A venda sobre CDBs do Master traz à tona debate sobre a responsabilidade de bancos e corretoras na venda de ativos de alto risco para investidores (Foto: Adobe Stock)
A liquidação extrajudicial do Banco Mastertrouxe à tona o debate sobre qual é o nível de responsabilidade das corretoras na recomendação e distribuição de investimentos. O E-Investidor apurou que a XP e o BTG Pactual venderam R$ 32,5 bilhões em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) do Master. A título de comparação, o volume responde por 65% do total de recursos que o banco, hoje liquidado, conseguiu captar via emissão de CDBs e Depósitos Interbancários (DI) em 2024, segundo investigações do Ministério Público Federal (MPF).
A XP lidera o volume de vendas, com R$ 26 bilhões em CDBs, enquanto o BTG Pactual distribuiu R$ 6,7 bilhões. O Nubank também possui uma participação relevante de R$ 2,9 bilhões, mas, ao contrário das demais instituições, o roxinho não conta com o serviço de assessores na recomendação desses produtos. Os valores consideram apenas o estoque de ativos mantidos nas carteiras dos clientes das plataformas até a data de liquidação do Banco Master. Procurados, a XP, BTG e Nubank não comentaram o assunto.
Quase todos os papéis são elegíveis à cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). A entidade é uma associação privada que assegura o ressarcimento de até R$ 250 mil por CPF em aplicações caso a instituição financeira sofra alguma intervenção, liquidação ou falência. A cobertura inclui tanto o valor nominal quanto os rendimentos alcançados com o investimento.
No caso dos CDBs do Banco Master, os títulos reuniam dois elementos bastante atrativos aos investidores de varejo: taxas de retorno acima da média do mercado e a cobertura do FGC. A combinação impulsionou a popularidade dos títulos, em alguns casos sem o devido esclarecimento dos riscos atrelados.
No entanto, analistas e advogados especializados em mercado de capitais argumentam que as corretoras e bancos de investimentos não podem ser responsabilizadas juridicamente apenas porque o investimento foi malsucedido. Segundo eles, o papel dessas instituições é democratizar o acesso aos diversos produtos financeiros que estejam regularizados pelo Banco Central (BC).
“Seria como culpar a corretora porque sua ação caiu. Eu acho que a culpa é de quem recomendou a compra do ativo. No caso, os agentes autônomos de investimento”, diz Marília Fontes, sócia da Nord Investimentos e analista de renda fixa.
Ainda assim, é preciso avaliar as condições dessa recomendação. Para Adilson Bolico, sócio do escritório Mortari Bolico Advogados, os principais problemas relacionados à venda dos CDBs do banco Master estão na falta de esclarecimento sobre o papel do FGC e na oferta de um ativo incompatível com o perfil de risco do cliente. Para esses casos, se houver comprovação de uma recomendação inadequada, a conduta dos assessores de investimentos recai integralmente sobre as plataformas às quais eles são vinculados.
“O assessor age por conta, ordem e responsabilidade de uma empresa que, nesse caso, é a corretora porque o investidor não contrata o assessor de investimentos. Ele contrata a corretora e o escritório de assessoria que é sugerido pela corretora”, diz Bolico.
Com a liquidação do Master, o Fundo Garantidor de Crédito estima que o ressarcimento custe cerca de R$ 41 bilhões – equivalente a 30% do seu colchão financeiro – e atenda 1,6 milhão de investidores. Uma minoria, no entanto, não será contemplada integralmente pela instituição, pois suas alocações ultrapassaram o limite previsto pelas regras do fundo.
Segundo fontes próximas ao assunto, a comissão para a venda dos CDBs do Banco Master aos assessores de investimento da XP girava em torno de 0,3% ao ano, em linha com os demais ativos. Se o título tivesse um período de cinco anos, o retorno sobre a venda do investimento poderia chegar a 1,5%.
