Auren (AURE3), pois será dado um tratamento aos cortes de geração, reduzindo o risco futuro e endereçando o passivo já constituído.
O que esperar dos dividendos da Auren?
Os analistas trabalham com projeções mais modestas para os proventos da companhia. Régis Chinchila, da Terra Investimentos, estima um dividend yield entre 2,5% e 4,0% nos próximos 12 meses, a depender do desempenho operacional e do fluxo de caixa disponível para distribuição. Ele considera esse nível baixo e avalia que a Auren pode voltar a oferecer um retorno mais atrativo em cerca de três anos, caso o processo de desalavancagem avance como previsto e o ambiente macro e regulatório favoreça o setor elétrico.
Já Gabriel Mollo, do Banco Daycoval, explica que o dividend yield da Auren deve continuar baixo, em torno de 0,5% a 1% ao ano, considerando o histórico recente e o cenário atual de desalavancagem. Segundo ele, para que esse percentual aumente, seria necessário um corte relevante na dívida ou uma mudança na política de distribuição.
“A empresa deve voltar a ter um rendimento em dividendos de dois dígitos porcentuais entre 2026 e 2028. Esse prazo depende da redução efetiva da dívida e da estabilidade da geração de caixa. A recuperação de dividendos mais expressivos deve vir com a consolidação das sinergias da AES e o atingimento das metas de alavancagem”, afirma Mollo.
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Gabriel Uarian, analista da Cultura Capital, estima umdividend yield da Auren de cerca de 1,5% a 2% para os próximos 12 meses. Ele diz que os pagamentos recentes foram modestos: R$ 0,057 por ação em abril de 2025 e R$ 0,40 em março de 2024, mas analistas veem melhora para R$ 0,50 em 2025.
“Se os preços de energia subirem e a integração da AES render frutos, pode pular para 3% a 4%, mas nada explosivo ainda. É conservador, mas sustentável”, aponta Uarian.
Em resumo, a Auren (AURE3) atravessou um ano marcado pelo processo de redução de endividamento e incertezas trazidas pela MP do setor elétrico. Para os próximos anos, analistas ainda projetam dividendos modestos e, por isso, preferem adotar cautela com o papel. Mesmo assim, investidores com horizonte mais longo podem encontrar oportunidade caso a companhia avance na redução da dívida e recupere o potencial de distribuição de proventos.