Marília Fontes: "O sistema financeiro fica mais arriscado porque passa a contar com uma liquidez menor do FGC. Foto Nord Investimentos, com montagem E-Investidor
A liquidação extrajudicial do Banco Master deve endurecer as regras do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), além de elevar o risco de crédito no mercado financeiro no curto prazo. Marilia Fontes, sócia fundadora da Nord Investimentos, explica que isso acontece porque o resgate dos Certificados de Depósitos Bancários (CDBs), emitidos pela instituição financeira com taxas bem acima da média do mercado, deve comprometer consideravelmente o colchão de liquidez do FGC.
“O sistema financeiro fica mais arriscado porque passa a contar com uma liquidez menor do FGC. Se quebrar outro banco, vai ficar difícil para o FGC honrar com as garantias”, diz Fontes em entrevista ao E-Investidor.
A situação se complica sobretudo para os bancos de pequeno e médio porte. Segundo especialistas, essas instituições devem enfrentar mais dificuldade para captar recursos por meio de CDBs, já que a crise do Banco Master elevou a aversão ao risco entre investidores. “As taxas desses bancos tendem a subir porque a percepção de risco aumentou”, afirma a especialista.
Com a liquidação decretada pelo Banco Central nesta terça-feira (18), os investidores que têm CDBs do Master precisarão acionar o FGC para recuperar total ou parcialmente os valores aplicados. Segundo dados divulgados pela própria instituição, que atua como seguro para os investidores em caso de calote no mercado financeiro, o Banco Master conta 1,6 milhão de clientes que detêm um total de R$ 41 bilhões de ativos cobertos pelo FGC. O volume representa aproximadamente 30% do colchão de liquidez do fundo, que atingiu R$ 121 bilhões no primeiro semestre de 2025.
O ressarcimento para essas aplicações fica limitado a R$ 250 mil investidos por CPF na instituição financeira liquidada, incluindo os rendimentos dos títulos. Ou seja, quem aportou R$ 200 mil em CDBs do Banco Master e deveria receber R$ 70 mil em rendimentos até esta terça-feira, data da liquidação, poderá ter R$ 250 mil de volta por meio do FGC. Veja os detalhes nesta reportagem.
A polêmica envolvendo o Master
O modelo de negócio do Banco Master era considerado de alto risco, visto que o crescimento da instituição financeira ocorria pela captação dos CDBs com retornos de até 140% do CDI, patamar acima da média do mercado. O selo de garantia do FGC era utilizado como estratégia de marketing para atrair investidores, o que preocupava especialistas dado a representatividade do volume emitido pelo banco na liquidez do Fundo Garantidor de Crédito.
Já o dinheiro fruto dessa captação era aplicado em ativos de alto risco, como precatórios, direitos creditórios e crédito privado de empresas em dificuldade financeira, que não garantiam a liquidez necessária para honrar com os compromissos do banco. As dificuldades de levantar recursos para fazer frente aos vencimentos dos títulos obrigaram a instituição financeira a buscar alternativas que viabilizassem a sua sobrevivência.
No primeiro semestre, o Banco de Brasília (BRB) anunciou a compra de uma fatia do Master, mas a operação foi negada pelo Banco Central. A negociação também desencadeou em uma investigação da Polícia Federal que resultou na prisão de Daniel Vorcaro, na noite de segunda-feira (17), por suspeitas de crime financeiro. Como explicou o Estadão nesta reportagem, o BRB transferiu cerca de R$ 12,2 bilhões ao Master no primeiro semestre de 2025 para a compra de carteiras de crédito, antes mesmo de formalizar a intenção de comprar o banco.
Ainda na noite de ontem, o Grupo Fictor também anunciou interesse em comprar o banco, mas a proposta foi interrompida pela intervenção do BC. O banco também recebeu aportes de fundos de pensão de Estados e municípios. O Rioprevidência, responsável pelo pagamento das aposentadorias de servidores públicos e pensionistas do Estado do Rio de Janeiro, investiu quase R$ 2,6 bilhões em ativos ligados ao Master. O Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ) proibiu, em outubro, novas alocações devido ao risco dos investimentos.
Para Fontes, a sequência desses eventos exige endurecimento das regras do FGC.
“Se o banco for captar dinheiro via CDB com o selo do FGC de garantia, não pode alocar esses recursos em ativos muito arriscados ou ilíquidos. É preciso endurecer as regras de onde esses recursos poderiam ser aplicados para que não sobrecarregue o FGC”, sugere a sócia da Nord Investimentos.
Como mostramos aqui, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, no começo de agosto, mudanças nas regras do FGC. Uma das medidas envolve a chamada Contribuição Adicional (CA), uma taxa extra paga ao fundo por instituições com perfil de risco mais elevado. Hoje, essa cobrança só acontece quando a parcela de captação garantida pelo FGC ultrapassa 75% do total captado pela instituição. Com a nova regra, o gatilho será acionado mais cedo, a partir de 60%.
Além disso, a CA também foi dobrada, passando de 0,01% para 0,02% sobre o valor dos depósitos garantidos pelo fundo. Em outras palavras, os bancos vão ter de pagar mais caro se quiserem oferecer uma parcela grande de produtos garantidos pelo FGC. As alterações passam a valer em 1º de junho de 2026.
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As medidas, no entanto, não são suficientes para garantir a solidez do sistema financeiro. A sócia da Nord defende iniciativas que estimulem maior responsabilidade por parte dos investidores na hora de alocar seus recursos. Segundo ela, muitos dos clientes do Master compravam CDBs da instituição em função da cobertura do FGC, mesmo cientes dos riscos envolvidos.
“Acho que pelo menos deveria perder a rentabilidade. Assim, o investidor entende que não basta investir em um título e esperar pelo FGC“, opina.