Pensando uma nova economia

Luana Ozemela é CEO da DIMA, uma empresa de desenvolvimento internacional estabelecida no Qatar que é uma porta de acesso ao mercado árabe. Doutora em economia e professora pesquisadora de gênero e políticas públicas da universidade Hamad Bin Khalifa da Fundação do Qatar, ela é diretora de relações com doadores da ONG PEGF da Nigéria na área de saúde. Foi funcionária do BID, em Washington DC, nos EUA. Ao longo da sua carreira Luana ela interagiu com dezenas de governos, doadores, investidores e ONGs nos EUA, América Latina, África e Oriente Médio.

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Luana Ozemela

Por que investir em PMEs de mulheres e negros pode fazer o PIB saltar 30%

O Brasil está entre as piores posições no Índice de Paridade de Gênero da América Latina

(Foto: Evanto Elements)
  • Mundialmente, investir em mulheres já é considerado uma das oportunidades de maior retorno sobre o investimento, como demonstram várias pesquisas econômicas
  • No Brasil, entretanto, pouco se sabe que ao aproveitar-se plenamente o talento de mulheres e negros na força de trabalho, isso poderia proporcionar um impulso inigualável ao PIB

Mundialmente, investir em mulheres já é considerado uma das oportunidades de maior retorno sobre o investimento, como demonstram várias pesquisas econômicas. No Brasil, entretanto, pouco se sabe que ao aproveitar-se plenamente o talento de mulheres e negros na força de trabalho, isso poderia proporcionar um impulso inigualável à renda per capita e ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Por exemplo, a plena participação econômica das mulheres no Brasil poderia impulsionar o crescimento do PIB em cerca de 30% ao ano em média segundo um relatório da McKinsey. No entanto, o gap de financiamento às empresas de mulheres alcança os US$ 16 bilhões no Brasil, segundo o Banco Mundial. O Brasil se encontra entre as piores posições no Índice de Paridade de Gênero da América Latina, e o Foro Econômico Mundial calcula que serão necessários 60 anos para atingirmos a paridade de gênero no âmbito econômico no País.

À medida que se aumenta a taxa de utilização do talento de mulheres e negros, o Brasil colhe os benefícios de um “dividendo duplo”, pois as mulheres além de controlarem 80% das decisões de consumo, são mais propensas a usar seus rendimentos para adquirir bens e serviços que melhoram o bem-estar da família.

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Os negros por outro lado com um poder de compra agregado de mais de $400 bilhões de dólares anuais, gastam uma maior proporção do seus rendimentos em doações e caridade que qualquer outro grupo populacional, segundo dados da Pequisa de Orçamentos Familiares de 2018. Isso produz um ciclo virtuoso, pois os gastos das mulheres e dos negros apoiam o desenvolvimento do capital humano, que por sua vez contribui com o crescimento econômico mas adiante. Ao mesmo tempo, o crescimento econômico com igualdade de renda é indiscutivelmente fundamental para o desenvolvimento sustentável.

Dados os benefícios econômicos e sociais significativos que poderiam ser obtidos, atores públicos, líderes empresariais e investidores frequentemente me perguntam como poderíamos aproveitar melhor o potencial econômico das mulheres e dos negros. As micro e pequenas empresas (PMEs) pertencentes a mulheres e negros são a melhor maneira de impulsionar o crescimento, eu respondo.

Elas são quase 2,5 milhões de empresas quando somamos 1,5 milhões de empregadores negros às 980 mil empregadoras não negras. Estas empresas, no entanto, são 99% micro e pequenas. A boa noticia é que são justamente as micro e pequenas empresas responsáveis por 55% dos postos de trabalho no Brasil, segundo o Sebrae. Investir nestas empresas significa expandir a força de trabalho, impulsionar o crescimento econômico, e produzir riqueza com mobilidade ascendente.

Dificuldades

O acesso ao capital não depende apenas do talento, do esforço ou das escolhas dos empreendedores. Pelo contrário, as mulheres são melhores líderes e melhores pagadoras do que os homens. No entanto, eles enfrentam as maiores dificuldades e carecem de apoio para crescer. De acordo com um estudo recente publicado na Harvard Business Review, as mulheres são mais eficazes do que os homens em todos os níveis hierárquicos e em praticamente todas as áreas funcionais das organizações.

Além disso, os níveis de inadimplência das mulheres são 40% menores em comparação aos dos homens. No entanto, as PMEs formais dirigidas por mulheres representam apenas 26% do total das PMEs.

O financiamento é quase sempre um desafio para as PMEs pertencentes a mulheres e as dificuldades são intensificadas devido a fatores relacionados à falta de garantias, score creditício e discriminação. As PMEs de propriedade de negros, em particular, enfrentam barreiras estruturais no acesso ao crédito produtivo, onde entre 35-45 porcento delas têm uma demanda por crédito não atendida. E, mais de um terço das empresas dirigidas por negros são informais (PNADc IBGE, 2018). Ou seja, há muito espaço para o crescimento dessas empresas.

Nem as mulheres, nem os negros confiam nos bancos que os discriminam. Segundo dados do escritório de proteção  ao consumidor da cidade de São Paulo (Procon-SP) de 2019, 55% dos consumidores já foram vítimas de discriminação, dos quais 62% são mulheres. Um banco ou uma instituição financeira é o segundo local mais citado onde as pessoas foram discriminadas. As PMEs de mulheres e de propriedade de negros pagam taxas de juros mais altas não porque sejam piores pagadoras, mas porque os bancos brasileiros tenham uma das piores taxas de recuperação de empréstimos do mundo, devido a suas ineficiências operacionais.

Financiamento

Existem várias iniciativas de financiamento a PMEs no País, mas poucos Bancos tradicionais possuem linhas de crédito para atender especificamente às mulheres e nenhuma para PMEs de propriedade de negros.

As instituições de microfinanças têm desempenhado um papel fundamental, mas ao focar no segmento micro, elas carecem a escala suficiente para poder apoiar as empresas que estejam em transição ao setor das pequenas e médias empresas.

Como resultado, o segmento de PMEs de mulheres e negros no Brasil representa uma oportunidade de financiamento significativa. E, uma nova geração de fintechs e plataformas de educação financeira lideradas por negros (Akintech, Mooba, Billing X, Conta Black, Financier Academy, Barkus, No Front) reconheceram essa oportunidade de negócio e pretendem erradicar as lacunas existentes do setor financeiro.

Um passo importante no empoderamento econômico de mulheres e negros será o de incorporar abordagens específicas nos produtos financeiros existentes para PMEs. Assim como o lançamento de novos produtos financeiros alternativos ao crédito, como equity e o smart money; aporte por investidores experientes e com conexões que adicionam valor ao negócio da empresa investida.

As soluções precisam lidar com as barreiras do lado da oferta (como preconceito e discriminação, os equívocos no cálculo do risco de crédito e os termos de crédito desfavoráveis ​​para as mulheres e negros) e as barreiras do lado da demanda (como a relutância das mulheres e negros em buscar empréstimos devido às maiores taxas de juros ou de rejeição). A expansão do acesso ao financiamento precisará ser complementada com treinamento empresarial e mentoria para garantir o melhor uso produtivo do capital. Portanto, as soluções precisarão ser integrais sustentadas ao longo do tempo.