“Foi um rali sustentado por fundamentos, mais do que por liquidez”, diz Saulo Godoy, sócio-fundador da Apen Capital, consultoria de investimentos. Godoy observa que as ações subiram junto com o aumento dos lucros das empresas, principalmente dos setores domésticos em imobiliário, bancos e energia, que entregaram resultados robustos e dividendos relevantes. E, apesar de o capital estrangeiro ter puxado o índice, “o investidor que acreditou na economia interna foi premiado”, diz.
Saúde, Consumo, Imobiliário e Financeiro foram os setores de maior destaque no ano. Entre as exportadoras, o desempenho foi desigual, com petróleo e petroquímico recuando, enquanto aço, mineração e proteínas registraram ganhos moderados. A base de comparação depreciada em relação a 2024 ajudou a dar a impressão de que o principal índice da Bolsa subiu muito em 2025.
Empresas baratas para os padrões globais
O Ibovespa começou o ano negociando a apenas 7 vezes o lucro projetado (P/L). E mesmo depois de um rali, segue negociando próximo de 9 vezes lucro, abaixo da média histórica de 10,5 vezes desde 2005. “O Brasil continua entre os mercados mais baratos do mundo, perdendo apenas para a Turquia. Enquanto México, Argentina e China negociam perto de 15 vezes lucro, Índia e Austrália já superam 20 vezes”, compara Luis Castro da Fonseca, sócio-fundador da Nest Asset Management.
O P/L mostra para o investidor quantos anos ele levaria para recuperar, em lucro, o valor pago por uma ação ou, neste caso, um índice. Quanto menor o P/L, mais “barato” está o ativo em relação ao lucro das empresas.
O ano de 2025 ainda carregou o ceticismo fiscal com o governo brasileiro entregando uma combinação de gastos crescentes e arrecadação insuficiente. Apesar da desconfiança do mercado, e da pressão sobre os juros e sobre a dívida pública, o fluxo estrangeiro ajudou. Segundo a B3, os investidores de fora seguiram liderando e responderam por 58,3% do volume negociado até outubro.
Trump ajudou no movimento de alta no Brasil
O impulso veio num misto de desconfiança em relação às políticas tarifárias do presidente americano Donald Trump, que levou parte do capital estrangeiro a diversificar para fora dos EUA, e de melhora do ambiente externo, com a inflação americana cedendo e o ciclo global de juros avançando após dois cortes do Federal Reserve.
Esse novo fluxo de dinheiro também beneficiou o Brasil, fazendo o real valorizar frente ao dólar em cerca de 10%. Em maio, antes do início dos cortes de juros nos Estados Unidos, o Ibovespa bateu sua máxima ao superar pela primeira vez os 140 mil pontos.
A primeira pernada de alta veio com a estabilização do câmbio em torno de R$ 5,30 e o início do fechamento da curva de juros futuros. “Isso foi um reflexo do alívio nas expectativas e maior apetite ao risco”, diz Lucas Constantino, estrategista-chefe da GCB Investimentos.
Em dólares, o Ibovespa subiu 40,2% no acumulado do ano, superando a média dos emergentes (33,6%), embora tenha ficado atrás de mercados como África do Sul (57%), Coreia do Sul (85%) e México (46%). “Nosso mérito foi não estragar o ciclo global. A Bolsa andou bem, mas muito por fatores externos”, observa Fonseca.
“O dólar foi um vetor de confiança, mas o motor real veio do lucro”, reforça Godoy. Na sua visão, após anos com posições abaixo do que seria considerado adequado, os fundos globais voltaram a enxergar o Brasil como oportunidade de valor.
Fonseca contextualiza o avanço da Bolsa a um movimento internacional que beneficiou os mercados emergentes que estavam subavaliados. “O investidor global passou a enxergar valor em toda a classe de ativos emergentes, e o Brasil acompanhou esse movimento.”
Constantino, da CGB Investimentos, resume o quadro dizendo que o Brasil combinou diferencial de juros elevado, câmbio estável e múltiplos comprimidos. “Dessa forma se manteve entre os destinos preferidos de capital estrangeiro.”
Brasil entrou na mira da guerra comercial
Em julho, o mercado passou a realizar parte do lucro depois que o presidente Trump voltou suas baterias contra o Brasil na sua guerra comercial. O presidente americano anunciou a sobretaxa de 40% aos produtos brasileiros, que foram somadas à tarifa básica de 10% comunicada desde abril para todos os países. A argumentação política somada à crise envolvendo a Lei Magnitsky e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também ajudou a azedar o mercado.
