A armadilha da renda fixa: por que o CDI engana e empurra fortunas de famílias para o exterior em 2026
Estudo do multi family office Jera Capital mostra que em 15 anos o CDI dolarizado só rendeu 2%, enquanto índices internacionais sextuplicaram valor investido
Felipe Nobre, CEO e fundador da Jera Capital: "Mesmo com os juros altos, não conseguimos preservar o valor da moeda", diz, sobre a "armadilha da renda fixa" evidente nos portfólios da alta renda. (Foto: Jera Capital / Arte de Victoria Fuoco)
O histórico de juros altos no Brasil fez o “home bias” – termo utilizado para se referir à preferência por investimentos do próprio país – ditar a alocação da carteira de uma geração de brasileiros. Mas o retorno de dois dígitos do CDI pode ter criado uma falsa sensação de conforto, impedindo que esses investidores acessem estratégias muito mais rentáveis no exterior. É uma armadilha da renda fixa, que fica ainda mais evidente na gestão dos portfólios de alta renda.
Um estudo da Jera Capital mostra que um investimento inicial de US$ 1 milhão no CDI dolarizado não rendeu mais de 2% em 15 anos. Já índices americanos de risco semelhante, como o S&P 500 e de private equity– investimento em empresas ainda não listadas em bolsa –, mais do que sextuplicaram o valor investido.
Apesar do Certificado de Depósito Interbancário (CDI, principal parâmetro de rendimento de investimentos do mercado) nominal estar em quase 15% ao ano, em janelas longas o diferencial do câmbio reduz drasticamente o retorno do investidor se comparado a opções em dólar.
“Pela teoria econômica, a taxa de câmbio tem uma relação de longo prazo com o diferencial de inflação entre os países e a produtividade de cada um. O Brasil tem uma inflação resiliente, acima até de outros emergentes, e uma produtividade pífia, além do problema fiscal histórico”, explica Felipe Nobre, CEO da Jera.
“Mesmo com os juros altos, não conseguimos preservar o valor da moeda.”
Em um negócio cujo objetivo é preservar o patrimônio de famílias de alta renda na prosperidade, incluindo gerações futuras, os recursos não podem estar expostos a esse risco. A melhor saída vem da internacionalização.
Internacionalização segue estilo de vida das novas gerações
O multi family office administra cerca de R$ 4,5 bilhões e adota um estratégia de alocação voltada majoritariamente ao exterior. Na prática, isso significa ter ao menos 60% da carteira lá fora. E essa é uma tendência que vai ganhar cada vez mais espaço na gestão de grandes fortunas brasileiras, afirma o executivo.
Não se trata apenas de retornos. Na visão da Jera, o grande motor da maior internacionalização dos portfólios brasileiros nos próximos anos não vem dos ganhos históricos do mercado americano, mas da transferência de riqueza entre as gerações.
“Em parte importante dessas famílias, a gestão do capital ainda é feita pela primeira geração, que teve dificuldade em exportar o capital por causa de barreiras na língua e na legislação. Durante boa parte da vida dessas pessoas, investir fora do Brasil era proibido. Mas os filhos têm uma vida internacional”, explica Nobre.
É, segundo ele, um processo inevitável. A nova geração, que estudou no exterior, fala outros idiomas, viaja e mantém gastos em outra moeda, também precisa que a carteira de investimentos esteja alocada além do real brasileiro.
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O escritório não é o único que pensa assim e há cada vez mais casas fortalecendo e expandindo as áreas de alocação global para capturar a demanda crescente no País. Como mostramos aqui, a Avenue tem chamado esse movimento de “diáspora patrimonial brasileira”.
“Todo mundo sabe fazer conta. Mas é um processo gradual. As gerações mais novas também são muito mais simpatizantes de uma gestão profissional independente, o dinheiro também precisa sair dos bancos.”
O gatilho eleitoral
A Jera acredita que a internacionalização dos portfólios das famílias ricas faz parte de um movimento estrutural, que deve acontecer gradualmente com a transferência de riqueza para as novas gerações e graças à mudança no modelo de atendimento oferecido no mercado.
Tudo isso leva tempo e não tem a ver com questões de curto prazo: o patamar do câmbio, o nível da taxa de juros, quem vai ganhar as eleições presidenciais. O que não significa, no entanto, que esses fatores deixem de ser gatilhos para acelerar ou atrasar o movimento. E isso pode acontecer em 2026, a depender do resultado eleitoral, destaca Nobre.
Boa parte do mercado financeiro está posicionado com um viés favorável a risco, se apoiando na expectativa de uma alternância de poder na disputa presidencial do próximo ano e, com ela, a possibilidade de maior enfrentamento do problema das contas públicas. Tal quadro tem embasado muitas projeções otimistas para o Ibovespa em 2026, assim como expectativas de câmbio e de taxa de juros – o entendimento geral é de que a Selic vai cair, resta saber até onde o Banco Central (BC) poderá chegar.
Bolsa em alta, juros em queda, dólar mais baixo. Um combo que pode fortalecer o “home bias” dos investidores brasileiros no próximo ano. “Em um cenário de vitória de um candidato mais liberal, podemos ter um período fértil. A necessidade de alocação internacional terá que competir com retornos de curto prazo muito bons no Brasil, o que pode suavizar a tendência de mudança”, diz.
Na outra ponta, uma vitória da esquerda ou a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderia acelerar a transição das fortunas e da alocação para fora. Como aconteceu, por exemplo, ao longo deste terceiro mandato do petista, quando em diferentes ocasiões de estresse no mercado investidores aumentaram a parcela da carteira internacional. Especialmente na alta renda, são os impostos que pesam.
“Na nossa base de clientes, já vemos algumas famílias dando saída fiscal do Brasil por causa da tributação. Há um risco de aceleração muito grande desse movimento, a depender das eleições 2026“, afirma Nobre.
São cenários muito binários. Para não precisar alterar a estratégia que adota, com a maior parte dos portfólios lá fora, a Jera tem adicionado na carteira dos clientes opções de EWZ, um ETF (Exchange Traded Fund, fundo atrelado a uma carteira de ativos negociado em bolsa como uma ação) conhecido como o “Ibovespa dolarizado”. Assim, permite que as famílias se exponham aos ganhos da Bolsa de Valores em 2026, para não ficar fora do rali se ele acontecer. Mas com a exposição ao câmbio, que traria ganhos mesmo em um cenário pior para os ativos brasileiros.