Para Cleveland Prates, professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), o caso expõe uma relação conflituosa, na qual o assessor visa ganhar a comissão com a recomendação de ativos de maior risco, enquanto o investidor busca construir um portfólio alinhado aos seus objetivos financeiros.
“Os assessores e as plataformas não agiram em prol do seu cliente. Estiveram mais preocupados em receber bonificação e esse comportamento não ficou claro para o investidor”, diz o especialista.
Na terça-feira (3), em encontro com jornalistas, Gustavo Pires, diretor de gestão de recursos da XP, afirmou ao Broadcastque o evento relacionado ao Master trouxe reflexões dentro da corretora sobre o que pode ser melhorado na estratégia de alocação. O executivo esclareceu também que a XP distribui títulos bancários que cumprem as regras do BC, balanço auditado e rating (classificação de risco) por agências internacionais. Portanto, não poderia descontinuar a oferta dos ativos para clientes com base apenas na avaliação de agentes do mercado.
“Tecnicamente estava enquadrado e não poderíamos nos basear em um feeling (intuição) e, por conta disso, tomar uma atitude enérgica, sob o risco de consequências muito grandes, dado o tamanho que temos”, afirmou. “Alertar a um risco que não era materializado poderia desestabilizar sistema.”
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Consequências
Com o fim da operação do Master, o investimento realizado sem a orientação devida, mas dentro da cobertura do FGC, não deve resultar em penalidades para as plataformas de investimentos. Isso acontece porque a aplicação não causou nenhum prejuízo ao investidor, visto que os valores aplicados serão integralmente ressarcidos.
No entanto, a situação muda de contexto para os casos em que o FGC não cobre 100% das alocações. Esses recursos excedentes entram na massa falida e ficam no último lugar da lista de prioridades de pagamento. O investidor que ficou de fora da cobertura do FGC pode recorrer à Justiça em busca de indenização, caso tenha sido mal orientado por assessores de investimento ligado às plataformas.
A situação reforça a importância de analisar e questionar os fundamentos por trás do retorno prometido e o risco dos produtos financeiros que lhe são apresentados.
“Bancos menores e mais arriscados pagam muito: se o produto está sendo empurrado, desconfie. O papel da corretora é disponibilizar o acesso, mas o dever de alinhar o risco é conjunto”, ressalta Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos.
Os especialistas sugerem que os órgãos reguladores deveriam exigir das empresas alertas caso o investidor ultrapasse o limite de ressarcimento ao tentar realizar novas aplicações. “A medida evitaria aportes excessivos sem a plena ciência dos riscos da operação e ajudaria a evitar esses prejuízos ou mal entendidos”, diz Marcos Praça, diretor de análise da Zero Markets Brasil.
Esse mecanismo também precisa ser acompanhado por uma melhor compreensão em torno dos CDBs. Beto Saadia, economista-chefe da Nomos, escritório de investimentos, cita que os investidores têm uma ‘falsa ideia’ de que esses títulos bancários não têm riscos devido à cobertura do FGC.
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Segundo ele, há muitos investidores que não têm assessores de investimentos e, quando analisam esses títulos, levam em consideração apenas a rentabilidade dado que, em casos de calote, não sofrerão prejuízos se estiverem dentro do limite dos R$ 250 mil. “Acreditam que o FGC é a ‘mãe de todos os problemas'”, ressalta Saadia.
Os especialistas entendem também que as condições de cobertura do FGC precisam ser revisadas. Em artigo no Estadão, o ex-diretor do BC, Sérgio Welang, e Jairo Said, ex-presidente do Conselho de Administração do FGC, defenderam a criação de um limite de rentabilidade atrelada às emissões dos bancos, especialmente as de médio e pequeno porte, que oferecem taxas mais elevadas para atrair investidores.
Para Werlang e Sadi, as “instituições que tomassem recursos acima deste ponto de corte não mais poderiam contar com a garantia do FGC”.