Outro fator que gerou volatilidade no ano foi o tema fiscal. Apesar de espinhoso, o governo passou uma sinalização mais pragmática ao mercado. Entre as notícias consideradas positivas estão o contingenciamento e bloqueio de R$ 31,3 bilhões em maio para respeitar o teto do arcabouço fiscal.
O pulso do mercado, no entanto, foi ditado pelos eventos externos. Ainda no final de julho, o Ibovespa deu uma nova pernada de alta, depois que o governo americano anunciou uma série de isenções às tarifas de 50% sobre as importações brasileiras. O mercado interpretou a notícia como uma versão mais “light” do tarifaço contra o Brasil.
Esse novo ciclo de alta foi interrompido aos 146 mil pontos, na primeira semana de outubro, quando houve um aumento das tensões entre EUA e China, com a preocupação fiscal no radar, depois da derrota do governo na MP do IOF.
Depois do susto, mercado reagiu
A derrubada da Medida Provisória (MP) nº 1.303/2025, que também ampliava a arrecadação e visava alterar a tributação de aplicações financeiras, fundos de investimento e ativos virtuais (como criptomoedas) gerou ruído. O episódio mostrou fragilidade política do governo no Congresso.
Apesar disso, a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de compensar a MP com uma estratégia de fatiar o pacote entre corte de gastos e aumento de taxação sobre bets e fintechs, alterou a condução política do tema.
O Ibovespa voltou a reagir mais forte do que os pares emergentes ainda em outubro, quando as notícias de uma aproximação de Lula com Trump passaram a ganhar as manchetes. “O encontro dos dois presidentes ajudou a encurtar essa distância e devolveu o ritmo do Ibovespa ao padrão dos pares globais”, observou Fonseca.
Constantino destaca que o episódio “reforçou a percepção de normalização institucional e reduziu ruídos geopolíticos”, ajudando a impulsionar novos recordes do principal índice da bolsa brasileira.
Os contrastes do Brasil
Esse movimento de alta perdeu força em novembro, depois que o Ibovespa tocou na sua máxima histórica de 158 mil pontos, num movimento interpretado como de correção técnica e saudável após um rali de alta excessivo, combinado com cautela global. Os mercados emergentes também apresentaram esse movimento de realização de lucro, mas num nível mais brando.
A política monetária desempenhou seu papel ao manter as expectativas do mercado sob controle e preservar a credibilidade do Banco Central. “O BC funcionou como um contrapeso ao ímpeto arrecadatório do governo, garantindo estabilidade no câmbio e na curva de juros longa”, comentou Godoy.
Para os agentes do mercado, 2025 foi mais um ano do governo Lula de contraste entre a política fiscal expansionista e a política monetária contracionista. “O Banco Central manteve a Selic em 15% para preservar a credibilidade e conter a inflação acima da meta, atuando como contrapeso ao fiscal”, afirma Constantino.
Para 2026, eleições deixam quadro incerto
Em 2026, o grande tema será as eleições presidenciais. Para Luis Fonseca da Nest Asset, esse quadro oferece um período de oportunidades, caso surjam sinais de mudança na condução econômica ou maior compromisso com o ajuste fiscal. Ele avalia que o Brasil continua descontado em relação a outros emergentes e que, se os múltiplos convergirem para a média global, o potencial de valorização da Bolsa brasileira pode chegar a 50%.
Parte do mercado espera que o Banco Central inicie cortes graduais de juros no primeiro trimestre, condicionados à melhora fiscal e das expectativas, tendo como pano de fundo a inflação em nível moderado. Para atravessar o ano político-eleitoral, os especialistas sugerem seletividade e diversificação geográfica.
Godoy, da Apen, prefere esperar. Na sua visão, o ciclo eleitoral tende a elevar a volatilidade e manter o risco fiscal em evidência. Por isso, ele recomenda que o investidor preserve a liquidez no portfólio, aproveitando o bom retorno dos ativos pós-fixados e evitando alongar prazos, enquanto o cenário político não se define. Para ele, a Bolsa segue barata, mas deve ter peso moderado nas carteiras, com posições adequadas ao perfil de risco de cada investidor.