CDBs do Banco Master: o que acontece com a garantia do FGC se a liquidação for revertida
Especialistas questionam atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso e descrevem impactos para o investidor de uma eventual anulação da decisão tomada pelo Banco Central em novembro
Para o investidor de CDBs do Banco Master que aguarda o ressarcimento de até R$ 250 mil por CPF via Fundo Garantidor de Crédito (FGC), a possível reversão da liquidação aumenta as incertezas e pode atrasar o processo. (Imagem: Adobe Stock)
O fantasma do prejuízo voltou a rondar os investidores dos Certificados de Depósito Bancário (CDBs) do Banco Master por causa da possibilidade da liquidação da instituição, decretada em 18 de novembro pelo Banco Central (BC), ser revertida. Para especialistas, a suspensão da medida resultaria em considerável mudança no risco para o investidor, sendo atrasos nos pagamentos a consequência mais provável.
Os rumores sobre uma anulação da liquidação se intensificaram após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, determinar uma acareação entre o presidente do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e o diretor do BC, Ailton de Aquino. Em uma acareação, investigados em um processo judicial são colocados frente a frente para esclarecer divergências em depoimentos. No caso Master, porém, os depoimentos individuais sequer haviam sido colhidos.
O atropelo da ordem usual gerou estranheza entre advogados e alimentou preocupações no mercado sobre uma interferência do STF (leia nesta reportagem) na liquidação do Master. A acareação estava marcada para esta terça-feira (30), mas na noite de ontem, Toffoli voltou atrás e deu autonomia para a delegada responsável pelas investigações definir sobre a necessidade de por os interrogados frente a frente, como apurou o Estadão. Os investidores, entretanto, seguem atentos a possíveis reviravoltas no imbróglio que envolve as operações do banco. Procurados, Vorcaro, Master e Banco Central não se pronunciaram até a publicação do texto.
Em novembro, BC determinou a liquidação do Banco Master sob justificativa de “grave crise de liquidez” e “violações às normas que regem a atividade das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN)”.
Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, em frente à logo da empresa (Foto: divulgação)
A instituição tinha um modelo polêmico de negócio, cujo crescimento foi apoiado pela emissão agressiva de CDBs, com taxas de retorno acima da média do mercado. Na outra ponta, parte desses recursos captados eram investidos pelo Master em ativos de baixa liquidez, como apurou o Estadão. Até março, último dado disponível nos sistemas do BC, o estoque de CDBs do Master chegava a R$ 50 bilhões.
Vorcaro, presidente do Master, também é investigado pela Polícia Federal (PF) por supostamente vender carteiras de crédito falsas ao Banco de Brasília (BRB). O valor da operação é estimado em R$ 12 bilhões.
Caso ocorra, a anulação da liquidação colocaria em xeque a independência do Banco Central brasileiro e tenderia a afastar investimentos estrangeiros.
“É a quebra da segurança jurídica e institucional que nós temos no nosso sistema financeiro. É uma violação grave à independência do BC e abre espaço para judicialização de decisões de política monetária”, diz Danilo Coelho, economista, especialista em investimentos e MBA em Finanças pela Faculdade Brasileira de Negócios e Finanças.
Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, fala em “sepultamento” da segurança jurídica do mercado de capitais. “Há dúvidas sobre a competência jurisdicional do STF; há relatos de conflitos de interesses e, sobretudo, ativismo e heterodoxia judicial. Medidas anômalas, de baixa transparência e carentes de fundamentação como acarear diretor de órgão fiscalizador e réu de fraudes bancárias”, diz.
Como ficam os CDBs do Banco Master?
Para quem tem CDBs do Banco Master, uma reversão da liquidação também seria uma notícia negativa. Hoje, esses investidores aguardam o ressarcimento de até R$ 250 mil por CPF via Fundo Garantidor de Crédito (FGC). O processo usual é o envio da lista de credores do Master ao FGC, que realiza posteriormente o pagamento das garantias – veja aqui como funciona.
Contudo, uma vez revertida a liquidação, a responsabilidade sobre o pagamento dos CDBs volta para o Banco Master. Procurado, o FGC não se pronunciou.
“Se a liquidação for revertida antes de o pagamento do FGC se consolidar, o efeito mais provável é o atraso do pagamento e maior incerteza”, diz Fernando Moreira, advogado especialista em Direito Empresarial e Direito do Consumidor, doutor em Engenharia de Produção com ênfase em governança e compliance (conjunto de disciplinas que mantêm o empreendimento em conformidade com leis, normas e regras).
Risco para o investidor e o mercado brasileiro
Daniela Poli Vlavianos, advogada do escritório Arman Advocacia, aponta para um “deslocamento do risco”.
“A possível reversão da liquidação do Banco Master não garante, por si só, o pagamento dos CDBs emitidos pela instituição”, afirma. “A reversão da liquidação muda a natureza do risco, mas não o elimina, e pode inclusive tornar a recuperação dos valores mais lenta e mais incerta para o investidor.”
Para conseguir honrar o pagamento desses CDBs e demais passivos, o Master precisaria acelerar ainda mais a captação. Para captar nos níveis observados nos últimos anos, entretanto, seria preciso que o banco reconquiste a confiança do mercado – algo complexo, após os últimos escândalos.
“Não sei se simplesmente reverter a liquidação faria com que o banco conseguisse manter o ritmo acelerado de captação. Bancos trabalham em um segmento em que é necessário confiança”, diz Fabrício Henrique Silvestre, analista da Levante Investimentos.
Rafael Costa, fundador da Cash Wise Investimentos, resume a situação. “Para o FGC seria positivo, obviamente, já que o fundo garantidor não precisaria arcar sozinho. Para os investidores, nem tanto. Para o mercado, fica uma grande incógnita sobre se o BC tem, de fato, autonomia. Estou há 20 anos no mercado e nunca tinha visto algo assim.”